&quot;Privatizar a administração pública?&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

É corrente qualquer português queixar-se da administração pública. Mesmo quando em certos momentos houve melhorias assinaláveis de funcionamento numa ou outra área, isso foi absorvido pela generalização de descontentamentos que se desenvolvem tanto mais quanto mais vedada está a vontade das pessoas pesar.Mas à custa disso desenvolvem-se demagogicamente projectos que de facto visam prejudicar ainda mais os utentes. Que não recuam perante ilegítimas comparações de natureza entre serviços públicos e actividades com fins lucrativos, em concessões, parcerias e cessão de exploração, na total governamentalização no processo de designação dos cargos dirigentes. E não nos venham com a cassete de que ao recusar isso estamos numa posição “imobilista”. O que não queremos é consentir com o passo em frente que falta para se cair no abismo. Propostas para as gavetas e para os cestos de papéis foram muitas ao longo dos anos. Vários membros deste governo tiveram responsabilidades passadas noutros governos. E não lhes são conhecidas medidas de então que “justifiquem” as actuais ”linhas de orientação para a Reforma da Administração Pública”. Nem a capacidade para aceitar sucessivas propostas de reforma por parte de quem nela trabalha e que deveria ser motivada para ser protagonista de reformas positivas. Foi com leviandade que este e anteriores governos lidaram com a necessidade de garantir uma administração pública em cuja modernização assentasse a própria modernização do País e uma desburocratização que simplificasse processos e tivesse como grande preocupação servir os utentes. Pelo contrário, tudo foi feito para aumentar a desconfiança da população pelo nível de serviços prestados. A mentira de supostos privilégios dos seus trabalhadores não resiste à comparação com as condições que vigoram, por exemplo, para os gestores públicos. São os salários brutos que em início de carreira oscilam entre os cerca de quatrocentos e os cerca de mil euros. São as promoções efectuadas por concurso e as mudanças de escalão dependentes de avaliações e não por promoção automática.A questão está em saber se este e outros anteriores governos souberam conduzir processos de melhoria de gestão de serviços e do seu desempenho face aos utentes. Para agora virem com resoluções e projectos legislativos com vista à privatização, alienação de funções e violação de direitos dos seus trabalhadores, de consequências incalculáveis. E a resposta é claramente negativa. Os prejuízos já identificáveis em Portugal e noutros países da gestão privada de hospitais, da exploração privada de bens essenciais diversos, dão ainda mais actualidade à opção de valorização do carácter público dos serviços, à opção de descentralização e regionalização de serviços e de políticas, à opção pela formação e valorização de todos quantos nela trabalham. Temos tido suficientes exemplos, com maior ou menor dramatismo, das consequências da opção pela diminuição de trabalhadores, do não recrutamento de jovens, do não investimento na sua qualificação e estatuto remuneratório. Quando Manuela Ferreira Leite, referindo-se à sua decisão de fazer congelar as admissões na Administração Pública, ela própria a classifica como a decisão mais estúpida que teve que tomar mas que era necessária, importa rectificar porque, na sua óptica, ela nem é estúpida nem é desnecessária, antes é coerente com os objectivos deste governo. A reforma da administração pública de que o país precisa é outra e não é um problema doméstico deste ou daquele ministro. E é uma questão demasiado importante para ministros destes se usarem entregarem a ensaios ideológicos de cariz neo-liberal com ela, numa perspectiva completamente irresponsável.

  • Administração Pública
  • Central