&quot;O que dirá o &laquo;pacote&raquo;?&quot;<br />António Abreu no &quot;Público&quot;<span class="titulo2"><span class="titulo2"><span class="titulo2">

Foi anunciado que o governo enviou para a Assembleia da República um pacote legislativo em que pretende subsidiar 100 mil famílias para estas poderem suportar novos aumentos das rendas de casa. A receita orçamental que permitiria pagar esses subsídios resultaria de mais impostos pagos pelos senhorios que beneficiariam destes novos aumentos de rendas.

O anúncio peca pelo esquematismo e simplificação de uma previsão orçamental a confirmar..

O novo pacote legislativo é a versão revista e actualizada de uma intenção manifestada, mas nunca concretizada, de há vários governos a esta parte: com novos aumentos de renda, contribuir para uma nova atitude dos proprietários, que assim passariam a ter condições para reabilitar as suas casas, coisa que não estariam a fazer porque em determinada altura da História mais recente se registara um congelamento de rendas que os teria deixado descapitalizados, para este e outros efeitos...

Novo esquematismo e nova simplificação.

Programas como o RECRIA, num co-financiamento Proprietários-Governo- Autarquias às obras, permitiram que se estabelecesse um interface de iniciativa, que atenuava as naturais tensões entre proprietários e inquilinos, resultantes dos aumentos de renda que as obras acarretam, através de uma mediação municipal. Novos programas se criaram, depois, para contemplar as zonas históricas, a propriedade horizontal e outras situações.

Mas com limitações. Proprietários houve que nem assim podiam ou queriam avançar e deixavam degradar os edifícios que, eles ou as imobiliárias que lhos adquiriam, deitavam abaixo para construir de novo para outras bolsas, indemnizando os anteriores inquilinos que assim eram expulsos para outras paragens. Ou os mantinham devolutos, numa atitude especulativa que atingiu dimensões preocupantes na cidade de Lisboa.

A expectativa da presente revisão legislativa fez com que nos últimos anos o recurso dos proprietários a programas de financiamento dessas obras, como o RECRIA, descesse a pique (em Lisboa eram algumas centenas por ano e passaram para o nível das unidades). Porque os proprietários esperavam legislação mais favorável aos seus interesses. E os edifícios foram-se degradando.

Acresceu a isto que, por exemplo na CML, os serviços municipais viram reduzidas competências e capacidade de acompanhar estes processos. Hoje aposta-se em novas soluções “milagrosas”, que ainda não foram testadas, no sentido de agilizar processos e estimular a iniciativa privada. São os Fundos de Investimento Imobiliário e as Sociedades de Reabilitação Urbana, já começadas a esboçar pela anterior maioria.

O presente “pacote” pretende passar com o atractivo dos subsídios a inquilinos que atrás referimos. Apostando no cruzamento de dados dos inquilinos (IRS, Segurança Social e outros) de forma a encontrar as situações que justificariam os apoios para pagarem a renda face a novos aumentos, “salvadores” da reabilitação.

Na reabilitação da habitação, a questão central era e continua a ser: como apoiar os proprietários e os próprios municípios a reabilitarem as casas para que os aumentos de renda daí decorrentes não facilitem a expulsão da população residente ou a ruína do pequeno comércio, a “gentrificação” dos nossos bairros, a proliferação de devolutos e de residências sazonais para alguns privilegiados. E antes permita actuar de maneira a fazer alterar, em condições mais favoráveis, particularmente para jovens casais, o mercado de arrendamento. E a fazer com que na actividade de construção pese mais a componente da reabilitação em prejuízo da construção nova.

As respostas a esta questão estabelecem fronteiras entre opções de esquerda e de direita e configuram objectivos estratégicos distintivos para a cidade entre elas.

O novo “pacote” traz mais uma vez atrelado um revisionismo semântico- forma habitual de novos governos afagarem o seu próprio ego, aspirando a ficar na História. RECRIA, REHABITA, RECRIPH e SOLARH irão ser fundidos num REABILITA...Mas já não era mau se se limitassem a rebaptismos...

E até se lhes tirava o chapéu se permitissem que técnicos municipais pudessem ser colaboradores activos de tantos inquilinos idosos ou iletrados (e também de alguns proprietários com os mesmos problemas). De maneira a estes vencerem as barreiras de burocracias, desejavelmente mais reduzidas, e contrariando o entusiasmo de legisladores afastados das pessoas reais. E a que fosse tão simples aceder a um subsídio de renda como ao financiamento para a obra ou que este já incorporasse aquele para que os inquilinos não tivessem que passar pela via sacra das repartições...

Já agora o “pacote” deveria permitir que os municípios, de forma ágil, expropriassem, sem beneficiarem o infractor, e interviessem coercivamente para reduzirem drasticamente os fogos devolutos na cidade. Para o que teriam que ter meios humanos e financeiros reforçados, e a capacidade de remeter esses fogos para o mercado de arrendamento, agindo coercivamente para o arrefecimento dos preços praticados.

Vejamos o que diz o "pacote"...