&quot;Rejeição por unanimidade&quot;<br />Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;<span class="titulo2"><span class="data">

23 de Abril de 2003Talvez mais raro do que a aprovação por unanimidade é a rejeição unânime de uma medida política. O governo conseguiu essa proeza na nova lei que regula o funcionamento dos Centros de Saúde. Todas as entidades em que se associam profissionais de saúde, desde associações profissionais a sindicatos, mesmo com interesses e opiniões diversos, rejeitam a nova legislação.Para muitos cidadãos que utilizam os centros de saúde a situação poderá não estar contudo ainda muito visível, para além do que já constituem as óbvias dificuldades que encontram no atendimento, por falta de pessoal, deficientes instalações, ausência de meios para fazer exames ou análises, ou simplesmente por problemas burocráticos e de má organização dos serviços. A nova lei é mais uma pedra na privatização dos serviços públicos de saúde ou do que deles tiver potencial lucrativo. Vejamos algumas alterações.A partir de agora podemos passar a ter centros de saúde ou extensões entregues a entidades privadas, que certamente procurarão obter o máximo lucro, mesmo que isso implique cortar em despesas “secundárias” e “supérfluas” como os cuidados ao domicílio, os programas de prevenção ou de rastreio da doença, as consultas especiais para diabéticos ou outros doentes, a colaboração com escolas para a promoção da saúde, e muitas outras.Entretanto o Ministro da Saúde andou a prometer um médico de família para cada português. É um justo objectivo. Só que não se vê como se pode atingi-lo sem formar um número muito superior de médicos. A não que a solução seja permitir, como faz a nova lei, que nos centros de saúde entregues à gestão privada, que cada médico tenha um conjunto de até 2500 utentes em vez dos 1500 que continuam a ser a referência para os serviços públicos. A partir de agora os centros de saúde que se mantenham na gestão pública passarão a ter um director e até quatro coordenadores de unidades com remuneração própria, podendo o primeiro ser contratado fora da Administração Pública. Até agora os membros da direcção dos centros de saúde não recebiam qualquer remuneração por o serem e eram todos profissionais do Serviço Nacional de Saúde. Ninguém sabe quanto custará esta alteração.O que não se encontra na política do Governo é a resposta para os reais problemas dos centros de saúde. Não há uma política de formação e recrutamento de novos profissionais para fazer face à míngua em que vivem os centros de saúde. Praticamente não estão em curso ou previstas novas instalações para centros de saúde, mantendo-se um enorme número em instalações impróprias, designadamente em prédios de habitação, alguns com várias décadas, sem perspectiva de mudança. Continuam a faltar na maioria dos centros de saúde meios de diagnóstico e especialidades que poderiam resolver com qualidade muitas questões que hoje obrigam a deslocações aos hospitais. Acentua-se cada vez mais a falta de dinheiro para o funcionamento corrente e para as necessidades básicas.Mas evidentemente estes problemas estão longe das preocupações do Governo.