&quot;Primária Prevenção ou Efabulação?&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

1O Dia era Internacional. E de Luta contra a Droga. O Primeiro-Ministro, alertado, teria que fazer um número. Até porque não havia trabalho a apresentar de quase ano e meio de governo. Fez uma reunião! Nada mau. Deu imagens. Fez soltar uns dados estatísticos. Disse que a prioridade era para a prevenção primária, generalidade que, de tão geral e dispersa por tantos actores não responsabiliza nem estabelece compromissos. E evita as confrontações dispersas no conceito. É, por exemplo, prevenção primária, fazer o contrário de várias medidas do Código Laboral... Se lhe atirassem com essa, falaria na produtividade, dos que estão “conservadoramente” agarrados a coisas como essas do emprego e da estabilidade familiar...Se lhe falassem na regressão da prática desportiva, lembraria certamente que os novos estádios vão permitir o ‘step’ e a aeróbica às largas massas de adeptos do futebol. Perguntaram-lhe se iria reforçar as verbas para este combate. Torceu-se. Disse que tinha que ir falar com a Dra. Manuela. Que não se podia comprometer...Afinal o número fora mal preparado... 2Dificilmente poderia ser de outra maneira se olharmos para o passado imediato. E para o que este governo não fez. Mas desfez. Como Carlos Carvalhas referiu dias antes num debate público, a explosão do consumo da droga em Portugal foi mais tardia que noutros países, mas mais profunda e desde logo encarada com políticas da avestruz. Foram tímidas as medidas. A partir de 87 criou-se o Projecto Vida e o Centro das Taipas mas o “combate” continuou entregue a instituições particulares, umas meritórias e voluntaristas, outras onde prevaleceu a falta de condições técnico-científicas e a gula de arrancar o máximo de dinheiro das famílias. Foi com a iniciativa do PCP em 97 que, com uma lei e a criação da rede nacional de cuidados, se consolidaram percursos já feitos e se partiu para uma nova fase, onde técnicos e comunidades se entregaram de forma militante, onde os CAT’s integraram muitas outras instituições na rede pública, onde diversas autarquias deram passos pioneiros (não isentos de erros). Desde então até à vinda de um novo governo em 2002 deram-se passos importantes, nos planos quantitativo e qualitativo, passou-se de uma fase de acolhimento a outra de procura activa dos doentes. Realizaram-se projectos de envergadura na redução do risco . No Casal Ventoso, no Porto, com as equipas móveis. Introduziram-se os programas de metadona. Enfrentaram-se as novas drogas. Esboçou-se uma articulação internacional. Criou-se o IPDT que... durou 2 anos até Durão chegar.3João Goulão esteve neste debate, espelhando a frustração de muitos, a necessidade de continuar o combate e de não deixar perder zonas reconquistadas. Como esteve Dinis de Almeida, com um outro tipo de experiência de trabalho no terreno. E outros interessados: autarcas, técnicos e familiares atingidos. A política do governo da direita não podia deixar de estar presente. A fusão dos dois organismos num só. A dança de cadeiras. Os responsáveis de ambos que se mantêm sem definição de prioridades com um ministro a contestar tudo o que se fez anteriormente, a abrir caminho à ocupação do terreno por outros interesses. Desmotivação. Fuga do pessoal, muito qualificado e experiente. Cortes de graves consequências em projectos como o de Lisboa, V. F. Xira e outros. E o regresso do crescimento do fenómeno. No Casal Ventoso, de mil seringas distribuídas por dia, chegou-se às duzentas. Já se vai nas quinhentas. Atravessamos o bairro requalificado e há sinais de um mercado que se retoma na Meia-Laranja, na Rua Maria Pia, no Arco do Carvalhão, dentro do bairro. Enquanto no Intendente, no Regueirão dos Anjos, se foi desenvolvendo. Instituições que colaboram não são pagas. Corta-se no programa da metadona e nas trocas de seringas. A última vez que a Assembleia da República abordou a questão foi em Setembro, e, às questões, o ministro disse nada. A apresentação periódica de relatórios, que a lei estipula, não está a ser cumprida.4Ninguém estará contra com um plano nacional de prevenção. Pelo contrário. Todos concordarão com um plano concreto. Que aproveite experiência e meios instalados. Com um plano de intervenção em meio prisional. Com a responsabilidade efectiva do Estado, não lhe reservando apenas o papel de polícia sinaleiro de outros interesses, despidos de preocupações coerentes e continuadas de prevenção, tratamento e reinserção ou de falta de sentido de oportunidade e de meios para tomar medidas pontuais urgentes, no quadro de uma intervenção integrada. E nada disto se poderá fazer de forma coerente se não houver um combate efectivo ao narcotráfico, com coordenação de meios de forças policiais. E se continuarmos a ver certos responsáveis fugirem como o diabo foge da cruz de medidas contra os paraísos fiscais, contra o branqueamento de capitais e a evasão fiscal. 5Mas essa é outra conversa. Tema para outro dia. Tema que anda ligado às fortunas que se escapam ao fisco, com ou sem origem em actividade criminosa. E que, ao provocarem a falta de recursos do Estado, levam à situação de que direitos sociais básicos e universais deixem de o ser para passarem a ser pagos por quem já descontou para os dever ter assegurados. Com aumentos de propinas, taxas moderadoras, passes inter-modais em função dos rendimentos(!!) e umas isenções para os pobrezinhos, acessíveis depois do longo calvário de procedimentos que o legislador perfeccionista e o burocrata rigoroso não deixarão de assegurar, porque no passado assim foi e terá que continuar a ser para que a ordem reine nos espíritos, nas famílias e nos costumes. Para já importa que tropa aliada ocupe as zonas de produção e fabrico, que os nossos amigos assegurem a distribuição pelos canais controlados pelo império, que nenhum banqueiro da Suíça ou do Luxemburgo, tenha que revelar a origem de certos depósitos e se eles se furtaram ou não aos respectivos sistemas fiscais nacionais, que os ‘offshore’ continuem a funcionar, que os sistemas de “tratamento” continuem a gerar lucros crescentes porque liberalizados, e os mercados de consumidores se mantenham a níveis controlados. Para que harmoniosamente o crime, o dinheiro sujo, os centros deste poder, se integrem no sistema, passem a ser os decisores efectivos, longe das contingências eleitorais que tratados constitucionais também tratarão de precaver, para que, uma vez mais, reine a ordem e não tenha que ser estranho que outros nos venham cá buscar o peixe e... deixar outras coisas.