Projecto de Resolução N.º 1367/XII/4

Recomenda a promoção de medidas de defesa da produção leiteira nacional

Recomenda a promoção de medidas de defesa da produção leiteira nacional

O Setor leiteiro em Portugal sofreu profundas alterações com a entrada do país na União Europeia. Alterações de modernização e organização, mas também de redução drástica das explorações existentes. Nos últimos 20 anos as explorações leiteiras passaram de 70 000 para menos de 7000, uma redução de 90%, mantendo-se contudo o volume de produção. Neste, como nos restantes setores produtivos, concentrar a produção e reduzir o número de produtores, significa logo à partida e em primeira linha concentração da riqueza produzida pelo setor, e não seguramente nas mãos de quem continua a produzir.

A produção leiteira, apesar destas alterações, continua a ter uma expressão significativa na região de Entre Douro e Minho e na Beira Litoral, já menos em Trás-os-Montes e muito grande nos Açores. Os últimos números indicam que no continente existem apenas 3600 produtores e 2600 nos Açores. Com a última Reforma da PAC e o fim das quotas leiteiras, que ocorrerá a 31 de março deste ano, num cenário em que os grandes países com melhores condições edafo-climáticas e maior capacidade de produção vão produzir muito mais, com custos de produção inferiores e apoios públicos mais elevados, o futuro dos produtores de leite de países como Portugal e de zonas ultraperiféricas, incapazes de competir, será dramático.

O PCP sempre defendeu a existência de mecanismos de regulação que defendessem o direito do país a produzir. Como o sistema de quotas foi associado ao histórico, o país nunca conseguiu alargar a sua produção e nesse quadro o PCP sempre defendeu a atribuição de uma quota maior a Portugal, que tivesse em conta as necessidades, potencialidades e perspetivas de desenvolvimento do setor e do país e que garantisse um nível de capitação que não estivesse muito abaixo do de outros países.

A manutenção das quotas leiteiras, com os devidos ajustamentos, é indispensável à proteção do setor face ao dito mercado livre. O aproximar do fim das quotas leiteiras, com a introdução de um mecanismo de aumento de quota anual – a dita aterragem suave - teve como consequência o aumento de produção em países do centro e do norte da Europa (bem para lá da quota) e tem vindo a fazer baixar o preço desde meados do ano passado. Por essa altura ocorreu uma descida do preço do leite pago à produção, na ordem dos 4,5 cêntimos/kg. Já no mês de janeiro passado o problema voltou a ser colocado com a redução de 3 cêntimos/kg, redução essa que poderá chegar aos 8 cêntimos em agosto próximo. Os produtores dizem que 40 cêntimos/kg é o limite mínimo de viabilidade das explorações, contudo os preços não ultrapassam já os 34 cêntimos, chegando nalguns sítios aos 30 cêntimos. Desde abril de 2010 que o preço em Portugal permanece abaixo da média europeia. Os baixos preços à produção conduzem a um agravamento do rendimento dos agricultores, que afeta principalmente os pequenos e médios produtores, e através desse efeito, promove o seu desaparecimento. No país existe já um conjunto de produtores de leite muito endividados, muitos deles ainda a pagar as quotas que compraram e que agora deixam de ter valor, mas também os investimentos para garantir a higiene, a segurança alimentar e a sanidade animal. É por causa desta dívida e do serviço da mesma, que muitos deles não desistem da atividade.

Àquela que é a diversidade de problemas, vão acrescendo ainda outros como é agora o exemplo do denominado Greening, no âmbito da nova PAC, que obriga à diversidade cultural e que tem implicações em explorações pequenas e médias do Entre Douro e Minho e da Beira Litoral, em que a produção forrageira tem uma importância determinante na viabilidade das explorações.

O agravamento da situação adivinha-se se atendermos a que na Letónia e na Lituânia já estará a ser vendido leite a 18 cêntimos e 20 cêntimos/kg. Também a entrada no mercado da transformação da Jerónimo Martins Agroalimentar (presidida pelo antigo ministro da agricultura do PS António Serrano), que adquiriu a Serraleite, levanta preocupações quer pela concentração da produção, quer pela possibilidade de transformação de leites vindos de fora. A história tem demonstrado que os milhares de euros investidos na indústria, fortemente apoiados por dinheiro público, raramente se têm traduzido em aumentos de preços ao produtor, ou seja os ganho de eficiência que os fundos públicos aí aplicados têm trazido não se traduzem na melhoria das condições de vida dos pequenos e médios produtores de leite.

