&quot;Novas escavaturas&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

Esteve recentemente em debate, em Lisboa, por iniciativa do PCP e do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, um tema da maior importância que actualmente atinge enormes proporções: o tráfico de mulheres e crianças, a prostituição, faces de uma nova escravatura. Está aí, esta dura realidade do aumento da prostituição e do tráfico de mulheres, adolescentes e crianças, em Portugal, na Europa e no Mundo. Calcula-se que mais de 500 mil mulheres, na Europa, sejam, anualmente, vítimas do tráfico, e muitos milhões no mundo. Nem sempre o objectivo do tráfico é a exploração sexual das vítimas. Por vezes, são casamentos forçados, situações de trabalho clandestino, de trabalho doméstico e outras, em condições de escravidão. Mas, o fundamental, é a exploração sexual, a prostituição. O tráfico de mulheres e crianças é o resultado de uma repartição desequilibrada das riquezas mundiais e pôr-lhe fim exige uma outra ordem económica internacional que se baseie na justiça e solidariedade e não na exploração capitalista que hoje domina o mundo. As vítimas são as mulheres vindas de países africanos, de leste, da América Latina, ou seja, de zonas onde há pobreza, faltam oportunidades de emprego, escasseia a informação. Grupos organizados a nível internacional, clandestinamente ou com o consentimento das vítimas, enganadas por promessas fraudulentas, transportam para as zonas mais ricas onde a população masculina dispõe de meios financeiros para recorrer à prostituição. Este crime organizado do tráfico, que hoje usa métodos de gestão e tecnologias modernas, que é menos arriscado do que a droga, embora muitas vezes lhe ande associado, alimenta negócios e actividades criminosas que o branqueamento de capitais e os paraísos fiscais facilitam. Temos assim, aqui, um dos lados mais visíveis da exploração capitalista que, ao reforçar os seus mecanismos de exploração na fase actual de tentativa de mercantilizar tudo, incluindo o amor e a vida, humilha e explora as vítimas. Estas, com medo de serem expulsas, são facilmente manipuladas, não se arriscam a apresentar queixa, sofrem um verdadeiro suplício, são transformadas em autênticas escravas. Mas há outras razões para a prostituição.O agravamento do desemprego e das condições sociais, o alastrar da toxicodependência, designadamente nos jovens, está também a contribuir para um novo surto de prostituição nas ruas e estradas, em diversas zonas do País, de mulheres e jovens que são atiradas para situações de desespero e não vêem outra saída para sobreviverem. Este tráfico de mulheres e crianças, a nível europeu, para fins de prostituição, agravou-se nos anos 90, com o crescimento do desemprego e da pobreza das mulheres dos países da Europa Central e Oriental, resultante da desintegração das respectivas estruturas sociais. Desde 1997 que há decisões positivas visando lutar contra este crime organizado do tráfico de seres humanos e da exploração sexual de crianças, incluindo a Acção Comum, de 24 de Fevereiro de 1997, a Conferência Ministerial de Haia, de Abril de 1997, e as deliberações do PE, de 1998. É preciso que se apliquem, designadamente em Portugal. Sempre pusemos o acento tónico nas causas da situação, que é preciso resolver, com maior apoio à cooperação e desenvolvimento dos países de origem, no combate ao crime organizado a nível europeu e na protecção às vítimas. Este apoio tem de assumir aspectos práticos de respeito pela sua dignidade, de garantia dos direitos humanos, de apoio à sua integração social, incluindo a autorização de residência, a concessão de autorização de trabalho, a possibilidade de formação profissional, etc. alargando estes apoios a todas as vítimas e não apenas às mulheres que desejem apresentar queixa formal contra o traficante ou às que aparentemente tenham mais possibilidade de obter a sua condenação do traficante. Outro lado do problema é a forma como se encara a prostituição na nossa sociedade. É um atentado à dignidade das mulheres e um grave problema de direitos humanos que importa encarar de frente, aprofundar o seu estudo, analisar as diversas causas e procurar medidas de intervenção em vários planos, designadamente na prevenção e na integração social das mulheres vítimas de prostituição. São pistas de abordagem e de acção que importa continuar para que não se multipliquem estas novas formas de escravatura.

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