Projecto de Resolução N.º 92/XII

Recomenda ao Governo a revisão, com carácter de urgência,do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina

Recomenda ao Governo a revisão, com carácter de urgência,do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina

Na sequência do interesse manifestado pelas Câmaras Municipais de Sines, Odemira, Aljezur e Vila do Bispo na classificação da zona litoral do Sudoeste de Portugal como área protegida, e tendo em conta que os valores naturais, paisagísticos e culturais o justificavam, foi criada, pelo Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho, a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, precursora do Parque Natural com o mesmo nome.
A criação desta área classificada, que abrangia também uma faixa do mar e correspondentes fundos marinhos, tinha como objectivos a promoção da protecção e do aproveitamento sustentado dos recursos naturais, a protecção de outros valores naturais, paisagísticos e culturais da zona litoral do Sudoeste de Portugal, sustendo e corrigindo os processos que poderiam conduzir à sua degradação e criando condições para a respectiva manutenção e valorização, bem como a promoção do desenvolvimento económico, social e cultural da região, de uma forma equilibrada e ordenada.
O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) viria a ser criado alguns anos depois, pelo Decreto Regulamentar n.º 26/95, 21 de Setembro, o qual definia como objectivos de criação do Parque, além da salvaguarda dos aspectos paisagísticos, geológicos, geomorfológicos, florísticos e faunísticos, a promoção do desenvolvimento económico e do bem-estar das populações, em harmonia com a Natureza, e a salvaguarda do património arquitectónico, histórico e tradicional da região.
O Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina viria a ser aprovado em Dezembro de 1995, através do Decreto Regulamentar n.º 33/95, de 11 de Dezembro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/99, de 15 de Junho (que corrige alguns lapsos e incorrecções, introduz algumas alterações de pormenor e anexa a carta de gestão), ficando, assim, esta área protegida de interesse nacional dotada de um instrumento fundamental para a sua gestão.
O Regulamento deste Plano de Ordenamento reafirmava o objectivo de enquadrar as actividades humanas realizadas no PNSACV com vista a promover simultaneamente o desenvolvimento económico e o bem-estar das populações de forma sustentada e duradoura, assegurando, neste processo, a participação de todas as entidades públicas e privadas que tivessem conexão com o PNSACV, em estreita colaboração com as populações da área.
A inclusão do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina na lista nacional de sítios, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto, e a criação da Zona de Protecção Especial da Costa Sudoeste, pelo decreto-lei n.º 384-B/99, de 22 de Julho, que integra a Rede Natura 2000, levou a que o XIV Governo Constitucional (1999-2002) decidisse proceder à revisão do Plano de Ordenamento do PNSACV, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 173/2001, de 28 de Dezembro.
Contudo, o alheamento de sucessivos governos do PS e do PSD/CDS, relativamente à salvaguarda dos recursos naturais e à promoção do desenvolvimento da região e da qualidade de vida das populações, provocou um inaceitável atraso na revisão do Plano de Ordenamento do PNSACV, o qual, entretanto, já se havia tornado desadequado. Reconhecendo esta circunstância, e as suas responsabilidades, o XVII Governo Constitucional (2005-2009) adoptou, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2008, de 4 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 14/2008, de 18 de Março), um conjunto de medidas preventivas de interdição ou condicionamento da realização de acções que pudessem pôr em causa a viabilidade da execução do Plano de Ordenamento do PNSACV, as quais tinham um prazo de vigência de dois anos.
Esgotados os dois anos de vigência das medidas preventivas, o Plano de Ordenamento do PNSACV ainda não havia sido revisto, pelo que o XVIII Governo Constitucional (2009-2011) decidiu, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/2010, de 9 de Fevereiro, prorrogar o prazo de vigências das referidas medidas preventivas por mais um ano. O Plano de Ordenamento do PNSACV foi, finalmente aprovado no início de 2011, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-B/2011, de 4 de Fevereiro.
No período de discussão pública da proposta do Plano de Ordenamento do PNSACV, que decorreu de 18 de Março a 30 de Abril de 2010, registaram-se mais de 400 participações, as quais não mereceram a devida atenção por parte do anterior Governo. Na realidade, como podemos constatar nos múltiplos contactos feitos no território onde se insere o PNSACV, a proposta de Plano de Ordenamento mereceu um repúdio generalizado por parte de autarcas, agricultores, pescadores, associações e população.
O PCP assume uma posição de rejeição da política de ordenamento do território patente no Plano de Ordenamento do PNSACV, que assenta numa perspectiva anti-social e anti-científica que opõe os hábitos, práticas e actividades tradicionais e autóctones à conservação da natureza e que gera, em última análise, um estímulo ao abandono da região que visa proteger.
Consideramos, pelo contrário, que uma abordagem integrada do ordenamento do território não pode excluir da Natureza o próprio homem, principalmente as populações autóctones, e estimular o abandono do território pela sua ocupação tradicional.
Consideramos que uma política de ordenamento do território e conservação da natureza não pode ser encarada e aplicada sem ter em conta a componente social, cultural e tradicional das populações de cada um dos espaços. A protecção da natureza, a salvaguarda dos valores, será tanto mais eficaz quanto maior for o envolvimento das populações e será tanto mais justificada quanto maior for o benefício dessa protecção para a generalidade dos que dela podem usufruir.
Consideramos que os valores paisagísticos, geológicos, biológicos e morfológicos do PNSACV, incluindo a sua faixa costeira e regiões marinhas, devem constituir a base de uma política de ordenamento do território que valorize os hábitos culturais, sociais e económicos das populações, assim estabelecendo as condições necessárias para que o desenvolvimento regional se desenrole sem o prejuízo da envolvente natural.
