Projecto de Resolução N.º 79/XII

Recomenda ao Governo que solicite ao Banco de Portugal que determine de forma autónoma, rigorosa e transparente o valor total da dívida pública directa e indirecta da Região Autónoma da Madeira

Recomenda ao Governo que solicite ao Banco de Portugal que determine de forma autónoma, rigorosa e transparente o valor total da dívida pública directa e indirecta da Região Autónoma da Madeira

1. Ao longo dos anos, o PCP tem insistentemente chamado a atenção para a extrema gravidade do quadro económico e financeiro da Região, resultado directo de décadas de políticas de direita e de erradas opções quanto ao desenvolvimento regional, que consolidaram profundas fragilidades e dependências do tecido económico, e que conduziram ao agravamento da situação económica geral da Região e à deterioração do seu quadro financeiro aproximando-a perigosamente de uma situação de “insolvência” da Autonomia, de colapso e de falência técnica. Um risco de falência técnica decorrente da profunda debilidade da economia traduzida na dificuldade de gerar receitas e, principalmente, devido à dependência de recursos externos em que avulta o endividamento excessivo.

A extensão e profundidade da crise económica e financeira da Região, longe de se circunscrever a um circunstancial abrandamento conjuntural da economia regional, são consequência directa de erradas políticas de longos anos de governação PSD. Uma crise e recessão económicas à escala regional cujas consequências mais directas são duramente experimentadas em diversos sectores económicos e em áreas de actividade, penalizando e prejudicando cada vez mais extensas e diversas camadas sociais.

Mas o avolumar da crise económica regional está ainda, e também, associada a outros factores relevantes como a diminuição dos apoios financeiros da União Europeia e das verbas do Orçamento do Estado em virtude da Lei de Finanças Regionais, aprovada em 2007.

A negociação relativa aos fundos comunitários para o quadro 2007-2013 foi desastrada e desastrosa para a Madeira. Foi desastrada na forma indolente e subserviente como o Governo Regional acompanhou a negociação. Foi desastrosa porque a diminuição do fluxo financeiro para a Madeira – num valor estimado em cerca de 500 milhões de euros – contribuiu para acentuar o retrocesso económico e social. A retirada da Madeira do Objectivo 01 atribuído às “regiões de convergência” – resultado directo da irresponsável instrumentalização para valor do cálculo do PIB per capita da “riqueza” estatística gerada no offshore da Região, inflacionando artificial e ilusoriamente o PIB regional sem qualquer tradução real em benefício dos madeirenses – teve repercussões extremamente negativas no plano do emprego e nas condições de vida das populações.

Como então o PCP alertou e denunciou, aquando da discussão e votação das perspectivas financeiras para 2007-2013, a forma irresponsável como a negociação desse quadro de apoio comunitário foi conduzida traduziu-se num corte acentuado de fundos comunitários e cavou mais fundo o fosso da crise económica e social.

Por outro lado, a imposição em 2007, pela maioria absoluta do PS, de uma nova Lei de Finanças Regionais, injusta e discriminatória impôs restrições financeiras que prejudicaram sobretudo quem vive e trabalha na RAM. De acordo com o relatório da “Unidade Técnica de Apoio Orçamental” (UTAO) da Assembleia da República, a Lei de Finanças Regionais prejudicou a Região, entre 2007 e 2009, em mais de 157 milhões de euros.

Estes factores, não sendo determinantes, assumiram no quadro de um modelo de desenvolvimento fracassado um peso importante na configuração de uma realidade económica e social caracterizada pela recessão e pelos profundos impactos da crise à escala regional.

2. Alguns números e informações que nos últimos tempos têm vindo a ser conhecidas um pouco a conta-gotas, e sempre de forma truncada e certamente muito incompleta, sobre o designado “buraco orçamental” da Região Autónoma da Madeira e sobre a generalidade da sua dívida directa, incluindo dados relativos aos níveis de compromissos assumidos mas não liquidados pelo Governo do PSD/Madeira, mostram bem a face visível de uma situação muito grave. Registe-se, contudo, que a divulgação destes números não constituiu, por si só, um facto inesperado, já que, nos últimos anos, o Tribunal de Contas vinha, nos seus pereceres sobre as contas regionais, assinalando de forma negativa a não explicitação de dívidas de diversas origens.

