Projecto de Resolução N.º 323XII/1.ª

Recomenda ao Governo a suspensão imediata da constituição de mega-agrupamentos, a revogação do Despacho n.º 5634 de 26 de Abril de 2012 e o cumprimento da Resolução n.º 94/2010 da Assembleia da República

Recomenda ao Governo a suspensão imediata da constituição de mega-agrupamentos, a revogação do Despacho n.º 5634 de 26 de Abril de 2012 e o cumprimento da Resolução n.º 94/2010 da Assembleia da República

O anterior Governo PS, a pretexto do alargamento da obrigatoriedade de frequência escolar para os menores de 18 anos, aplicou a Resolução de Conselho de Ministros n.º 44/2010 de 1 de Junho com vista um dito “reordenamento” da rede escolar, considerando todos os níveis e ciclos de ensino até ao final do ensino secundário.

Esta decisão de “reordenamento” da rede prosseguiu a linha de orientação política já praticada pelo XVII Governo, que se traduz numa profunda desfiguração das características fundamentais da Escola Pública, particularmente quando consideradas à luz da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.
O descontentamento alargado fez-se sentir desde a aplicação da primeira reorganização levada a cabo pelo XVII Governo Constitucional, particularmente através da luta e do protesto das populações afetadas. Várias comunidades escolares, associações de pais e encarregados de educação, as autarquias locais e direções de escolas fizeram ouvir a sua voz no sentido de travar este processo e da necessidade de uma efetiva de discussão democrática sobre o reordenamento da rede escolar.

A ampla oposição local e popular levou à aprovação na Assembleia da República de 4 Resoluções para suspender este processo, com os votos favoráveis de todos os partidos à exceção do PS.

A Resolução da Assembleia da República n.º 94/2010 que “Recomenda a criação de uma carta educativa nacional e a suspensão da aplicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/2010, de 14 de Junho, que define os critérios de reordenamento da rede escolar” foi aprovada a 9 de Julho de 2010.

O número 1 da Resolução n.º 94/2010 recomenda ao Governo que ”Suspenda de imediato a aplicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/2010, de 14 de Junho, e faça reverter as implicações que teve em todos os agrupamentos afetados e escolas não agrupadas afetadas”.

O número 2 da Resolução n.º 94/2010 recomenda que o Governo “Desenvolva, num prazo de dois anos, uma carta educativa nacional que plasme uma estratégia de gestão da rede escolar e que seja construída com envolvimento das autarquias locais, nomeadamente partindo das suas cartas educativas, das comunidades educativas e dos órgãos de gestão e administração escolar, das associações de pais e encarregados de educação e das associações de estudantes” tendo por base os critérios de “a) Estratégia local e regional de desenvolvimento e investimento e importância da presença da escola para o seu cumprimento; b) Qualidade pedagógica e eficiência pedagógica da escola ou agrupamento, independentemente do número de estudantes; c) Capacidade de envolvimento das populações com a comunidade escolar, seu aprofundamento ou manutenção; d) Proximidade da infra -estrutura aos aglomerados urbanos e habitações e tempo de transporte previsto para as deslocações dos estudantes, considerando limite máximo da duração da deslocação os trinta minutos; e) Existência de alternativas reais ou necessidades de construção de novas escolas, analisando caso a caso a realidade nacional, sem que se aplique um critério unificado para as condições diversas verificadas no terreno”.

O número 3 da Resolução n.º 94/2010 recomenda que “Proceda à discussão dessa carta, através de um projeto global, com os agentes educativos e as autarquias e proceda posteriormente à aplicação gradual da estratégia nela contida em articulação com os órgãos autárquicos e de gestão dos agrupamentos e escolas, salvaguardando sempre a qualidade de vida das populações e as implicações do reordenamento da rede, assegurando que nenhum estudante verá deteriorado ou prejudicado o seu direito à educação pela reorganização planificada”.

O anterior Governo PS incumpriu por absoluto esta Resolução e o atual Governo PSD/CDS segue exatamente o mesmo caminho de incumprimento.

A Assembleia da República tem recebido um conjunto muito vasto de posições de autarquias, escolas e associações de pais quanto à forma profundamente anti-democrática como este processo está a ser imposto nos municípios e conselhos gerais das escolas, sem apresentação de qualquer justificação pedagógica que oriente esta medida. Representantes do Ministério da Educação chegaram mesmo a afirmar que não existem quaisquer critérios pedagógicos que fundamentem esta medida.

O PCP considera inaceitável que o Governo PSD/CDS siga o mau exemplo do Governo anterior, não tendo em conta a opinião e os interesses concretos das populações e dos projetos educativos de cada escola.

