&quot;Perguntas, no tempo que passa&quot;<br /><span class="titulo2">Octávio Teixeira no &quot;Diário

Lendo os relatos do que se passou no Congresso do PS de há quinze dias, sou levado a concluir que a grande questão política e estratégica em debate naquele conclave foi a de saber se o PS concorreria só ou em coligação às próximas eleições legislativas. Confesso ter sido apanhado de surpresa. Nunca imaginei que essa fosse a questão nodal. Ou, mesmo, uma questão actual e prioritária. É certo que de há muito se coloca, no âmbito da esquerda política portuguesa, a questão de saber se o PS quer ou não trabalhar para uma convergência política com partidos à sua esquerda, de forma a permitir a visualização pelos eleitores portuguesas da possibilidade de uma alternativa de Governo e, esta a questão principal, de uma alternativa de políticas. Convergências, não coligações. Pelos vistos, o que se passou no Congresso do PS foi eleger como tema dominante uma falsa questão, a forma de concorrência eleitoral, para evitar o debate da questão central, a das orientações políticas e estratégicas do PS.

Vai ou não o PS, finalmente, assumir claras e convictas orientações e propostas de esquerda, quer enquanto na oposição quer na perspectiva de um futuro regresso ao Governo? Vai o PS abraçar, em permanência, as causas esquerda ou, pelo contrário, vai continuar a trilhar a via sinuosa de posicionamentos ora à esquerda, ora à direita, ora ainda à direita, como o fez no passado próximo (e o conduziu à saída do Governo)?

A estas e outras questões, não ouvimos respostas no congresso dos socialistas. Pior. Alguns dos relatos que lemos, e das posições a que assistimos, deixam recear que o PS e Ferro Rodrigues não tenham aprendido com a lição recente. Fugir à clarificação de posições alegando que “é a partir das escolhas do eleitorado que se devem pensar as soluções”, ou afirmar que o PS tem de se “abrir à esquerda e à direita”, é chover no molhado, é evoluir na continuidade da estratégia de Guterres e da acção política dos seus Governos. Declarar, como o fez o Secretário-Geral do PS, que a luta contra a proposta do novo código de trabalho é “um problema dos sindicatos”, é adoptar, face a uma luta por causas inequivocamente de esquerda, um distanciamento politicamente inaceitável num partido que da esquerda se reclama. É meter a cabeça na areia para não assumir, de forma inequívoca e audível pelos cidadãos, a posição do PS face a um projecto de regressão social e civilizacional que ameaça os trabalhadores e a sociedade portuguesa. Perante isto, os eleitores, e em particular os trabalhadores, têm todas as razões para questionar se há, ou haverá, uma qualquer intenção de “viragem à esquerda” por parte do PS?

A convocação, pela CGTP-IN, de uma greve geral para o próximo dia 10, suscitou em vários meios críticas ácidas por causa da sua oportunidade. Do meu ponto de vista, algo se evoluiu nos últimos quatro meses. Já é mais amplamente reconhecido que o novo pacote laboral é mau para os trabalhadores e para o País. Que (como aqui escrevi em 13 de Agosto) “este projecto de código laboral se insere numa mais ampla e clara deriva neoliberal do Governo PSD/CDS-PP, visando um grave recuo e progressivo abandono da perspectiva social na evolução da economia e no papel regulador e de intervenção do Estado na sociedade”, e que “o pretexto da recuperação da competitividade das empresas que expressamente foi usado para justificar tão retrógradas alterações é, basicamente, um sofismo fraudulento”. O que agora parece estar em causa, para alguns, já não é a necessidade de lutar empenhada e convictamente contra a proposta governamental, mas tão só a oportunidade para desencadear a luta. O argumento essencial usado é o de que ainda não está esgotado o prazo negocial. Argumento que, no meu entender, suscita algumas perguntas.

Não foi já esgotado o prazo negocial entre Governo e os parceiros sociais? É evidente que sim. É isso que justifica que o Governo tenho passado do projecto de código laboral para uma proposta de lei que apresentou à Assembleia da República. A partir desse momento, o Governo deu por findo o seu “diálogo social” com os sindicatos, com os trabalhadores. A partir de então, a proposta de lei passou das mãos do Governo para as do Parlamento.

Não foi generalizadamente reconhecido que, durante o processo de concertação social, o diálogo do Governo não passou de um embuste, limitando-se a ouvir o que os parceiros sociais tinham a dizer e autoritariamente persistindo nas suas posições? Todos os parceiros o asseveraram, e as duas centrais sindicais comungam a apreciação de que (para o caso, e não por acaso, cito a UGT) a “proposta de lei continua muito pior que a legislação em vigor” e “o texto continua inaceitável pondo em causa direitos fundamentais dos trabalhadores, quer em termos individuais quer colectivos”.

Será curial que se critique o desencadear da greve, alegando que “põe em causa a possibilidade de continuar a negociação”, e simultaneamente se afirme que o novo código do trabalho “tem aprovação garantida pela maioria parlamentar que apoia o Governo”? É uma contradição.

Assim sendo, parece ser este o momento oportuno para enveredar pelo “último recurso” da luta dos trabalhadores, a greve. Essa luta tem, necessariamente, que ser feita antes da aprovação da lei. Porque o recurso à greve deve ter uma finalidade útil, no caso a de impedir a aprovação da proposta de lei do Governo. Não o mero objectivo de protestar contra uma lei que já o é.

Perguntas mil se podem e devem fazer, a propósito do caso “pedofilia /Casa Pia” que na última semana se abateu sobre a consciência nacional. As interrogações que já todos lemos e ouvimos sobre este execrável caso, chegam para preencher algumas páginas de jornais. E muitas outras se nos suscitam à medida que, diariamente, temos conhecimento de novos relatos e ocorrências. Todos estaremos perplexos e indignados com os silêncios, os encobrimentos, as negligências e as insensibilidades formalistas e burocratas. Por isso a todos se nos exige impedir que atitudes idênticas - daqui a uns tempos, quando o assunto deixar de ser notícia de primeira página - possibilitem a repetição do torpor generalizado. Preservando a identidade e dignidade das vítimas, a completa clarificação de tudo o que se passou é uma exigência que a todos nos responsabiliza.