Consideramos que o Estado deve assumir plenamente as suas funções e assegurar, de forma activa, a conservação dos valores que visa proteger, reforçando a sua presença no território, nomeadamente, através de técnicos e vigilantes da natureza, assim como de meios de intervenção.
O Plano de Ordenamento do PNSACV e respectivo Regulamento são documentos que apresentam uma base de apoio científica questionável, sem que sequer tenham sido cumpridas as obrigações do Estado, nomeadamente no que ao cadastro, cartografia e intervenção dizem respeito.
Por exemplo, no Programa Sectorial Agrícola do Perímetro de Rega do Mira, aprovado pelo Despacho Normativo nº 15/2007, de 15 de Março, lê-se, na alínea 6 do artigo 8º, que “até à revisão do POPNSACV, será elaborada uma carta relativa às áreas de protecção ambiental, à escala da planta cadastral, 1:5000 ou 1:2000, onde se identificam os elementos naturais de elevado valor para a conservação da natureza”. Também se pode ler, na alínea 7 do mesmo artigo, que “Para as áreas de protecção ambiental deverá ser estabelecido um programa de monitorização dos valores naturais, com base em indicadores biológicos adequados, o qual será objecto de um protocolo de colaboração, envolvendo as entidades com jurisdição na área de intervenção do Programa Sectorial Agrícola”. A ausência de um trabalho científico de monitorização de base, realizado pelas entidades públicas, agrava a insustentabilidade do Plano de Ordenamento do PNSACV e respectivo Regulamento.
A análise do Plano de Ordenamento à luz da legislação relativa ao enquadramento da política de conservação da Natureza, nomeadamente o Decreto-Lei nº 142/2008, de 24 de Julho, que estabelece o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade, e a Portaria nº 138-A/2010, de 4 de Março, que define as taxas devidas ao Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade pelos serviços prestados por esse Instituto, revela a intenção de abrir caminho para a empresarialização e a privatização do sector público de conservação da natureza, onerando principalmente aqueles cuja subsistência depende em grande medida da própria natureza.
O Plano de Ordenamento do PNSACV estabelece um conjunto vastíssimo de restrições, imposições e proibições para os usos comuns e tradicionais do espaço e dos recursos por parte das populações locais, enquanto abre, simultaneamente, a possibilidade de implantação de estruturas e empreendimentos imobiliários de luxo, independentemente do impacto que venham a provocar no espaço e nos recursos.
A posição do PCP não é a de hostilização do investimento no turismo e no sector imobiliário, mas não pode aceitar que se sacrifiquem os direitos das populações, os seus hábitos e meios de subsistência e a própria conservação da natureza à avidez dos grupos económicos que pretendem investir na região.
A implantação de empreendimentos imobiliários não é um mal em si mesmo, tal como não o são as práticas tradicionais da população autóctone. A legislação deve, por isso mesmo, estabelecer os mecanismos e as condições a partir dos quais se atinge o equilíbrio entre o desenvolvimento turístico e imobiliário, agrícola e produtivo e as ocupações e actividades tradicionais da população.
A protecção da geo e biodiversidade, assim como a conservação da natureza, não pode servir de pretexto para a liquidação das formas tradicionais de subsistência ou de semi-subsistência. Sempre que o Estado e as instituições públicas, com base em elementos cientificamente comprovados, considerem fundamental a limitação de uma actividade ou de um direito das populações a bem da referida salvaguarda dos valores naturais, devem ser concedidas contrapartidas baseadas em investimento público que compensem efectivamente as populações pelas imposições e limitações que possam decorrer do ordenamento do território.
Uma política que não tenha em conta os direitos das populações residentes na área do PNSACV redundará necessariamente no abandono das terras, na improdutividade e na estagnação.
Um Alentejo Litoral ou uma Costa Vicentina sem pastoreio, sem pesca, sem apanha, sem agricultura, preenchida apenas por empreendimentos turísticos de luxo, desertos durante a maior parte do ano, desarticulados entre si e arredados das dinâmicas económicas e sociais locais, é a visão brilhante do futuro que terão os promotores, mas não é a das pessoas que ocupam aquele espaço e dele cuidam há séculos.
Um Litoral Alentejano e uma Costa Vicentina onde se condiciona a pesca de um sargo ou navegação de uma pequena embarcação de recreio, mas onde se pode implantar sem dificuldade um empreendimento turístico desde que seja com um hotel com mais de 4 estrelas, será certamente uma região hostil à conservação da natureza, mas acima de tudo, uma região onde o próprio acesso à natureza e aos seus bens foi limitado apenas para alguns.
Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte:
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1. Realize a cartografia precisa dos valores naturais que devem ser alvo de protecção, bem como os estudos científicos necessários para o conhecimento das eventuais incompatibilidades entre essa protecção e as actividades humanas;
2. Realize o conjunto de intervenções consideradas necessárias para a salvaguarda da geo e biodiversidade, bem como das dinâmicas económicas e sociais locais, de acordo com os compromissos assumidos e nunca cumpridos;
3. Realize e dinamize um processo de discussão, envolvendo o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Ministério da Economia e do Emprego, o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, as autarquias, as associações de pescadores lúdicos e profissionais, de mariscadores e de agricultores, as associações ambientais e outras forças vivas da região, para a elaboração das bases de um novo Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, corrigindo os erros e falhas do actual Plano de Ordenamento, devendo estas bases ser depois apresentadas e discutidas com as populações;
4. Proceda, com carácter de urgência, à revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina com base nos documentos produzidos em função das recomendações anteriores;
5. Suspenda qualquer tipo de aplicação da Portaria nº 138-A/2010, de 4 de Março, aos residentes da área geográfica do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Assembleia da República, em 29 de Setembro de 2011

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