&quot;Operação cosmética&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

Não é tema novo a irracionalidade do Pacto de Estabilidade, cujas consequências desastrosas os portugueses bem conhecem, mas que a Alemanha, tal como a França e a Itália, sistematicamente não cumprem, apesar de ser quem exigiu a sua elaboração. Não é tema novo o reconhecimento da estupidez dos seus critérios de convergência nominal, que não têm em conta os diferentes níveis de desenvolvimento de cada país. Sabemos como a aplicação do Pacto de Estabilidade serviu para justificar o desinvestimento público, nomeadamente em áreas sociais da responsabilidade do Estado, incentivando crescentes privatizações e alienações cegas do património público. Sabe-se como fomentou as mais diversas práticas de contabilidade criativa que tornam menos transparentes as contas públicas. São conhecidas as consequências no abrandamento, estagnação e, nalguns países, como Portugal, a recessão económica, com crescimento do desemprego e da exclusão social. O que é tema novo é a significativa operação de cosmética que a Comissão Europeia acaba de anunciar, propondo-se clarificar e melhorar a aplicação do Pacto de Estabilidade, apontando as seguintes medidas: - colocar uma maior tónica na sustentabilidade da dívida (será para também incluir a Itália, cuja dívida ultrapassa o valor do PIB?); - ter mais em conta a situação de cada país na definição do objectivo a médio prazo de posições orçamentais próximas do equilíbrio ou excedentárias (certamente para dar cobertura ao não incumprimento recorrente da França e da Alemanha e, assim, evitar que o Tribunal de Justiça Europeu tome posição contra estes países); - tomar em consideração as condições económicas e a sua evolução na aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos (ou seja, na prática, transformar os critérios num menu à la carte que a Comissão avaliará de acordo com a pressão dos países mais poderosos?); - agir mais rapidamente a fim de corrigir as evoluções orçamentais inadequadas (Como? Quando? Contra quem? Não será a cobertura para continuar a agir sempre contra os mesmos, os pequenos e médios países, de economias mais frágeis, que têm maior dificuldade em resistir?) . Claro que a Comissão ainda acrescenta que o processo de supervisão orçamental deve permitir garantir a obtenção de excedentes em períodos de conjuntura favorável, a fim de poder fazer face às consequências do envelhecimento da população, criar uma margem de manobra suficiente para resistir ao abrandamento económico e, finalmente, garantir uma dosagem apropriada durante o ciclo. Ou seja, do que se trata é da continuação da mesma política, com algumas cambiantes na aplicação que permitam aos governos da França e da Alemanha moverem-se mais à vontade em todo o processo, deixarem de ser permanentemente acusados de não cumprirem o Pacto de Estabilidade, criando, simultaneamente, condições para uma maior discriminação na aplicação do Pacto de Estabilidade que poderão ser utilizadas contra países mais débeis. Mas não deixa de ser interessante ouvir o Director-Geral da Comissão Europeia para os Assuntos Económicos e Financeiros afirmar, na audição da Comissão dos Assuntos Económicos do parlamento Europeu, no passado dia 31 de Agosto, que o Pacto de Estabilidade não pode ser uma camisa de tamanho único, que deve ter em conta a situação específica dos Estados. O significativo de tudo isto é que finalmente reconhecem a razão dos que, como nós, sempre apontaram esse grave erro aos critérios de convergência nominal. Desde a primeira hora que o fizemos e, por isso, fomos acusados de ser contra a Europa. Será que agora a Comissão Europeia e os seus responsáveis também estão contra a Europa? Ou do que se trata é de tentar dar uma resposta parcial e incompleta aos países mais poderosos, para tentarem uma operação de cosmética face às crescentes lutas dos trabalhadores e das populações, como acontece com as manifestações de protesto, todas as segundas-feiras, em 220 cidades da Alemanha, contra a redução do subsídio de desemprego e outros ataques aos direitos dos trabalhadores? Pela nossa parte, vamos continuar a insistir na necessidade de suspender e revogar o Pacto de Estabilidade, apelando, igualmente, a uma ampla discussão pública e à revisão global das orientações económicas e monetárias da União Europeia, com vista a criar um Pacto para o Emprego e o Desenvolvimento, que coloque o crescimento económico, o combate ao desemprego e às desigualdades na repartição e distribuição do rendimento no cerne das orientações económicas da União Europeia.

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