Para o PCP este reordenamento obedece a critérios economicistas e programáticos. Por detrás desta estratégia de aglomeração e concentração dos meios escolares, sejam materiais ou humanos, a orientação central do anterior e do atual Governo PSD/CDS é a subversão completa do papel do Sistema Público de Ensino, fragilizando-o e criando o espaço para que, cada vez mais, progrida a marcha de gradual privatização do ensino a que já se assiste. A aglutinação e concentração dos recursos materiais e humanos das escolas acarretam custos sociais e pedagógicos absolutamente inaceitáveis. A qualidade pedagógica, o sucesso real das aprendizagens são paulatinamente substituídos por preocupações meramente estatísticas e economicistas.

Esta medida é inseparável de uma política mais profunda de conversão da escola pública num instrumento formativo meramente profissional, que abdica do seu papel cultural e social, que abandona derradeiramente a perspetiva da formação da cultura do indivíduo, e que consubstancia e materializa uma escola pública que se vai desenvolvendo a duas velocidades. Ou seja, uma escola pública genericamente orientada para o cumprimento de uma escolaridade obrigatória orientada em função das necessidades do mercado e não em função das necessidades do país, com uma presença residual na componente de prosseguimento de estudos, componente essa que vai, gradualmente, ficando cada vez mais reservada a um grupo reduzido de agrupamentos privilegiados para as camadas mais ricas da população e ao Ensino Privado.

A delapidação de um património público construído após o 25 de Abril de 1974 com o esforço de todos os portugueses terá efeitos incomportáveis no quadro da Escola Pública, com retrocessos muito significativos no que toca à qualidade do ensino e também à qualidade e eficiência pedagógicas e organizativas das escolas. A destruição do esforço, pessoal e coletivo, de professores, funcionários, pais e estudantes, por imposição de uma política que faz tábua rasa do empenho desses agentes traz consequências humanas, sociais e económicas para o país que se afirmarão negativas a muito curto-prazo.

O planeamento da organização da rede escolar é um instrumento fundamental de uma política educativa que tenha como objetivo a promoção da educação e a elevação da qualificação e capacidades de uma população. Atualmente, o único instrumento de planeamento da rede escolar situa-se no plano local através das Cartas Educativas Municipais, “supostamente” articuladas por via das estruturas regionais do Ministério da Educação. No entanto, a Carta Educativa Municipal é um instrumento sucessivamente desvalorizado na organização da rede escolar quando concebido numa perspetiva regional e supra-regional.

O PCP defende o cumprimento de uma estratégia fixada em objetivos rigorosos e ancorada numa gestão local partilhada entre autarquias, comunidades escolares e Ministério da Educação, que seja construída “de baixo para cima”, ou seja, que parta das necessidades identificadas no terreno e se traduza a resposta adequada às condições materiais e humanas das escolas.

Assim, nos termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Suspenda imediatamente a aplicação do Despacho n.º 5634 de 26 de Abril de 2012 e a constituição de mega-agrupamentos;
2. Cumpra a Resolução nº.94/2010 da Assembleia da República, designadamente, que se Desenvolva, num prazo de dois anos, uma Carta Educativa Nacional que plasme uma estratégia de gestão da rede escolar e que seja construída com envolvimento das autarquias locais, nomeadamente partindo das suas cartas educativas, das comunidades educativas e dos órgãos de gestão e administração escolar, das associações de pais e encarregados de educação e das associações de estudantes, obedecendo essencialmente aos seguintes critérios:
a) Estratégia local e regional de desenvolvimento e investimento e importância da presença da escola para o seu cumprimento;
b) Qualidade pedagógica e eficiência pedagógica da escola ou agrupamento, independentemente do número de estudantes;
c) Capacidade de envolvimento das populações com a comunidade escolar, seu aprofundamento ou manutenção;
d) Proximidade da infra-estrutura aos aglomerados urbanos e habitações e tempo de transporte previsto para as deslocações dos estudantes, considerando limite máximo da duração da deslocação os 30 minutos;
e) Existência de alternativas reais ou necessidades de construção de novas escolas, analisando caso a caso a realidade nacional, sem que se aplique um critério unificado para as condições diversas verificadas no terreno.
3. Proceda à discussão dessa Carta, através de um Projeto global, com os agentes educativos e as autarquias e proceda posteriormente à aplicação gradual da estratégia nela contida em articulação com os órgãos autárquicos e de gestão dos agrupamentos e escolas, salvaguardando sempre a qualidade de vida das populações e as implicações do reordenamento da rede, assegurando que nenhum estudante ou verá deteriorado ou prejudicado o seu direito à educação pela reorganização planificada.

Assembleia da República, em 11 de Maio de 2012

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