Projecto de Resolução N.º 1520/XIII

Recomenda ao Governo que promova, com caráter de urgência, uma intervenção na Ria Formosa na zona de Cacela Velha e da Fábrica com vista à preservação do património ambiental e cultural e das atividades económicas que aí se desenvolvem

Recomenda ao Governo que promova, com caráter de urgência, uma intervenção na Ria Formosa na zona de Cacela Velha e da Fábrica com vista à preservação do património ambiental e cultural e das atividades económicas que aí se desenvolvem

A Ria Formosa é uma das mais importantes zonas húmidas de Portugal, pela sua dimensão, diversidade e complexidade, sendo delimitada a sul por um sistema de ilhas-barreira constituído por cinco ilhas e duas penínsulas arenosas (Ancão, Deserta, Culatra, Armona, Tavira, Cabanas e Cacela). Estas ilhas e penínsulas definem um importante corpo lagunar constituído por sapais, rasos de maré e pequenas ilhas de caráter lodoso ou arenoso.

A Ria Formosa, além de constituir um valioso património natural, reveste-se de grande importância do ponto de vista económico, social e cultural, estando intimamente ligada à vida, cultura e tradições das populações locais, em particular dos concelhos de Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.

A Ria Formosa carece de intervenções regulares de preservação, requalificação e valorização, que deem resposta aos problemas ambientais, assim como à preservação das atividades económicas que aí se desenvolvem.

Nos últimos anos foram realizadas diversas intervenções na Ria Formosa visando a resolução ou mitigação destes problemas. Contudo, o extremo oriental da Ria Formosa, na zona de Cacela Velha e da Fábrica, tem sido negligenciado, não beneficiando dessas intervenções.

A exceção foi uma intervenção de abertura de uma nova barra a nascente de Cacela Velha em 2010, muito contestada pelas comunidades locais, pescadores, viveiristas, mariscadores e associações de defesa do património, já que, contrariamente aos objetivos proclamados, acelerou o processo de assoreamento da laguna e de erosão do cordão dunar, com sérios prejuízos, quer para a preservação do património ambiental e cultural, quer para as atividades económicas que aí se desenvolvem.

Ao longo dos últimos anos, em consequência do forte assoreamento, muitos viveiros na zona de Cacela Velha e da Fábrica foram desativados, a atividade de marisqueio sofreu um declínio acentuado, muitas embarcações de pesca tiveram de ser deslocadas para outras zonas do litoral algarvio e as atividades marítimo-turísticos ficaram fortemente condicionadas, com dramáticas consequências para a preservação das comunidades locais e do seu modo de vida.

Os fortes temporais registados nos últimos meses vieram agravar os problemas existentes, com galgamentos oceânicos, destruição do cordão dunar, deposição de ainda mais areia na laguna e aceleração do processo de erosão da arriba em Cacela Velha, ditando o abandono do último viveiro de ostras da zona e colocando em risco o conjunto patrimonial do Núcleo Histórico de Cacela Velha, classificado como Imóvel de Interesse Público.

Em fevereiro de 2014, após um encontro com a comunidade local de pescadores, viveiristas, mariscadores e operadores marítimo-turísticos, o Grupo Parlamentar do PCP questionou o anterior Governo PSD/CDS (pergunta n.º 1064/XII/3.ª) sobre a necessidade de realizar, com urgência, dragagens na Ria Formosa na zona de Cacela Velha e da Fábrica para viabilizar as atividades económicas que aí se desenvolvem.

Nessa pergunta, o PCP denunciava que «as atividades económicas desta comunidade local têm sido extremamente prejudicadas, e em alguns casos inviabilizadas, devido ao assoreamento da barra e dos canais de navegação», «este assoreamento é bem visível na altura da maré baixa, com a barra e os canais de navegação quase a desaparecem e a paisagem a ser dominada por bancos de areia» e «numa zona onde já chegaram a existir mais de 70 viveiros, a atividade de produção de bivalves está em risco», instando o Governo a proceder à «realização urgente de dragagens, na barra e nos canais de navegação».

O anterior Governo não se dignou responder à pergunta do PCP, mostrando, além de um desrespeito pela competência fiscalizadora da Assembleia da República, um profundo desprezo pelos problemas das comunidades locais do extremo oriental da Ria Formosa.

Não se resignando à degradação da Ria Formosa na zona de Cacela Velha e da Fábrica, em dezembro de 2017, o Grupo Parlamentar do PCP voltou a questionar o Governo sobre este assunto (pergunta n.º 570/XIII/3.ª), alertando que «a situação denunciada [pelo PCP] no início de 2014 registou um agravamento nos últimos anos, com a destruição da duna primária e a deposição de areia no interior da Ria Formosa», pelo que «a fim de preservar este valioso património ambiental e permitir a recuperação das atividades económicas tradicionais no sítio da Fábrica/Cacela Velha é necessária uma intervenção urgente para reposição do cordão dunar e desassoreamento da barra e dos canais de navegação».

Na sua resposta, o Governo reconhecia que «algumas atividades económicas referidas são […] postas em causa», que «com o transporte de areia para a zona lagunar ficou reduzida a densidade de bivalves (como a ameijoa, o berbigão ou o langueirão), verificando-se que foram já renunciadas algumas das licenças relativas a viveiros de ameijoas e ostras» e que «as atividades marítimo-turísticas, que na área se dedicam ao transporte de veraneantes para a praia, são dificultadas pelo assoreamento», concluindo que «decorrem atualmente dragagens e reforço de cordão dunar no âmbito das intervenções da sociedade Polis Ria Formosa, S.A., não estando no entanto prevista – seja por esta sociedade, seja pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. – qualquer intervenção para a área da Fábrica/Cacela» (sublinhados nossos).

Umas semanas depois desta resposta do Governo, os fortes temporais registados na costa algarvia vieram confirmar – como se isso ainda fosse necessário – que os problemas da Ria Formosa na zona de Cacela Velha e da Fábrica requerem uma intervenção urgente, necessidade reiterada em recentes reuniões e encontros, promovidas pelo PCP, com viveiristas, pescadores, mariscadores e operadores marítimo-turísticos de Cacela Velha e da Fábrica e com a ADRIP – Associação de Defesa, Reabilitação, Investigação e Promoção do Património Natural e Cultural de Cacela.

Pelo exposto, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que, com vista à preservação do património ambiental e cultural de Cacela Velha e da Fábrica e à sustentabilidade das atividades económicas que aí se desenvolvem, promova, com caráter de urgência, intervenções para reforço do cordão dunar, desassoreamento da laguna e reposição da barra.

Assembleia da República, 20 de abril de 2018

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