Projecto de Resolução N.º 632/XV/1.ª

Recomenda ao Governo as diligências necessárias à classificação do arquivo do “Jornal de Notícias”

Exposição de motivos

O “Jornal de Notícias” completa, em 12 de junho próximo, 135 anos de publicação.

Com sede no Porto (único jornal diário ali sediado, depois da extinção dos também históricos “O Comércio do Porto” e “O Primeiro de Janeiro”), o JN, como é conhecido popularmente, assume-se como jornal de uma cidade, de uma região, mas também de um país de regiões, exercendo um jornalismo de proximidade.

Tais características conferem ao jornal um conjunto de características únicas e irrepetíveis, desde logo o profundo conhecimento das comunidades que tem servido, das suas necessidades, anseios, expectativas e reivindicações, assim como das personalidades que, de alguma maneira, têm contribuído para moldar o perfil sociológico, cultural e cívico da Cidade que lhe deu berço, da Região que foi o seu território primordial de expansão, do País pelo qual estendeu solidamente os seus passos, e do Mundo no qual mergulha as raízes, por vezes contraditórias, daquele que é hoje o seu olhar global.

É nesse contexto que se justifica uma atenção muito especial do Estado Português à situação e ao futuro do Centro de Documentação (CDI), vulgo Arquivo, do “Jornal de Notícias”, conforme alertou um manifesto do Conselho de Redação datado de setembro de 2022, em ordem a preservar um acervo documental de grande importância, não só em termos de utilização privativa (mais leia-se, essencialmente, em favor dos leitores e do público em geral), mas também de disponibilização para investigadores e académicos, enfim, da memória coletiva.

Com efeito, para além das preciosas coleções encadernadas dos números editados desde a origem do JN (e muitas outras publicações periódicas, nacionais e estrangeiras) transferidas, no âmbito de um protocolo, para o Arquivo Sofia de Mello Breyner da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, importa prestar toda a atenção ao acervo do CDI/Arquivo JN. 

Constituído por milhares de pastas temáticas e biográficas, com documentos, relatórios, recortes de inúmeras publicações nacionais e estrangeiras, ilustrações, fotografias impressas e em negativos, como sintetizou o CR no manifesto referido supra, o Arquivo representa um acervo único de documentação sobre acontecimentos centrais na vida local, regional, do país e do Mundo, mas também sobre a vida de inúmeras personalidades.

Entre os núcleos de extraordinária importância, destacam-se as pastas temáticas, relativas aos mais diversos assuntos objeto de sistemática atenção documental, e biográficas, com documentos que permitem reconstituir e interpelar o percurso de personalidades marcantes ao longo de décadas, muitas delas de especial singularidade, como D. António Ferreira Gomes, por exemplo, o Prof. Abel Salazar, ou a Eng.ª Virgínia Moura, só para citar três das mais destacadas personalidades.

Destacam-se ainda - e continuando apenas a indicar exemplos - as “provas à censura” (ou “granéis”, para utilizar o jargão da época), peças únicas que documentam a forma como as comissões de Censura e de Exame Prévio amputaram ou proibiram dezenas de milhares de textos e imagens e privaram os leitores de informações essenciais - desde os relatos jornalisticamente impossíveis das sessões nos tribunais plenários, passando por discursos e comunicados de das candidaturas da oposição, ou mesmo por simples notícias sobre exposições e iniciativas em instituições culturais da cidade.

Também não podem ser perdidas ou desvalorizadas pastas contendo os telegramas das agências noticiosas internacionais cuja publicação a Censura proibiu total ou parcialmente, vedando aos leitores do JN a real compreensão do que foi acontecendo fora do país - ou com ele relacionado - e que o JN simplesmente te não pôde noticiar, ou noticiou de forma parcelar e gravemente amputada. Só para dar um exemplo, assinale-se o conjunto de telegramas de agência sobre a visita do Papa Paulo VI à Índia em 1964 e cuja cobertura foi forte e grosseiramente cerceada, resumida os mais dos dias a escassas linhas de mera informação de circunstância.

Em suma, o Arquivo JN - ou o que dele possa salvar-se hoje -, não só pelos descaminhos que sofreu e das vicissitudes de que padeceu, mas também pelo abandono e pelo risco de desagregação e dispersão, ainda de acordo com o alerta do Conselho de Redação, exige medidas excecionais de proteção e classificação, garantindo o acesso efetivo dos jornalistas e investigadores ao espólio em causa, com o seu estudo, classificação e divulgação.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que o desenvolvimento das iniciativas necessárias a:

  1. Avaliação do acervo documental do Centro de Documentação/Arquivo do “Jornal de Notícias” existente, à data, nas instalações da empresa;
  2. Desenvolvimento de medidas de recuperação de partes ou peças do acervo eventualmente subtraídas ao arquivo;
  3. Classificação do Arquivo do JN;
  4. Garantia da respetiva integridade e salvaguarda do Arquivo JN, em instalações próprias adstritas à Redação do “Jornal de Notícias”, acessível aos jornalistas, a investigadores e ao público.