&quot;Sondagens&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="data">

12 de Março de 2004Com os leitores se lembrarão, obteve uma repercussão geral nos “media” nacionais o dado saído de uma sondagem publicada pelo “Correio da Manhã” segundo o qual quase 70% dos inquiridos tencionariam abster-se nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. E, embora menor, também tiveram alguma irradiação fora do próprio “CM” os resultados dessa sondagem quanto às intenções de voto nas diversas forças concorrentes. Mas de tudo o que vimos, ouvimos e lemos, o que não encontrámos até agora foi alguém que se lembrasse de estabelecer a necessária relação entre esses dois tipos de dados e as suas devastadoras consequências. Com efeito, repare-se bem que esta sondagem telefónica do “CM” abrangeu 600 inquiridos e que, conforme foi divulgado, cerca de 70% deles (ou seja, 420) declararam tencionar abster-se no dia 13 de Junho. Entretanto, porque uma coisa é escolher ao telefone e outra deslocar-se às assembleias de voto, isto significa que nesta sondagem houve 420 pessoas que manifestaram intenções de voto em forças concorrentes mas que, segundo a sua opção provavelmente anterior pela abstenção, não tencionam de facto concretizar. E, no reverso da medalha, temos então que, numa sondagem com 600 inquiridos, apenas 120 (ou seja, 30%) manifestaram opções de voto que , com grande probabilidade, se dispõem a concretizar nas urnas. Escusado será dizer que, se já anteriormente as sondagens eleitorais eram muito afectadas pela imprevisibilidade do valor da abstenção, no caso das eleições para o Parlamento Europeu o problema se agrava consideravelmente e, à imagem do que acaba de acontecer com esta sondagem do “CM”, ameaça comprometer a credibilidade e segurança ainda que relativas das muitas que até 13 de Junho irão ser publicadas., a não ser que as empresas de sondagem e os órgãos de comunicação social decidam gastar mais uns bons euros aumentando fortemente a dimensão das amostras para depois poderem não perguntar por intenções de voto aos que previamente declaram tencionar abster-se. Bem vistas as coisas, talvez não seja de estranhar que ninguém tenha reparado nesta questão para que acabamos de chamar a atenção. De facto, um dos sintomas mais elucidativos da superficialidade dominante está precisamente em que a maioria dos jornalistas e comentadores que escrevem sobre sondagens incompreensivelmente sabem tanto sobre elas como o pouco que compreensivelmente sabe a maioria dos seus leitores e da opinião pública. Uns e outros, em regra têm um olhar totalmente hipnotizado com os grandes números dos resultados que são apresentados. Uns e outros vivem cada sondagem do dia como a boa e verdadeira, ainda que outra da véspera ou de há uma semana tenha dado resultados muito diferentes, sem consciência portanto de que nem todas podem então ser em simultâneo fiáveis ou rigorosas. Uns e outros, fixados nos títulos, não percebem quase nada das relações entre resultados brutos e resultados finais obtidos com a chamada repartição de “indecisos” que as mais das vezes corresponde a pôr a escolher quem não escolheu nada e pôr a falar quem nada disse. Uns e outros não estranham as significativas e misteriosas variações do número dos que, em sondagens, dizem que “não sabem- não respondem” ( e que vão desde quase 40% nas sondagens do “Público” aos 7,1% nas do “Correio da Manhã”, passando pelos 32% nas do “Diário de Notícias” e pelos 13% nas do “Expresso”). Uns e outros nunca estranham que as projecções em noites de eleições, por causa da chamada “margem de erro”, tenham sempre o cuidado de apresentar intervalos para cada força ( partido x entre tantos e tantos por cento) mas, semana após semana e mês após mês, fora das noites dos resultados das urnas, isso já não seja praticado nos títulos ou grandes números das sondagens correntemente divulgadas. E ainda, uns e outros muito menos percebem que, no que toca a forças de menor influência eleitoral, está por vexes em causa um número tão diminuto de inquiridos no conjunto da amostra que basta qualquer bambúrrio ou acaso para que três ou quatro opiniões tenham logo um enorme reflexo nos resultados previstos ou anunciados. E, a terminar, saibam os leitores que o autor destas anotações é o primeiro a saber que, infelizmente, se há batalha perdida, ou pelo menos travada nas condições mais desiguais, é precisamente a da luta por um módico de conhecimento, informação e espirito crítico face às sondagens.

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