&quot;Educação ou vocação imobiliária?&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

Estava eu determinado a começar umas curtas férias. Em Lagos, como de costume. Por razãos familiares e pela cidade em si mesma. Apesar de hoje já ser dificil coexistir uma vida nocturna com o sossego. E a deixar para tras os desmandos dos agrupamentos impostos pelo Ministério da Educação, a que aqui me referi na semana passada. Eis senão quando sou informado pela decisão do Municipio Lacobrigense em aceder na desactivação da Escola Secundária Gil Eanes. Escola quase centenária, criada em 1905 com o nome de Vitorino Damásio. Os professores, pais e o Conselho Municipal da Educação não tinham sido ouvidos e a proposta entrou à última da hora na ordem de trabalhos. Razões? A Direcção Regional de Educação do Algarve dizia que era muito urgente... Para onde iria a Escola não se sabe. Mas terreno apareceria. A isso se comprometia, disponibilizando um terreno para o efeito “preferêncialmente” na freguesia de Santa Maria (casco histório da cidade). Mas o que faz correr assim uma Direcção Regional que, em tempo de férias, também deveria estar preocupada com a educação? Libertar um quarteirão correspondente ao antigo convento de Nossa Senhoira do Carmo, construido em 1554 e adaptado depois do terramoto de 1755. A área bruta deste terreno, onde perssistem delicadas memórias deste convento, é de 4500 m2. Talvez apetecível para outros usos. Com localização junto à muralha e ao anfitiatro, tendo a escola acesso a três vias diferentes. Percorrer os seus corredores, na sua diversidade de espaços e de comunicação entre eles, ainda permite adivinhar o convento em toda a sua extenção. Tem para cima de 200 alunos e professores, que se conhecem todos entre si. Visitei-a num dia em que se misturavam os nervosísmos dos exames e a azafama de uma sala de inscrições. Alguns dirão que, de acordo com as normativas das escolas actuais, esta escola deveria blá, blá, blá... (aqueles sucessivos normativos, cada vez mais aperfeiçoados, que por falta de fiscalização ou de capacidade de adaptação, andam a par com situações contraditórias, também em Lisboa, em tudo o que são Ministérios, sede de grandes empresas, etc. Não temos o resto, mas normativos não nos faltam). Quando não são evidentes graves disfunções, cheira-me a argumento de pato bravo a pensar mais além. Por aqui foi professor em 57/58, José Afonso, cantor e professor andarilho, que uma lápide no pátio recorda. Ano em que foi também de obras de modernização. É uma escola sem problemas significativas no plano disciplinar e com boas classificações e sucesso. Tem um ar airoso quando se entra e nela se aconchegam escadas, pátios, um bufete, salas de aulas, ginásio e oficinas, deixando imaginar diversas harmonias. Sob o impacto do 25 de Abril, os professores criaram, em ligação com o novo poder, uma série de cursos técnicos. Outras alterações se procederam até aos dias de hoje, em que a escola adoptou o nome do navegador que foi escudeiro do Infante D. Henrique, que por aqui nasceu, antes de se fazer ás viagens que o trouxeram para a nossa História. É certo que hoje as autarquias dizem uma crescente asfixia financeira e não cessa a procura de novas receitas. É certo que o imobiliário, em várias vertentes, pode interessar ao desenvolvimento de uma cidade. Mas estas coisas, feitas de repente, ainda por cima numa cidade onde a especulação neste campo levou conhecidos exemplos dos nossos cavalheiros da industria a construir muita coisa que ficou abandonada e se está a degradar, deixam um odor esquisito no ar. O Ministério da Educação não teria outras coisas para tratar? Deixe lá os jovens estudar no centro histórico da cidade que não deverá ser só para os “camónes e p’rós copos”. 

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