&quot;Fogos de Verão: e no resto do ano?&quot;<br />António Abreu no &quot;Expresso&quot;

Há coisas que se não vão poder recuperar. As vidas perdidas. Os resultados de vidas inteiras de trabalho . A segurança para os que habitam em muitas zonas do país. A possibilidade de continuar a viver nelas. As empresas destruídas. A confiança que faltou na capacidade de resposta que se soma a outros factores de descrédito nas instituições políticas.Há coisas que têm que ser minoradas desde já. Muita acção solidária. Financiamentos a fundo perdido para compensar perdas de bens e rendimentos. O emprego para os que ficaram sem ele. A reposição de infra-estruras públicas geridas pelo Estado ou concessionadas, essenciais à vida e ao relançamento das actividades possíveis. Mas daqui a um mês não se põe uma pedra sobre o assunto. As avaliações rigorosas dos prejuízos terão que levar a uma outra fase de medidas de apoio. É fundamental iniciar, de imediato, a reflorestação e o ordenamento florestal Definição das condições orçamentais para a efectiva realização da Lei de Bases da Política Florestal. Reanimação e valorização do papel dos serviços públicos correspondentes. Combate à fragmentação fundiária da floresta, elaboração dos planos regionais de ordenamento florestal e dos planos de gestão florestal. Definição de orientações no Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta.Situação excepcional? Condições climatéricas anormais? Crimes de fogo posto? Acção dos Ventos? Beatas de cigarro e restos de queimadas e fogueiras de piqueniques? Incúria de proprietários? Sim. Tudo isso é verdade. Mas o essencial é a falta de uma estratégia de prevenção e de um desenvolvimento sustentável da floresta, décadas de criminosa passividade e mesmo cumplicidade com o estado da floresta portuguesaDeixemos de lado a significativa primeira aparição dos governantes em irrepreensível fatiota, ao abrigo do ar condicionado de um centro de protecção civil a enxergarem monitores para darem imagens para os telejornais enquanto estavam no combate, impotentes, desolados, uns a chorar, outros contendo o desespero e a raiva. Não foi o governo que reduziu os postos de vigilância? Que diminuiu o número de guardas florestais? Que fundiu precipitadamente, elevando a descoordenação operacional, o Serviço Nacional de Bombeiros e o Serviço Nacional de Protecção civil? Quem extinguiu a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais? O Governo apresentou há 3 meses, em Vizeu de um dispositivo especial de combate a fogos florestais? Onde esteve? E porque não accionou o Plano Nacional de Emergência? Porque é que os meios da Força Aérea Portuguesa perderam a sua possibilidade de intervir? Não foi o Ministro da Administração Interna que, enquanto o fogo tudo destruía, promovia uma operação de marketing sobre o envio de uma força da GNR para o Iraque que vai custar ao país 8 milhões de euros? Os “meios mais do que suficientes” contemplam catástrofes, desgastes intensos e consequente substituição permanente de meios?Mas se estas coisas, não forem ditas agora, o que vai acontecer para o ano? O subinvestimento vai manter-se? A contenção do deficite vai continuar a falar mais alto? Vamos ter que ouvir governadores civis, «apanhados» pelo calor e pelo síndroma cow-boy de Bush oferecerem «alvíssaras» por denúncias de marginais?O governo sai desta catástrofe chamuscado. Irremediavelmente. Não vale a pena irritar-se com jornalistas nem chamar “baixa política” ao legítimo uso da crítica quando quem a faz ou está no terreno, ou preparou as medidas legislativas quase consensualmente aprovadas mas não desencadeadas por razões políticas, ou já desencadeou iniciativas para a Assembleia da República e o Parlamento Europeu !Uma última palavra que terá que ser a primeira. Para sublinhar a força das populações, o seu apego à defesa do que construíram durante vidas inteiras e à solidariedade para com os outros, a intervenção dos bombeiros, autarquias, forças militares e de segurança, dos guardas e sapadores, a imensa solidariedade que foi prestada e que deverá continuar.

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