Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Recomenda ao Governo um novo modelo de contratualização com as empresas de transportes públicos

(projeto de resolução n.º 202/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Muito mal vai um País quando a situação chega ao ponto de se discutir na Assembleia da República recomendações ao Governo para que seja cumprida a lei! Infelizmente, não é, nem de perto nem de longe, a primeira vez que isto acontece. Ainda há poucos meses, o PCP apresentou, neste mesmo domínio dos transportes públicos, o projeto de resolução n.º 52/XII (1.ª), recomendando a revisão dos critérios de repartição de receita dos passes intermodais e
combinados pelos diversos operadores, públicos e privados, para acabar com o desvio de milhões de euros de receitas para grupos privados do setor que se verifica há anos e anos, em prejuízo do sector público.
Apresentámos essa recomendação, citando, aliás, o próprio Tribunal de Contas e as suas recomendações expressas e reiteradas, mas espantosamente essa recomendação foi rejeitada, com o voto contra do PSD e do CDS e a abstenção do PS.
Agora discutimos este projeto de resolução, que recomenda ao Governo um novo modelo de contratualização com as empresas de transportes públicos. Ora, vou passar a ler dois
princípios que, talvez, alguns Srs. Deputados possam reconhecer: «Às empresas que explorem atividades de transporte que sejam qualificadas de serviço público poderão ser impostas obrigações específicas, relativas à qualidade, quantidade e preço das respetivas prestações, alheias à prossecução dos seus interesses comerciais»; «Os entes públicos competentes para o ordenamento dos transportes qualificados de serviço público deverão compensar os encargos suportados pelas empresas em decorrência das obrigações específicas que a esse título lhes imponham». Srs. Deputados, estas duas normas estão em vigor há 22 anos
— é a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres —, e há 22 anos que não são cumpridas!
É preciso que os Srs. Deputados do PSD e do CDS expliquem como é que a Metropolitano de Lisboa, EPE, tem indemnizações compensatórias de 3 cêntimos/passageiro/km e a empresa
privada do metro sul do Tejo recebeu 23 cêntimos/passageiro/km.
Como é que explicam que tenha havido dinheiros públicos para a Fertagus com critérios que dariam um lucro de 50 milhões de euros se fossem aplicados na CP Lisboa?
Como é que explicam que o Orçamento do Estado para 2012 refira, no artigo 92.º, que as indemnizações compensatórias para 2012 devem ser pagas até Fevereiro de 2013, obrigando as empresas a ir buscar dinheiro onde não há? É um problema que não pode ser ignorado, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Contratualizar tem de ser uma forma de defender o serviço público e as empresas do setor público, que são de todos, que são do País e que têm de estar ao serviço do povo e do País. Contratualizar não pode ser instrumento para privatizar «a toque de caixa» da troica e do pacto de agressão que os senhores assinaram com ela.
Não podemos aceitar esta política de terra queimada com o sacrifício dos direitos e dos postos de trabalho, a negação do serviço público às populações, tudo isto apresentado como caminho para a defesa das empresas, mas que, na verdade, serve para preparar o caminho à dominação total, rapidamente e em força, pelos interesses privados dos grupos económicos do sector.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que quando, para além de tudo isto, se perspetiva a aplicação massiva de recursos públicos numa operação de saneamento financeiro de milhares de milhões de euros destinada a garantir a proteção desses interesses e a privatização dos lucros, então, mais do que um roubo ao País, o que se observa é um ato de traição. Um ato de traição e de roubo que os trabalhadores dos transportes e as populações têm vindo a denunciar e a combater com firmeza e tenacidade na sua luta, que teve uma grande resposta na jornada de 11 de fevereiro no «terreiro do povo» e que já este mês voltará a ter a luta de quem trabalha na greve geral de 22 de março, custe o que vos custar.

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