&quot;O buraco do Túnel e os hotéis das arcadas&quot;<br />António Abreu na&quot;Capital&quot;

Há dois anos atrás, os vereadores do PCP tinham declarado o seu desacordo com o projecto do Túnel das Amoreiras. Por ir introduzir mais tráfego na cidade, acentuando a opção viária radial, em vez de prosseguir o esforço pelas circulares que agem em sentido contrário. E por ser um investimento cujos custos eram mais do que discutíveis em relação a outras necessidades da cidade. Como a reabilitação de habitação, a reintrodução dos fogos devolutos na função habitacional, o arranjo do espaço público, etc. Disse Santana Lopes, a propósito destas e doutras opções que se tratará de cumprir promessas eleitorais. Será. Mas isso não nos impede de ter opinião e em insistir no que achamos melhor para a cidade Mas depois veio uma empreitada deficientemente preparada. E os vereadores do PCP suscitaram a sua fiscalização pelo Tribunal de Contas. O caderno de encargos do concurso, quando da adjudicação já não era o mesmo. O Tribunal respondeu, dizendo que não estava prevista esta iniciativa no seu plano de fiscalização para o ano que passou mas que isso não queria dizer que não viesse a ser incluída noutro plano. Já depois disto a obra, a decorrer, sofreu alterações relativamente ao previsto, o que torna a iniciativa, a nosso ver, ainda mais pertinente.Santana Lopes entende que os vereadores do PCP não deviam levar aos tribunais algumas questões que consideram ilegais. Está no seu direito e já discutimos isso em reunião de Câmara. Não pretendemos deslocar o debate político e desvalorizar a Câmara. Nem quebrar a eficácia do seu funcionamento por obrigar a maioria a responder a solicitações judiciais decorrentes dessas nossas iniciativas. Ainda menos remeter para terceiros os cartões vermelhos a comportamentos que, apesar de se poderem estribar em promessas eleitorais, estão formalmente conduzidos de forma questionável face às leis. Levantamos essas questões em Câmara e, só quando o entendemos absolutamente necessário, nos órgãos próprios a que recorre quem sustenta não estar a legalidade a ser respeitada. Este é um risco que todos os autarcas e detentores de cargos políticos correm. E não vale a pena aludir ao desenterrar de supostas ilegalidades “doutros tempos”. Pela nossa parte, desenterrem o que quiserem. Não temos receios. Sempre soubemos as responsabilidades que assumíamos no exercício de tais funções. E não entendemos que o bom relacionamento institucional e pessoal possa ser confundido com o andarmos todos a proteger-nos uns aos outros.Depois do PCP e de toda a oposição terem suscitado as suas reservas ao projecto e aos procedimentos, veio, muito mais tarde, um cidadão suscitar várias questões. Cidadão que, por sinal, já tinha estado na origem de outras iniciativas em relação à anterior maioria. E o Tribunal Administrativo de Lisboa, deu-lhe razão num dos pontos, já anos antes suscitado, relativo à falta de um estudo de impacte ambiental. Na passada reunião da Câmara a decisão judicial era conhecida. Para aligeirar o ambiente foi introduzida na sala da reunião pública uma maqueta relativa a intenções para Alcântara, a despropósito, tanto mais que a Câmara não tinha encomendado nada sobre a matéria... À credibilidade da maqueta juntou-se uma visão futurista risonha do Presidente e dos projectistas. Mas a vereadora do urbanismo, de forma mais pragmática, declararia que, com as alterações simplificadas do PDM, já poderia aprovar vários dos muitos loteamentos disseminados pela maqueta. Retiremos lições do caso presente: se amanhã um tribunal não vier a aceitar essas alterações simplificadas e entender que para a zona é necessário plano de pormenor ou de urbanização, anulando decisões que possam já ter sido tomadas, alguém vai ter que encarar indemnizações de milhões. Para depois não se vir procurar a quem atribuir as responsabilidades de tais desaires. Depois seguiu-se o episódio da “cabala” (digo eu) que se poderia adivinhar pela coincidência no tempo da decisão judicial, das posições da oposição e do pronunciamento de uma comissária europeia...Tudo num nível elevado, como se vê. Seguiu-se uma incrível comparação entre túneis e entre as coisas que estavam a ser exigidas a este túnel e o não tinham sido para outros (voltaremos ao tema por um destes dias porque o espaço é finito e a paciência do leitor também). Para não falar da manifestação de desagravo com cuja publicidade anónima obviamente a maioria nada tinha (donde se presume vir a ser aceite um requerimento de inquérito interno a quem poderá ter encomendado os anúncios em nome da CML, que fizemos no dia seguinte, quando confrontados com informações diferentes de um jornal). Depois foi o chutar para canto das responsabilidades decorrentes da obra parada ou adiada. Convidados a fazermos intervalo, acedemos e comemos umas sandes para o Sr. Presidente ir fazer uma conferência de imprensa. Sobre o túnel, claro.A reunião rematou com mais um chumbo de uma proposta dos vereadores do PCP. Desta vez sobre as condições para a alteração de usos dos edifícios do Terreiro do Paço com vista à sua revitalização. Ficou claro que o Presidente quer lá meter hotéis. E que um dia destes nos confrontará, não com uma maqueta mas com um clip de animação com hotéis de charme, muito glamour, estacionamento de limusinas, e trânsito intenso de camones dos cruzeiros , saltitando entre os paquetes, o Casino e as passadeiras vermelhas dos sucedâneos dos ministérios.Já incomodado com as alusões à sua figura sugeridas nos outdoors de Santana Lopes, que o davam como reincarnação sua, o Marquês deitou os olhos para as Amoreiras e para as arcadas do Terreiro do Paço, viu as máquinas, as árvores a tombarem, ouviu as intenções, e murmurou “Mas ele insiste?”. O leão sossegou-o “É só fumaça...”. Mas não era. Eram as brisas da “modernidade” com cheirinho a naftalina.

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