&quot;Os genéricos e o que eles escondem &quot;<br />Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;

de Dezembro de 2002 Durante anos algumas vozes praticamente isoladas, onde se incluiu o PCP, defenderam sem sucesso a importância de fomentar um maior uso de medicamentos genéricos no nosso país. De há uns tempos para cá os genéricos tornaram-se porém num lugar comum de qualquer discurso politicamente correcto na saúde. É certo no entanto que na maior parte das vezes escondiam a falta de vontade de tomar medidas mais drásticas para racionalizar os gastos com medicamentos.Mas é sem dúvida verdade que uma maior aposta nos medicamentos genéricos, permitindo sempre que possível diminuir o consumo de medicamentos de marca (mais caros), é uma forma de melhor gastar os recursos do orçamento da saúde.Foi por isso com natural agrado que vimos o actual governo comprometer-se com medidas concretas para uma maior prescrição dos genéricos. Assim, o executivo anunciava que os utentes passariam a poder optar por genéricos sempre que eles existissem na categoria de medicamentos receitada pelo médico. Logo, teriam acesso a medicamentos mais baratos, permitindo também que o Estado poupasse nos gastos com comparticipações.Só que quando a esmola é grande o pobre desconfia; e neste caso há boas razões para isso. É que por um lado a opção pelo genérico só pode existir quando o médico autorizar, e por outro lado passa a funcionar um sistema de preço de referência para as comparticipações.Explicando melhor. Até aqui cada medicamento comparticipado estava incluído num escalão de comparticipação (20,40,70 ou 100%, para além dos regimes especiais), cuja taxa se aplicava independentemente do preço de venda ao público. Assim, dentro de um mesmo princípio activo ou categoria, a que se aplicasse por exemplo o escalão de 70%, se o preço de um medicamento receitado pelo médico fosse 10 €, o Estado pagaria 7 € e o utente 3 €; mas se o médico receitasse um medicamento semelhante, de outra marca que custasse 50 €, o Estado pagaria 35 € e o utente 15 €. Só que agora o governo decidiu que nas categorias (ou princípios activos) em que existam genéricos no mercado a comparticipação passa a ter como referência o preço do genérico mais caro. Isto é: se num mesmo grupo de medicamentos existirem medicamentos que custem 30, 40 ou 50 €, mas o genérico mais caro custar 10 €, a comparticipação será sempre de 7 € (aplicando o mesmo escalão de 70%), qualquer que seja o medicamento receitado. Portanto, sempre que o médico optar por receitar o medicamento que custa 50 €, e não autorizar a sua substituição, passará a custar ao utente 43 € quando antes custava 15 €. Dando alguns exemplos concretos (passe a publicidade), com recurso ao Prontuário Terapêutico do Ministério da Saúde de Junho de 2002, o Capoten (50mg/60 unid.) passará a custar ao utente 19,43 € (aumenta 7,54 € + 63%); o Xanax (0,25/60 unid.) passará a custar 5,59 € (aumenta 1,24 € + 28,5%); o Augmentin (500+125 mg/16 unid.) passará a custar 7,39 € (aumenta 2,27 € + 44%).E como não há nenhuma garantia de que os médicos passem a receitar sempre genéricos, adivinhe quem vai pagar a diferença?Post-scriptum: Não contente com o que atrás se descreveu, o governo decidiu ainda aumentar, certamente com o aplauso das indústrias farmacêuticas, os preços dos medicamentos de venda livre (ou seja, os que não necessitam de receita médica). O destaque vai para os de preço inferior a 5 €, cujo aumento é de 5%, isto é, o dobro da inflação prevista pelo governo para 2003.