&quot;O debate necessário&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Comércio do Porto&quot;

Iniciou-se a Conferência Intergovernamental. É fundamental que se alargue o debate sobre o que se vai passar. Sabe-se que, partindo do projecto da chamada constituição europeia, se quer aprofundar a integração para facilitar cada vez mais a vida aos mais poderosos, sejam países, sejam grupos económicos. É preciso reflectir sobre as suas consequências e tomar posição, antes que seja tarde. Antes que surjam novos perigos, a porem em causa tudo o que é ainda património dos portugueses, e que foi protegido, mesmo com prejuízo das gerações presentes, como os recursos pesqueiros das águas zona económica exclusiva portuguesa, até às 200 milhas marítimas. O que se está a passar nas pescas, com a ameaça da poderosa frota espanhola poder ter acesso livre, mesmo que ainda condicionado durante três ou cinco anos, aos nossos recursos pesqueiros e à nossa ZEE, é um alerta para a gravidade do que nos espera com uma integração cada vez mais profunda. Há quem sonhe transformar a União Europeia num super-estado, onde seja mais fácil impor os interesses de grupos económicos e financeiros comunitários, que interessam sobretudo às elites dos países mais poderosos, mas onde elites de pequenos e médios países, como Portugal, tendem a sentir-se mais seguras perante possíveis lutas e tensões sociais, de trabalhadores, pescadores, agricultores ou pequenos e médios empresários cada vez mais afectados pelas políticas neoliberais, que a chamada constituição europeia consagra. Não espanta, portanto, a posição da coligação PSD/PP e do PS sobre os trabalhos da Convenção, nem tão pouco a defesa que fazem dos seus conteúdos fundamentais, embora com uma ou outra pequena divergência, nuns casos por acharem que não foi tão longe como devia, noutros para mostrarem alguma divergência perante verdadeiros atentados ao princípio da igualdade entre Estados e, por conseguinte, da capacidade de Portugal defender os seus interesses vitais, do seu povo decidir do seu destino colectivo, da sua forma de viver, de manter a sua cultura, incluindo a sua língua, de utilizar o mar e a floresta, os rios e as suas margens, de resistir à normalização e à rapina dos que cobiçam os nossos recursos, mesmo que escassos. Ora, como sabemos, apesar de já haver perda de soberania nos actuais tratados, sobretudo após Maastricht e Nice, de que as pessoas se começam a aperceber quando vêem os seus direitos postos em causa, seja com o pacto de estabilidade e os irracionais critérios de convergência nominal, que o governo português está a usar para agravar as desigualdades e assimetrias no país, seja com a ameaça da frota espanhola na zona económica exclusiva portuguesa, entre as 12 e as 200 milhas, seja com as pressões para cada vez mais liberalizações e privatizações em sectores e serviços públicos essenciais como nos correios, telecomunicações, electricidade, água e vias de comunicação, o que nos espera, se o projecto saído da Convenção for por diante, é o agravamento desta política. Ou seja, o que está em causa é a possível perda da capacidade de dizer não a novas imposições dos maiores países. É o agravamento do centralismo e da burocracia de Bruxelas, ao serviço dos interesses das multinacionais e grupos económico-financeiros dominantes na União Europeia, à custa da degradação dos direitos da maioria da população portuguesa, incluindo das empresas nacionais que não consigam alianças ao capital estrangeiro. Na realidade, o texto, que foi considerado pelo Governo Português um bom documento de trabalho para a CIG, empobrece os direitos que muitas constituições nacionais consagram, como a portuguesa, põe em causa aspectos centrais da soberania de cada país, manda para o caixote do lixo o princípio da igualdade entre estados soberanos, trata de forma discriminatória os pequenos e médios países. Por isso, a luta do esclarecimento sobre o que se está a passar na União Europeia é da maior importância, seja para defender a nossa ZEE e os recursos pesqueiros portugueses, seja para impedir que na Conferência Intergovernamental se subalternize ainda mais o nosso país e se percam mecanismos fundamentais de defesa dos interesses do povo e do país. O referendo será imprescindível se a revisão dos Tratados avançar no caminho que a dita constituição europeia pretende.

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