Acrescente-se o domínio do mercado interno pelas grandes cadeias da distribuição que, com as respectivas marcas brancas, constituem, por si só, um problema na imposição de baixos preços e na falta de escoamento da produção nacional.

Como é lógico o fim das quotas e a abertura do mercado nacional ao leite estrangeiro (já se notam os aumentos de produção na Irlanda, Alemanha, Países Baixos, Dinamarca, Áustria, Polónia, França) produzem este efeito sobre os preços, que se agrava com o excesso de leite no mercado europeu, tanto por conta do embargo à Rússia, como da diminuição das importações pela China.

O que sucede com o setor leiteiro é um bom exemplo de que não basta um sector estar organizado para ultrapassar os seus problemas, como o Governo afirma. A resposta do Governo a este problema continua a ser “aprofundar a organização e a concentração da produção de forma a obter ganhos de escala”, não explicando como é que, sendo este o setor mais organizado do país e dos mais organizados da Europa e onde a concentração da produção foi efetiva, como referimos inicialmente, não se têm resolvido os problemas, antes se têm agravado.

Esta lógica de concentração não é aliás de lavra nacional, também a União Europeia apresenta a lógica da concentração como solução para o problema, esquecendo ou fazendo por esquecer as realidades concretas em cada país, como acontece por exemplo com as organizações de produtores, que sendo uma medida positiva é deitada por terra no nosso país, quando as regras para a sua constituição exigem um número cada vez maior de produtores e de produção.
Outra solução apontada pelo Governo para o problema é a evolução “numa perspetiva de racionalização de custos de produção, maior eficácia na utilização de recurso, e de reforço competitivo”. O problema desta solução é que esquece a capacidade competitiva do setor em Portugal comparativamente com outros países, onde por exemplo os fatores de produção não se aproximam dos valores atingidos em Portugal.

No que é essencial, o Governo não está disponível para mexer, como por exemplo para impor à comercialização margens de lucro que permitam partilhar com a produção as dificuldades. Os contratos obrigatórios não passam de uma panaceia, em que, por ausência de entidades públicas que defendam soluções justas, vai prevalecer a lei do mais forte - o comprador.

As estruturas europeias não escondem a implicações do fim das quotas para Portugal. Em relatórios recentemente apresentados assumia-se que: “A liberalização deste sector potenciará, em determinados países, risco de fortes aumentos de produção, eventuais excedentes da oferta e consequente quebra de preços. Em países/regiões com elevados custos de produção provocará uma perda de competitividade e consequente baixa de produção, tornando particularmente vulneráveis algumas regiões onde o sector leiteiro tem significado na economia local e na manutenção de emprego”. Referia-se ainda que “A estrutura produtiva do sector do leite nacional e os custos de produção relativamente elevados potenciam uma forte vulnerabilidade a situações de excesso de produção e consequente baixa de preços do mercado da UE que poderão pôr em risco a rentabilidade e viabilidade das empresas nacionais do sector”. Para as instituições europeias é já impossível esconder os riscos por que passa o sector leiteiro na Europa e em particular em Portugal. O Governo português finge não ver.

Neste contexto é fundamental manter em Portugal um setor leiteiro que, apesar das alterações mantém relevância e contribui para a autossuficiência do país em leite. Permitir a sua destruição é reduzir produção e emprego e promover as importações.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Que desenvolva esforços junto das instituições europeias para a manutenção de um quadro de regulação do mercado no plano europeu que dê resposta aos problemas do sector leiteiro, propondo medidas de defesa dos produtores nacionais, designadamente:
a. Pela garantia de preço justo à produção;
b. Pela garantia de proteção do mercado nacional face à entrada de leite estrangeiro;

2. Que assuma a regulamentação efectiva e a fiscalização da actividade especulativa das cadeias de distribuição alimentar, impondo limites ao uso das marcas brancas, bem como estabelecendo "quotas" de vendas da produção nacional;

3. Encontre os mecanismos, designadamente pela intervenção das estruturas do Ministério da Agricultura, para garantir que os preços a estabelecer nos "contratos" tenham de ter em conta os valores locais dos factores de produção.

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