Em 12 de Agosto passado, foi o “chefe” da Troika, do FMI, da União Europeia e do BCE, quem anunciou, numa conferência de imprensa realizada em Lisboa, um “buraco desconhecido” nas contas da RAM de 277 milhões de euros, substituindo-se de forma totalmente inaceitável ao Ministro das Finanças que, no mesmo dia e minutos antes, também organizara uma conferência de imprensa onde, porém, nem uma palavra em concreto disse sobre esta “descoberta”. Em 30 de Agosto, na véspera da conferência de imprensa que o Ministro das Finanças do Governo do PSD/CDS realizou em Lisboa para apresentar o Documento de Estratégia Orçamental, foi também um porta-voz do Comissário Europeu dos Assuntos Económicos quem se adiantou ao Governo Português e anunciou em Bruxelas que o referido buraco da Região Autónoma da Madeira era afinal de cerca de 510 milhões de euros!

Como se estes factos não fossem já suficientemente graves, nos últimos dias, o INE e o Banco de Portugal, ao analisarem os encargos assumidos e não pagos pela RAM, constantes da auditoria versando esta temática realizada recentemente pelo Tribunal de Contas, identificaram dívidas contraídas desde 2004, e objecto de acordos de regularização em 2008 e 2009, que não tinham sido nem registadas como encargos assumidos e não pagos, nem tinham também sido reportadas às autoridades estatísticas nacionais para efeitos de consolidação nas contas públicas. Do conjunto destes encargos assumidos e não pagos, totalizando 1113,3 milhões de euros, cerca de 139,7 milhões dizem respeito ao ano de 2008, 58,3 milhões de euros ao ano de 2009 e 915,3 milhões de euros ao ano de 2010, sendo que, a sua integração nas contas públicos vai obrigar à correcção para cima dos défices orçamentais de cada um desses anos.

3. Neste quadro, a gravidade da situação impõe, mais que o agitar demagógico de um problema real, uma avaliação séria e rigorosa da extensão global da dívida da RAM, da sua origem e das razões que a determinaram. A dívida da Região Autónoma da Madeira constitui um problema sério, em si mesmo condicionante do desenvolvimento da própria região, mas que não pode constituir uma arma de arremesso nas mãos de alguns responsáveis do PSD, do PS e do CDS que afinal parecem depois todos convergir na manutenção de dúvidas, de uma deficiente informação e na perpetuação de uma ausência de transparência na determinação exacta, rigorosa e independente do volume integral das responsabilidades financeiras directas e indirectas, de qualquer natureza, assumidas pelo Governo do PSD/Madeira em nome da Região Autónoma e comprometendo o seu Povo.

Da parte do PCP, a exigência democrática de um apuramento rigoroso da origem, montantes e destinos do endividamento regional não será nunca um instrumento para fomentar animosidades para com o povo da Região autónoma da Madeira nem trampolim para legitimar outras erradas e mais injustas políticas que a seu coberto imponham mais empobrecimento, desigualdades e declínio.

Podem alguns sectores afirmar que, neste momento, e pelo facto do Governo do PSD na Madeira ter tomado uma iniciativa com esse sentido, o Governo PSD/CDS tem já em curso uma avaliação da dívida da Madeira. O que se tem passado nos últimos dias, a controvérsia partidária gerada entre os partidos do designado bloco central, no essencial estéril, deficientemente fundamentada e procurando muitas vezes esconder as verdadeiras responsabilidades políticas pela situação que hoje a Madeira vive, mostra bem que o simples facto de ser o Governo do PSD/CDS a coordenar uma tal avaliação é factor de desconfiança justificada.
Consequentemente, na opinião do PCP só há uma via para fazer com que a opinião pública, o Povo da Região Autónoma e a generalidade dos portugueses maioritariamente acreditem na fiabilidade dos resultados de uma avaliação da dívida da Região Autónoma da Madeira: atribuir a coordenação e total responsabilidade pela sua realização a entidade ou entidades com reconhecida capacidade técnica e com inquestionável independência relativamente ao Governo PSD/CDS da República e ao Governo PSD/Madeira.

