&quot;Pacto de Estabilidade ou hipocrisia?&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

A recente decisão dos Ministros das Finanças da União Europeia, de afastar a França e a Alemanha de sanções pela violação do Pacto de Estabilidade, vem demonstrar que tínhamos toda a razão na denúncia que temos feito da irracionalidade dos critérios de convergência nominal, que apenas o governo português teima em querer cumprir. Assim, foi rejeitada a recomendação preparada pela Comissão Europeia sobre o procedimento de défice excessivo contra aqueles países. Claro que a Comissão diz que continua a aplicar o Tratado e que "se reserva o direito de examinar as consequências das conclusões do Conselho e de decidir eventuais acções". Mas alguém acredita que vai fazer algo contra a França e a Alemanha se os governos destes países não estiverem de acordo? É uma resposta de pura hipocrisia. Sabe-se que só a Espanha, a Áustria, os Países Baixos e a Finlândia votaram contra o texto do Conselho no seio do Eurogrupo (12 países membros da zona euro), texto esse que apenas impõe as regras previamente anunciadas pelos governos da Alemanha e da França, aceitando, assim, que estejam três anos consecutivos sem cumprir os critérios de Maastricht. E certamente que, se precisarem, poderão ir até aos quatro ou cinco anos. Registe-se que foi a Alemanha quem exigiu o Pacto de Estabilidade e Crescimento, com os tais inadmissíveis critérios de convergência nominal, durante o debate do Tratado de Maastricht, que aprovou a união económica e monetária. Mas fê-lo para exigir o seu cumprimento aos outros. Não para si. Não é isto pura hipocrisia? Bem pode agora o Comissário Pedro Solbes afirmar que a decisão do Conselho "não respeita nem as regras nem o espírito do Pacto de Estabilidade". Será que se vai demitir por ser desautorizado deste modo? Ou será que vai mandar a decisão do Conselho para o Tribunal de Justiça Europeu?! Claro que mais realista foi a França, que afirmou que o Conselho tem uma outra maneira de aplicar o Pacto de Estabilidade, torneando, deste modo, o seu não cumprimento efectivo, embora defendendo alterações através daquilo a que chamou o "enriquecimento" do Pacto de Estabilidade. É certo que há quem tenha dito que o Pacto não está morto, mas está no refrigerador, ou seja, está congelado até ao momento em que os países ricos e poderosos considerem que já pode ser descongelado porque os seus problemas estão resolvidos. Quem também se sentiu atingido foi o conselho de governadores do Banco Central Europeu, que defendia a aprovação das propostas da Comissão Europeia. Para eles, o não cumprimento das regras e procedimentos do Pacto de Estabilidade "corre o risco de minar a credibilidade do quadro institucional e a confiança nas finanças públicas sãs dos Estados membros da zona euro". Será que também se vão demitir por terem sido ultrapassados pelo Conselho? Ou é pura hipocrisia esta afirmação? Claro que a UNICE, organização do patronato europeu, seguiu o mesmo caminho de defesa do Pacto de Estabilidade e das posições da Comissão Europeia. Basta ver o que se passa em Portugal para perceber a sua posição. O fundamentalismo do Pacto de Estabilidade é sempre o melhor pretexto para dar cobertura às políticas contra os trabalhadores, para facilitar ataques aos serviços públicos, para facilitar a vida aos grupos económicos e financeiros à custa do agravamento das desigualdades sociais. Pela nossa parte, que estivemos contra o Pacto de Estabilidade, há muito que estamos a defender a sua suspensão para revisão dos seus estúpidos critérios de convergência nominal, que não têm em conta a realidade de cada país e os seus diferentes graus de desenvolvimento sócio-económico. Mais uma vez, solicitámos um debate no Parlamento Europeu sobre este tema, a realizar na sessão da próxima semana. Veremos o que se vai passar. Mas uma coisa é certa: ficou agora mais clara a hipocrisia daqueles que, como em Portugal, utilizam o argumento do Pacto de Estabilidade para justificar políticas anti-sociais.

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