&quot;Eleições europeias e directório: mais do mesmo?&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

Há dias, com o evidente mau estar dos dirigentes de outros doze países e a atenção por parte dos outros dez que em Maio irão aderir, Chirac, Blair e Schroeder definiram “prioridades” para a União Europeia. Todas embrulhadas em bonitas palavras, tantas vezes usadas quantas vezes não cumpridas em anteriores períodos da construção desta União Europeia. E com a reclamação de um vice-presidente da Comissão, indicado por eles, para gerir tais prioridades. Procuraram legitimar essa intervenção com os mais de 50% do PIB que representam para mandar às malvas os órgãos próprios de decisão e desvalorizarem as próximas eleições europeias.A condução do processo desta União Europeia por maiorias do “centro” do espectro político europeu levou ao que levou. Foram elas que fizeram os pactos, convenções, as políticas comuns ruinosas para as soberanias e economias. E o que agora nos estão a prometer é mais do mesmo, a continuada secundarização de muitos a troco de algum compromisso para não serem completamente deserdados. A hipótese de uma outra via, de uma outra construção europeia, pela experiência do quem têm sido os protagonistas desta até agora, impõe claramente a necessidade de reforçar aqueles que no nosso país a têm contestado e apresentado alternativas. Para viabilizar uma união de Estados soberanos e iguais em direitos. Motivada pela convergência económica e o progresso social. Na base de um desenvolvimento sustentado e na qualidade de vida. No respeito das identidades culturais e das soberanias. No nosso país, a derrota da direita em 13 de Junho tem que estar, por isso, associada ao reforço da esquerda mais consequente nesses e noutros propósitos. E não ficar refém da paralizante bipolarização da alternância dos que só querem tocar a mesma música. Foi o que os comunistas afirmaram sábado em Lisboa.A apatia perante este acto eleitoral, preocupantemente assinalada por diversos analistas, baseia-se nos resultados deste “vira o disco e toca o mesmo”, na perplexidade e impotência perante decisões de dirigentes destes países que provocam os colapsos das respectivas economias e alinham ou pactuam com as agressões norte-americanas, ou no cada vez maior afastamento dos centros europeus de decisão em relação ao comum dos cidadãos. E isso gera o desinteresse.Mais de outra coisa e menos do mesmo é o que poderá forjar um novo interesse. E que se expresse nas urnas o peso que têm tido os grandes movimentos sociais por direitos e contra a exploração, pela paz e contra a globalização capitalista.O assumir uma construção de diferenças é uma ideia a realizar. ”Poética” dirão uns, desvalorizando a poesia e a Europa, que esgotam, respectivamente, no adorno e no mercado. Por isso não nos conformamos com a “Constituição Europeia” que institucionaliza um federalismo ditado pelo tal directório, que ande de braço dado com o neo-liberalismo nos planos económico e social, com o militarismo e as tendências securitárias. Por estes lados, as dificuldades inerentes à concretização dos ideais humanistas não são argumento para arrepiar caminho, num “pragmatismo” que nos “obrigue” a competir em pistas paralelas com os EUA. Para nós, todos os homens e mulheres devem continuar no centro das preocupações e das políticas. Que neles devem procurar inspiração e destinatários principais.É possível e necessária uma convergência real das economias e das condições sociais, particularmente num novo alargamento, que se valorize o investimento produtivo, se requalifique a gestão e o trabalho, se atenda à produtividade e competitividade, se aposte numa divisão europeia do trabalho que valorize os sectores produtivos nacionais e os respectivos perfis específicos no quadro de outras (não estas) políticas comuns, se garanta a qualidade dos serviços e a sua acessibilidade por todos, se tenha em conta a sustentabilidade do desenvolvimento, se ponha fim ao Pacto de Estabilidade e às privatizações. É possível e necessário a garantia de um voto por país, do direito de veto de cada em nome de interesses vitais, a rotação democrática do Presidente da Comissão e dos comissários, um novo papel dos parlamentos nacionais e o uso de todas as línguas nacionais como línguas de trabalho, a salvaguarda das identidades culturais e a rejeição dos directórios dos “grandes” e do federalismo. É possível e necessário que a Europa se afirme numa boa relação com todos os países do mundo, contribua para serem garantidos os 0.7% do PIB e o perdão da dívida para a promoção do desenvolvimento, se afirme face ao papel crescente de diferentes instituições financeiras e internacionais carentes de legitimidade democrática, procure impor o cumprimento do protocolo de Quioto e de outras resoluções internacionais da mesma natureza, que acolha e integre os imigrantes numa perspectiva de abertura e de interesse mútuo e contenha o militarismo e intervencionismo das suas instituições.Estas linhas estratégicas e objectivos concretos de política que os comunistas aprovaram, configuram a possibilidade de uma outra Europa. São boas ideias para intervenção do Parlamento Europeu nos próximos cinco anos. São bons antídotos para “directórios” e um novo motivo de interesse na sociedade portuguesa por essa Europa. Uma outra Europa. A dos que trabalham, dos que são solidários, dos que apostam no desenvolvimento e no ambiente, na paz e na cooperação, dos que querem mais democracia, dos que se querem abrir para os novos mundos que se adivinham em tantos outros cantos deste mundo.

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