Neste contexto, que aliás os últimos e mais recentes desenvolvimentos políticos justificam de forma acrescida, o PCP entende que, sem prejuízo da avaliação que está a decorrer sob a égide do Governo PSD/CDS, e não a prejudicando, deve ser cometida ao Banco de Portugal a realização de uma avaliação integral de toas as responsabilidades financeiras contraídas pelo Governo do PSD na Região Autónoma da Madeira, de forma directa ou indirecta.

4. A actual situação financeira na Região Autónoma da Madeira não pode, contudo, remeter-se ao simples agitar do problema da dívida com o pensamento já fixado na imposição de mais sacrifícios sobre os trabalhadores e o povo da região, nem à consideração de soluções que visem uma dupla penalização dos que, carregando já o peso da factura do programa de agressão das troikas nacionais e estrangeiras, poderão ser agora alvo de novos propósitos de exploração e empobrecimento em nome de um eventual novo programa de austeridade destinado a sanear as contas da região cujos encargos e sacrifícios atinjam o povo da Madeira que em nada contribuiu nem é responsável pela situação criada.

Insistimos na ideia de que a dívida da Região Autónoma da Madeira constitui um problema sério, em si mesmo condicionante do desenvolvimento da própria região. Mas entendemos dever sublinhar que a dívida não é o único problema. E sobretudo não pode servir para em seu nome impor soluções que liquidem as possibilidades e a necessidade de crescimento económico, e impeçam a superação de outros e não menos preocupantes problemas de natureza económica e social e a correcção urgente de erradas opções políticas que conduziram a Madeira à situação difícil que hoje vive.

Neste contexto, tendo em conta as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, e sem prejuízo da avaliação da situação que o Governo está a coordenar na sequência do pedido de assistência financeira formulado pelo Governo Regional da Madeira, a Assembleia da República recomenda ao Governo que solicite de imediato ao Banco de Portugal a realização autónoma de uma avaliação para a determinação urgente do montante global da dívida pública da Região Autónoma da Madeira, designadamente nas seguintes componentes:

a) A totalidade das responsabilidades financeiras assumidas directamente pelo Governo Regional, em nome da Região Autónoma da Madeira, a curto, médio e longo prazo, junto da banca comercial ou de instituições financeiras de crédito, com sede em Portugal ou no estrangeiro;
b) A totalidade dos compromissos directamente assumidos pelo Governo Regional, em nome da Região Autónoma da Madeira, e não pagos a fornecedores de bens e serviços, empreiteiros e demais adjudicatárias de obras e serviços de qualquer natureza, com atraso superior a 60 dias;
c) A totalidade da dívida contraída pela totalidade das empresas públicas regionais ou de qualquer outro tipo de empresa com participação social do Governo Regional da Madeira;
d) A totalidade das responsabilidades financeiras assumidas pelo Governo Regional, em nome da Região Autónoma da Madeira, em institutos ou fundações de qualquer natureza, independentemente do valor da participação pública regional nos respectivos capitais sociais;
e) A totalidade das responsabilidades financeiras assumidas pelo Governo Regional, de forma directa ou de forma indirecta, através de empresas públicas regionais, institutos com participação pública regional ou fundações com participação pública regional, como resultado do estabelecimento de contratos de parceria público privadas;
f) A totalidade das responsabilidades financeiras assumidas pelo Governo Regional, de forma directa ou de forma indirecta, através de empresas públicas regionais, institutos com participação pública regional ou fundações com participação pública regional, e resultantes de contratos de concessão estabelecidos com entidades terceiras de qualquer natureza;
g) A totalidade das responsabilidades financeiras da Região assumidas e ainda não cumpridas com o conjunto de expropriados na decorrência da realização de obras públicas.

Assembleia da República, em 20 de Setembro de 2011

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