&quot;Gasolina no incêndio&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="data">

30 de Maio de 2003

Contribuindo modestamente para não ampliar a «overdose», não vamos escrever sobre o assunto que parece ocupar quase todos os que escrevem nos jornais e revistas.

Por relação indirecta com o clima dominante, só queremos mesmo registar que a interpelação ao Governo promovida pelo PCP na AR, na passada quarta-feira, sobre o « o combate à crise económica e às injustiças sociais » foi completamente silenciada no Telejornal da RTP/1 e, no «Público» e no «DN», (vá lá!) foi curiosamente remetida respectivamente para a secção de «economia» e para a secção de «negócios» (!!!).

Chegámos pois ao tempo em que uma interpelação parlamentar de um partido ao Governo já não cabe num telejornal e já é exilada das secções de «política nacional» de jornais porque, pelos vistos, a «política nacional» passou a ser só aquilo que alegadamente envolve políticos ainda que «o caso» não seja propriamente de «política».

E depois, daqui a pouco, os principais cultores do «tema único» virão tranquilamente sentenciar que «a oposição» está anestesiada ou K.O por causa dos desenvolvimentos do caso da pedofília e divorciada dos verdadeiros problemas de fundo do país.

Dito isto, o que hoje queremos salientar é que nos indignou vivamente que, num debate realizado na Universidade Nova sobre o sistema político, o líder parlamentar do PS tenha vindo afirmar que o actual sistema eleitoral das autarquias favoreceria a opacidade e a corrupção porque, segundo ele, «a presença dos vereadores da oposição nos executivos camarários apenas reforça a capacidade de os presidentes de câmara poderem comprar os seus vereadores» e «os presidentes da câmara só dão pelouros a tempo inteiro a vereadores da oposição que se portem bem.»

A tese, que se insere na defesa do novo – mas aberrante – sistema eleitoral autárquico defendido pelo PS, não é nova ali para as bandas do Largo do Rato e já tinha sido mesmo expressa com meridiana clareza em 21.5.2001 por António Guterres quando declarou que «o actual sistema de gestão autárquica gera uma grande perversão e promiscuidade com vereadores da oposição com pelouros e mandatos remunerados».

E, como António Costa não inova em relação a Guterres, compreenda-se que, também sem inovação, recorramos a argumentos contrários que já em 2000 usámos contra este tese estapafúrdia do PS.

Começando por lembrar que esta questão repetidamente evocada pelo PS diz apenas respeito a situações em que nos executivos municipais não existe uma maioria absoluta de vereadores de um partido, mas logo acrescentando aquilo que os dirigentes do PS sempre escamoteiam, isto é, que essa situação apenas se verifica em 10,7% dos municípios portugueses (em 35 dos 308 existentes).

Acrescentamos de seguida que António Costa não deve estar a medir bem as consequências do que afirma. É que das declarações do líder parlamentar do PS só se podem tirar três devastadoras conclusões: ou o PS, em concelhos onde detém a maioria relativa, compra vereadores de outras forças com pelouros; ou vereadores do PS deixam-se comprar pelos partidos com maioria relativa noutros municípios; ou ainda que se verificam as duas coisas ao mesmo tempo.

Mas, até porque se trata apenas de 35 concelhos, não se percebe porque é que os responsáveis do PS, antes de colocarem insinuações e lama na ventoinha, não optam primeiro por nos contar quem são os eleitos do PS que compram outros ou por outros se deixam comprar. Ou então, se acham esta sugestão excessiva e irrealista, porque é que não desencadeiam internamente as medidas de carácter exemplar que, a ser com dizem, claramente se imporiam.

E, para se aferir do desastre que é a proposta do PS de acabar com a eleição directa e proporcional das Câmaras e dar ao primeiro candidato da lista vencedora para a Assembleia Municipal o poder de constituir a seu bel-prazer executivos monocolores, basta pensar se as coisas teriam porventura corrido com menos corrupção em Felgueiras se, em vez da presença de outros partidos na vereação, toda a vereação fosse composta apenas por elementos do PS escolhidos pela Dra. Fátima Felgueiras entre os seus mais dilectos apaniguados.