&quot;Educação: que Bases?&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

A dinâmica progressista que esteve na origem da aprovação, em 1986, com larga consensualidade, da actual Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) resultou de um processo amplamente participado, que beneficiou da conquista da democracia e do peso que, mesmo antes disso, tiveram práticas e correntes pedagógicas exemplares. Poder-se-á dizer da Lei, não que “envelheceu” mas que dela não foram tiradas muitas consequências e exploradas potencialidades. A sua leitura atenta revela a não concretização de intenções que limitaram o papel democratizador do alargamento da frequência escolar e a correspondência ao acréscimo de qualificações já então sentidas.Naturalmente que ao fim de 17 anos se colocam novos problemas que exigiriam actualizações e melhorias na explicitação de conceitos e disposições diversas mas nada que impusesse a abertura de um processo de revisão da LBSE de 86. Percebe-se é que a actual maioria conjuntural de direita faz questão de a impôr e tentar obter parceiros que “legitimem” que seja desfigurada.Aberto o processo de revisão com a iniciativa governamental, os comunistas, para terem uma mais adequada participação, naturalmente que apresentaram o seu próprio projecto que se apresenta na continuidade da LBSE de 86 e coerentemente com uma acção guiada ao longo destes anos pela sua aplicação efectiva. Só mesmo representantes do governo, que tem ficado isolado nos debates públicos a decorrer, poderia encontrar nesta atitude uma contradição com a valorização da Lei em vigor. Talvez nos quisessem calados mas não têm sorte...Neste quadro importa garantir a efectividade de uma rede pública de ensino de qualidade que dê corpo ao direito constitucional à educação, e deixar expresso que a liberdade de opção por instituições privadas deve ter um carácter supletivo, evitando que o reforço saprófita da “iniciativa privada” imposto pelo Estado não se traduza na ainda maior redução do ensino público, através do desvio de financiamentos para vouchers e outras coisas que tais. Mesmo quando se recorre ao eufemismo de uma rede de “ofertas” educativas onde se mete tudo no mesmo saco dum mercado de acesso privilegiado. Importa que a aparente unanimidade em torno do prolongamento da escolaridade obrigatória não signifique a redução do ensino básico comum e a especialização precoce de vias não comunicantes. E a cedência em relação a concepções relativas a vocações e profissionalismos que, por contraditarem a educação na cidadania, são o pior serviço às necessidades de formações de banda larga essenciais ao desenvolvimento. Nem o continuado subinvestimento nos primeiros anos de escolaridade que se manteve apesar da anterior elevação da escolaridade obrigatória para os nove anos. Importa garantir a permeabilidade e mobilidade entre os diferentes cursos e vias a partir do ensino básico. Importa garantir na gestão das escolas o primado da perspectiva pedagógica sobre a comercial de apresentação de resultados para os rankings e as cotações de mercado, a direcção colectiva, eleita e democraticamente participada por diferentes corpos. E que não seja por via administrativa, guiada por exclusivos critérios de reduzir investimentos (“aproveitar sinergias”...), que as escolas se agrupem. Importa que a educação pré-escolar cumpra o papel atenuante de sucessos escolares condicionados por desigualdades sociais, seja de oferta universal, com obrigatoriedade de frequência no ano anterior ao início do ensino básico, em vez de se ausentar do necessário valor acrescentado em relação à educação familiar e de se “articular progressivamente com os serviços de creche”. Importa que o ensino superior se desenvolva na base de um sistema único, com regime de créditos ECTS e uma harmonização europeia dos ciclos mas com durações que possam ser variáveis e salvaguardem a soberania. Importa que se elimine progressivamente o numerus clausus e se viabilizem, simultaneamente, instituições em diferentes pontos do país que possam contribuir para alterações no tecido económico-social que contrariem as crescentes assimetrias regionais e a desertificação. Importa que o financiamento permita um ensino gratuito até à conclusão das licenciaturas e que a Acção Social Escolar não seja uma grande mentira. Importa que se respeitem princípios de negociação e criação de condições para que as transferências de responsabilidades para a administração local não liquidem uma fatia muito importante do sistema. Importa que a multiculturalidade crescente na sociedade se contemple em adequações no sistema, como na formação de professores, adaptações de curriculos, centros de recursos, mediadores, ano de aprendizagem da língua, cooperação com associações de imigrantes, para que estas jovens gerações não sejam expulsas para outros percursos de vida mais ou menos desviantes.Estes são apenas algumas das actualizações e precisões de conceitos que a conjuntura exige para não falar já do papel das tecnologias da informação e comunicação, efectivo e não com carácter de enfeite para disfarçar as mazelas.Prossiga, pois, o debate.

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