Intervenção de

Questões do emprego e o ataque aos direitos dos trabalhadores - Intervenção de Odete Santos na AR

Interpelação n.º 6/X, sobre as questões do emprego, a crescente precariedade e o ataque aos direitos dos trabalhadores

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social,

Já hoje muito se falou aqui em conciliação entre a actividade profissional e a vida familiar.

Em relação à Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, quero dizer que não tenho a sua visão, porque eu não perguntaria ao Governo o que é que ele está a fazer às empresas e quais os incentivos que lhes quer dar para promover essa conciliação, perguntaria, sim, o que é que ele está a fazer em relação às mulheres trabalhadoras.

Podemos dizer que essa conciliação faz-se às vezes de uma maneira muito interessante. Porque razão é que, no último ano, 92,4% dos novos desempregados são mulheres?

É por causa das quotas!

Porque razão é que, perante uma taxa demográfica, segundo dados da União Europeia referentes ao último trimestre de 2005, de 1,42%, que não permite a renovação de gerações, que tantas vezes é brandida para dizer que na segurança social não vai haver dinheiro, se avança com propostas de medidas que considero verdadeiramente inauditas, como, por exemplo, no projecto de novo estatuto da carreira docente, estabelecer que se interrompa a avaliação das professoras que estejam no gozo de direitos de maternidade, prejudicando, deste modo, na progressão da carreira as mães professoras, as mães
trabalhadoras?

Pergunto se é desta maneira que se protege a maternidade e se dão condições às famílias para criarem o tal ambiente de felicidade, que neste país muito pouca gente deve conhecer.

E, a propósito do dia de hoje, dia em que faz anos que se realizou um referendo e que foi já proclamado por algumas organizações de mulheres — que neste dia, de norte a sul do País, organizam debates sobre a matéria — como o dia nacional de luta pela despenalização do aborto, pergunto se não é suficiente o que o Governo já reflectiu sobre uma área do Código do Trabalho em que a anterior maioria cortou às mulheres que fizessem abortos clandestinos o direito à licença especial. O PS ainda não reflectiu sobre isto ou também estes dias são necessários às empresas para a tal competitividade, em detrimento da saúde das mulheres?!

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

«Vive-se um grande pessimismo em Portugal. Em larga medida, este pessimismo deve-se às promessas não cumpridas.» São palavras do Programa Eleitoral do Partido Socialista, mas assentam que nem uma luva ao seu próprio autor.

São o «grilo do Pinóquio», que tropeça continuamente no desmedido nariz que não pára de crescer. Vive-se um grande pessimismo em Portugal.

Prometendo emprego, o PS criou ainda mais desemprego.
Prometendo que a flexibilidade, a adaptabilidade, a empregabilidade gerariam trabalho, como prometido também pela Estratégia de Lisboa —afinal, onde está o pleno emprego que estaria mesmo ali, à beirinha? —, o Partido Socialista afinal veio demonstrar o que já há muito era óbvio: a estratégia prosseguida pelo capital continuava a ser a de precarizar, precarizar, precarizar!
Prometendo trabalho com direitos — é do Programa a célebre frase: «Porque o Estado de direito não pode ficar à porta das empresas» —, o PS retirou direitos, numa ofensiva jamais vista contra o trabalho que tanto é exigida pelo capitalismo financeiro como por aquele que se diz produtivo.

Estas duas faces da mesma moeda mais não fazem do que prosseguir a sua passeata sobre os escombros das conquistas dos trabalhadores, sobre os destroços de um direito laboral moderno, gerado no modelo social europeu que já foi de ontem.

O neoliberalismo impõe a destruição de direitos laborais, como prova exemplarmente a governação PS, e transforma todos os outros direitos e liberdades em meras proclamações formais. A passeata dos senhores conhece, no entanto, constantes sobressaltos provocados pela luta dos trabalhadores, dos trabalhadores da Opel, dos trabalhadores da função pública, especialmente visados porque ainda representam funções sociais do Estado, soberania e independência nacionais que o neoliberalismo quer aniquilar.

Conhecem os sobressaltos da luta dos trabalhadores da Autoeuropa, que ousaram lutar, ainda que em condições adversas, vencendo posições recuadas, que souberam dizer «não» ao perpetuar de sacrifícios impostos pela empresa.

