&quot;O ano da deficiência&quot;<br />Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;

2003 foi designado pela União Europeia “Ano Europeu das Pessoas com Deficiência”.Estima-se que em Portugal cerca de um milhão de pessoas sejam portadoras de uma deficiência. Muitas de entre elas necessitam de apoios especiais para prosseguirem uma vida normal. Em muitos milhares de casos o direito à integração plena na sociedade é uma miragem distante e inacessível. Por isso este Ano Europeu assume entre nós especial importância.O Governo não tem correspondido a esta necessidade. Para além de uma teatral inauguração de um posto de abastecimento de combustível adaptado às necessidades dos deficientes motores, e do anúncio de uma nova lei de bases da reabilitação (veremos em que termos), pouco mais se tem visto. Nas políticas concretas a acção deste Governo não é lesiva para os interesses dos deficientes apenas por omissão. As políticas de insensibilidade social e de aumento da pobreza e da exclusão social têm efeitos dramáticos na vida dos cidadãos deficientes.No trabalho, factor determinante para uma plena integração na sociedade do cidadão deficiente, o que caracteriza a política do Governo é o incumprimento das determinações legais sobre quota de emprego na administração pública, cada vez mais afastada, até pelo férreo congelamento de novas entradas para este sector. Mas no sector privado a situação não é melhor. É que apesar de incluir um capítulo com declarações de princípio sobre o emprego de deficientes, no Código de Trabalho o que verdadeiramente vai contar é a abertura de amplas possibilidades de discricionariedade no tratamento dos trabalhadores e dos seus direitos, quer na contratação para um emprego, quer em relação aos direitos dos que estão empregados. E isso criará ainda maiores dificuldades aos trabalhadores portadores de deficiência, que têm já hoje enormes dificuldades no emprego.Na educação, é escandalosa a diminuição drástica dos apoios educativos especiais (professores especializados, ajudas técnicas, condições arquitectónicas, equipamentos adequados) nas escolas regulares, indispensáveis para a integração das crianças e jovens portadores de deficiência. Com esta política o Governo empurra para a segregação muitos milhares de crianças e jovens, apenas por razões de insensível “poupança”.Quanto à questão das barreiras arquitectónicas, continuamos a marcar passo, apesar de a legislação impor a adaptação de edifícios já construídos e exigir que os novos cumpram as condições de acessibilidade. Nem os edifícios públicos são, em muitos casos, um bom exemplo.Numa sociedade desigual os deficientes sofrem em dobro. É por isso que o agravar das dificuldades e desigualdades sociais se traduz numa acrescida degradação da situação das pessoas com deficiência.A atenção dada numa sociedade aos problemas dos deficientes revela a atenção dada à justiça social. Uma política que não respeita os deficientes é inevitavelmente uma política injusta. E com este Governo o “Ano Europeu das Pessoas com Deficiência” mais parece o ano da insensibilidade social.

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