Artigo de João Frazão

Quo Vadis Floresta?

Acabam de ser votadas na Assembleia da República as propostas do Governo inseridas na chamada Reforma Florestal. Sinalizemos algumas ideias centrais, na sua relação com a posição do PCP, que não deve ser procurada em títulos de jornais, mas no que, desde Outubro de 2016, para não ir mais longe, assumimos sobre esta matéria.

Desde o primeiro momento afirmámos que o conjunto de diplomas da dita Reforma não responderia aos problemas centrais da floresta portuguesa – desvalorização do preço da madeira, abandono do mundo rural a partir da destruição de milhares de postos de trabalho e do encerramento dos serviços públicos, esvaziamento dos Serviços do Ministério da Agricultura, ausência de meios técnicos, humanos e financeiros para concretizar qualquer política –, porque nem se aproxima deles.

Durante dezenas de anos, não faltaram à floresta portuguesa os consensos para aprovar a sua Lei de Bases, iniciativa do PCP, a Estratégia Nacional Florestal, ou o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.

O que faltou foi sempre a vontade política, e os meios que lhe correspondessem, para fazer o que estava já aprovado. Os responsáveis por isso encontram-se nas galerias dos sucessivos governos, PS, PSD e CDS! E é bom não esquecer que PSD e CDS, que hoje choram lágrimas de crocodilo, foram responsáveis pela reformulação do Proder que tirou quase 200 milhões de euros à floresta portuguesa!

O que faltou foi a determinação em enfrentar os constrangimentos internos e externos que estão na origem das vulnerabilidades estruturais do país, nos planos alimentar, demográfico, energético, de ordenamento de território, de infra-estruturas e serviços públicos, dramaticamente expostas nos incêndios das últimas semanas.

Afirmámos também que estas propostas não deviam ser votadas à pressa na AR, apenas para responder ao clamor popular, sem qualquer preocupação com o rigor e a ponderação exigidas. Como exemplo, refira-se que relativamente ao Cadastro Florestal não se conhece a avaliação das experiências-piloto no terreno, nem tão pouco as opiniões das entidades que conhecem e tutelam a matéria e que o próprio Ministério da Justiça teve dificuldades em responder a perguntas do PCP, tendo solicitado mais um mês para o efeito. Por isso propusemos o adiamento da sua discussão. Sem sucesso.

Consideramos, apesar disso, ter valido o esforço que fizemos, que levou à aprovação da criação, até 2019, das cerca de 250 Equipas de Sapadores em falta, ou de recriar o Corpo de Guardas Florestais; do financiamento modulado para mecanismos de segurança de máquinas agrícolas; da definição de que é obrigação do Estado e não dos proprietários, os procedimentos administrativos para a realização da informação cadastral simplificada, e os apoios para tal às pessoas com insuficiências económicas; da definição como tarefa do ICNF da gestão nacional da área global de eucalipto, para a aproximar da prevista na Estratégia Nacional Florestal, começando pelas explorações de maior dimensão; da garantia de que os proprietários florestais afectados pelas faixas de gestão primária de combustível serão ressarcidos; entre muitas outras.

Valorizamos particularmente que não tenha vencido a lógica na qual assentava uma boa parte da dita Reforma, presente em projectos do Governo, mas também do BE, de que a responsabilidade dos incêndios reside na pequena propriedade e nas ditas terras sem dono conhecido, teoria nunca provada, mas que dá muito jeito para esconder as responsabilidades da política de direita.

Afastada, no imediato, a tentação de esbulho das pequenas propriedades para a sua entrega à concentração fundiária, respeita-se a realidade objectiva do País e os milhares de pequenos e médios proprietários do norte e centro, abandonados à sua sorte por Governos que encaminham dois terços dos apoios à floresta para a região do País onde não há incêndios.

Está o caro leitor a questionar porque votou o PCP contra a criação deste Banco de Terras. Não fugimos à questão. Votámos contra porque não aceitamos a opção de alienação do Estado das suas responsabilidades de gestão florestal e do seu património, e da entrega deste, a prazo, aos interesses privados.

Portugal é um dos países com menor área de floresta pública da Europa! O caminho não é o da alienação do património do Estado, mas, pelo contrário, o do seu alargamento, com uma gestão activa a favor do País.

Sabemos que agora estes passos implicam outros, cuja batalha se situa já no debate do Orçamento do Estado, para assegurar os meios para a sua execução. Veremos até onde vai a vontade política! Aí se saberá “quo vadis” floresta.

Publicado no Jornal Público de 21 de Julho de 2017