Projecto de Resolução N.º 1146/XIV/2.ª

Recomenda ao Governo a adopção de medidas urgentes de salvaguarda do património arqueológico

Exposição de motivos

Têm vindo a público denúncias e notícias frequentes acerca de um grande número de destruições de património arqueológico provocadas por revolvimentos de solos de grande profundidade e extensão associados a novas culturas permanentes, designadamente, de cariz intensivo e superintensivo.

Esta situação, não sendo nova e não se restringido a um único ponto do país, tem sido particularmente marcante no Alentejo pela dimensão e pela rapidez da destruição de património arqueológico de valor inestimável.

Em janeiro de 2021, num projeto de plantação de amendoal em regime intensivo, a instalar no Monte da Negaça, na freguesia de Torre de Coelheiros (Évora), foram destruídos os sítios arqueológicos de Vale Diogo do Campo e da Serra de Espinheira 4, ambos associados ao povoamento rural do período romano.

A preparação de um terreno para plantação de olival superintensivo destruiu, em meados de março de 2017, parte considerável de um dos mais importantes “recintos de fossos” pré-históricos, na freguesia da Salvada, concelho de Beja. Já em 2020, foi novamente alvo de ripagens para instalação de culturas intensivas, sem que tenha havido qualquer ação de salvaguarda do património aí existente.

Em outubro de 2020, foi destruída a Anta dos Pardais 3 em Cabeção, concelho de Mora, quando foram executadas as movimentações de solos para plantação de mais olival em regime intensivo ou superintensivo. No mesmo ano foi reportada a destruição de outro monumento megalítico, na Herdade do Vale da Moura, localizada na freguesia de Torre de Coelheiros, concelho de Évora, devido à plantação de um amendoal.

Muitas outras situações já haviam sido referenciadas anteriormente, das quais destacamos as afetações na ponte romana sob a ribeira de Odivelas (concelhos de Cuba e Alvito), classificada como Monumento Nacional, na zona de proteção da Villa Romana de Pisões, no concelho de Beja, classificada como Imóvel de Interesse Público, num conjunto de quase duas dezenas de sítios arqueológicos destruídos na Herdade da Torre de São Brissos, concelho de Beja, no sítio do Monte de S. Bartolomeu, concelho de Alvito, na Villa romana do Monte da Chaminé, concelho de Ferreira do Alentejo, na anta do Zambujal, concelho da Vidigueira ou no Monte da Contenda, concelho de Arronches, todos estes casos na sequência de projetos de instalação de monoculturas intensivas ou superintensivas.

Noutros pontos do país, refira-se, a título de exemplo, a recente destruição do sítio arqueológico onde se localizava antiga mina romana usada para a extração de ouro através da surriba para plantação de eucaliptos no sítio da Cova da Moura, em Fratel, e outras denúncias de destruições ocorridas nos distritos de Aveiro e de Vila Real.

Os casos sucedem-se e põem a descoberto o gigantesco subfinanciamento a que o património cultural foi condenado por sucessivos governos, que encararam a arqueologia e a salvaguarda do património arqueológico como uma despesa e um entrave ao desenvolvimento.

A falta de meios técnicos, financeiros e de trabalhadores da Direção Geral do Património Cultural e nas Direções Regionais de Cultura impede uma intervenção e um acompanhamento adequado do património arqueológico identificado, além de condicionar severamente a atualização da informação constante no Endovélico - Sistema de Informação e Gestão Arqueológica.

A outro nível, refira-se que toda a proteção prevista e estabelecida na Lei de Bases do Património Cultural – nomeadamente, ao nível de património classificado ou em vias de classificação e património não classificado inventariado – acaba por não ter interação com a atividade agrícola, havendo uma clara falta de interoperabilidade de plataformas e de comunicação entre tutelas.

O anúncio do Governo de que existirá uma nova plataforma para esse efeito não resolverá o problema na integralidade, sobretudo se se limitar aos que se candidatam a financiamento europeu.

A falta de controlo prévio é, para o PCP, um dos problemas centrais que se coloca em relação à destruição de património arqueológico. É preciso assegurar que o regime de Avaliação de Impacte Ambiental é revisto, impedindo, entre outras situações, o fácil contorno da lei pela instrução em separado de áreas de projetos agrícolas que, na realidade, pertencem ao mesmo quadro de exploração.

Mais ainda, importa que todos os projetos de reconversão de agricultura intensiva e superintensiva sejam sujeitos a avaliação e pós-avaliação ambiental, sendo de equacionar e avaliar a possibilidade de sujeição à figura da Comunicação Prévia, de modo a permitir efetuar-se o enquadramento em PDM, e considerando-se medidas de salvaguarda durante a fase de exploração.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

  1. Reforce, de imediato, os meios de intervenção da Direção Geral do Património Cultural e das Direções Regionais de Cultura, com vista ao aumento do acompanhamento e fiscalização no terreno.
  2. Crie um mecanismo legal para a instrução a título excecional de processos de classificação abrangentes, como o referente ao conjunto dos monumentos megalíticos do Alentejo.
  3. Proceda à atualização urgente da informação constante no Endovélico - Sistema de Informação e Gestão Arqueológica, assegurando todos os meios necessários para esse efeito.
  4. Promova a articulação entre o Ministério da Cultura, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Ambiente, garantindo a interoperabilidade dos sistemas de informação georreferenciada e a regular troca de informações relevantes.
  5. Proceda à regulamentação prevista da Lei de Bases do Património Cultural, elaborando a respetiva legislação de desenvolvimento referente, designadamente:
    1. Ao regime de reserva arqueológica;
    2. Ao regime das cartas arqueológicas;
    3. Aos outros tipos de providências limitativas da modificação do uso, da transformação e da remoção de solos até que possam ser estudados os testemunhos que se saiba ou fundamentadamente se presuma ali existirem;
    4. Aos benefícios e incentivos fiscais relativamente a operações de arqueologia preventiva promovidas por detentores.
  6. Garanta a contratação atempada e a todo o tempo de todos os trabalhadores necessários à Direção Geral do Património Cultural e serviços dependentes, procedendo ao reforço dos quadros de pessoal e assegurando vínculos laborais estáveis.
  7. Proceda ao levantamento sistemático e geral de todos os casos de destruição de património arqueológico identificados nos últimos 5 anos, com as situações denunciadas, a caracterização do acompanhamento de cada uma, as medidas tomadas pela tutela respetiva, os casos que deram origem a queixa-crime e os seus resultados, enviando um relatório com estas informações à Assembleia da República até ao final do primeiro semestre de 2021.
  8. Elabore, até ao final de 2021, uma estratégia nacional de proteção e salvaguarda do património arqueológico, incluindo uma vertente de sensibilização e informação patrimonial, com a auscultação e envolvimento dos sindicatos, das associações de arqueólogos e de defesa do património e da comunidade científica.