&quot;O futuro dos fundos comunitários&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Comércio do Porto&quot;

A Comissão Europeia acaba de apresentar a sua proposta de perspectivas financeiras para 2007-2013, definindo as principais orientações políticas, as mudanças de objectivos e os valores globais. O quadro financeiro proposto prevê um total de dotações para pagamentos que, no máximo, não poderá ultrapassar 1,14% do RNB da União Europeia, o qual, com o próximo alargamento a dez países, de rendimentos médios inferiores a metade da média comunitária, será ajustado negativamente cerca de 5 pontos percentuais, ou seja, o equivalente ao enriquecimento estatístico de Portugal. Só por si, isto já significa que Portugal deverá perder possibilidades de acesso a apoios comunitários relativamente à situação actual. Mas, é necessário ter em conta que, igualmente, mudam os objectivos e as formas de atribuição dos fundos, designadamente dos estruturais, onde, de acordo com esta proposta, se perde, à partida, cerca de 10% . De qualquer modo, estamos ainda perante uma mera proposta da Comissão, apresentada num quadro de grande chantagem dos países mais ricos que, após o falhanço da Cimeira de Bruxelas, onde não conseguiram fazer aprovar o seu projecto de Tratado Constitucional, escreveram a já tristemente célebre “Carta dos Seis”, a defender que o projecto de perspectivas financeiras não exceda o tecto de 1% do RNB comunitário. Assim, o mínimo que se pode dizer é que os mais ricos fizeram o seu caminho com uma proposta inadmissível, que não respeita quer os objectivos da coesão económica e social do Tratado da União Europeia, quer os compromissos com os países do alargamento. E fizeram-no de tal modo que, agora, aparecem os governantes portugueses e outras elites do poder a considerar que, afinal, a proposta da Comissão é boa e Portugal pouco perderá. Ora, num quadro de uma economia cada vez mais aberta, com as crescentes liberalizações e a conhecida fragilidade da nossa estrutura produtiva, são prematuros os juízos sobre o total de ganhos e perdas que Portugal terá com esta proposta de novas perspectivas financeiras. É conhecido que estamos em recessão económica, com perdas de produção assinaláveis, da ordem de 1% do RNB, o que tem graves implicações no aumento das importações, designadamente de produtos alimentares ( agrícolas e pesqueiros). Sabe-se que cerca de 35% dos fundos comunitários que recebemos voltam para os países da União Europeia, pelo pagamento dos produtos que lhes compramos. Na maior parte dos casos isso resulta de se ter destruído o nosso tecido produtivo: o abate de cerca de 40% da nossa frota pesqueira, o abandono de inúmeros campos agrícolas, a destruição de grande parte das empresas da metalo-mecânica pesada, de estaleiros navais, de deslocalização de multinacionais no vestuário, calçado e material eléctrico. As consequências estão aí, seja no plano da produção, seja na área social, comercial e, mesmo, financeira. Cerca de 500 mil desempregados, maior dependência na balança comercial, retorno de mais de um terço dos fundos comunitários que recebemos. Ora, é neste quadro que temos de apreciar, não apenas o valor global dos fundos comunitários previstos para depois de 2006, mas também os seus objectivos. Neste plano, assume particular preocupação a proposta da Comissão que introduz o grande objectivo da competitividade, o tal grande objectivo da Agenda de Lisboa, de que já bem conhecemos as liberalizações e a flexibilidade do mercado de trabalho. Por um lado, temos cada vez menos empresas produtivas para modernizar. Por outro lado, os sectores básicos essenciais estão quase privatizados e, na sua maioria, entregues a capital estrangeiro, pelo que os grandes ganhadores serão esses grupos alemães, franceses, espanhóis e outros estrangeiros. Mesmo a investigação e o conhecimento aparecem sempre ligados ao desenvolvimento do espírito empresarial, acentuando os traços de uma crescente mercantilização, ao sabor dos interesses do grandes grupos económicos e financeiros da União Europeia, principais defensores da chamada “estratégia de Lisboa”, que, em Março de 2000, durante a Presidência Portuguesa, o então Primeiro-ministro António Guterres apresentou como o elixir do desenvolvimento português e europeu. A situação actual, que o Governo de Durão Barroso, se encarrega de agravar, demonstra à evidência a quem servem estas políticas e o perigo que corremos das futuras perspectivas financeiras contribuírem para agravar a nossa dependência, de pôr em causa a nossa soberania alimentar, agro-industrial, mineira e comercial, de afectar cada vez mais os serviços públicos. Daí a importância de mudar de políticas.

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