Relativamente ao tal trabalho com direitos, dizia o PS no seu Programa Eleitoral, na sua «Floresta de Enganos», que o Estado de direito não pode ficar à porta das empresas. O que se salienta na política do actual Governo é a política da indiferença perante a caducidade das convenções colectivas de trabalho, caducidade que, aliás, apressa de acordo com as últimas alterações que introduziu.

Na função pública, ouvimos hoje durante o debate, é mesmo o próprio Governo quem não cumpre a lei sobre o direito à contratação colectiva e ouvimos como o Governo convive muito mal com o direito à greve.

Perceber-se-á então melhor por que é que o Governo mantém a inoperância da Inspecção-Geral de Trabalho, que se constata de norte a sul, provocando uma mole imensa e arrepiante de direitos por cumprir, para gáudio dos que afirmam que a cidadania termina à porta dos seus feudos.

O debate demonstrou que, apesar de todas as manipulações que se possam fazer dos números, o desemprego continuou a aumentar com o Governo do Partido Socialista.

O desemprego real, de 2005 para o primeiro trimestre de 2006, acrescendo aos desempregados os inactivos disponíveis e o subemprego visível, de acordo com dados do INE, fazem ascender o número de desempregados a 575 200, o que, em termos percentuais, é igual ao final de 2005.

Indesmentível é também o dado do INE segundo o qual, entre o quarto trimestre de 2005 e o primeiro trimestre de 2006, a população empregada diminuiu de 5 134 000 para 5 126 800.

O debate demonstrou que estamos na «maré-alta» das desigualdades sociais, da pobreza, ou, se quisermos, de uma forma mais eufemística, das exclusões sociais. Os dados do Eurostat colocam-nos na vanguarda, sem companhia, da pobreza, das privações materiais.

O aumento do desemprego de longa duração é disso prova evidente. Este desemprego, dados da União Europeia fornecidos por Portugal, totaliza já mais de 50% dos trabalhadores desempregados — 3,7% com mais de 12 meses; 1,9% com mais de 24 meses.

No seu Programa Eleitoral, o Partido Socialismo indicou entre as suas tarefas prioritárias a de debelar o desemprego juvenil. Pois bem, segundo os dados enviados por Portugal para a União Europeia, no final do ano de 2005, a taxa de desemprego dos jovens até aos 25 anos era já de 16,1%, mais do dobro da taxa média do desemprego, e no fim do primeiro trimestre de 2006 continua a representar mais do dobro da taxa média do desemprego.

Preocupante é que, num País onde tanto se fala de qualificação profissional, a taxa de desemprego de licenciados tenha aumentado, estando actualmente cerca de 42 300 licenciados sem emprego, ao mesmo tempo que o País e a economia nacional tanto deles carecem.

Mas o PS não esqueceu no seu Programa Eleitoral as mulheres e o desemprego. E aqui o «grilo do Pinóquio» continua a zumbir e ainda com mais força.

De facto, segundo os próprios dados enviados por Portugal para a União Europeia, nos finais do ano de 2005, era já de 8,6% a taxa de desemprego feminino, sendo certo que esta já atingiu os 9,1 %! Dos novos desempregados no último ano, 92,4% foram mulheres.

Mas o nosso país acompanha com grande indignidade, e há muito tempo, a vaga da precarização das relações laborais. Há trabalhadores que ao fim do dia ficam sem saber se terão trabalho no dia seguinte! A «praça da jorna» poderá hoje ter-se tornado asséptica, mas existe! Os contratos a prazo deixaram até de ter interesse para os exploradores de mão-de-obra barata. O trabalho temporário, resultante da constituição de empresas que fazem negócio com o corpo humano, instalou-se.

Já em 2005, a Eurofoundation, sedeada em Dublin, colocava o nosso país num desonroso segundo lugar entre a contratação temporária, já que 22,3% de mulheres e 19% de homens se encontravam nesta situação. E a mesma Eurofoundation revelava que, relativamente aos trabalhadores que empobrecem trabalhando — os working poor —, a média de Portugal era o dobro da verificada na União Europeia, ou seja, de 14% contra 7%!

A máxima precarização estão a conhecê-la os trabalhadores da função pública, como ficou provado neste debate. Política atrás de política, o País corre o risco de se esvair com os seus trabalhadores. O País não pode ceder a chantagens do tipo «ou isto, ou nada», porque isto que temos já é quase nada! Já o é mesmo na Europa, onde, acusando os pobres da sua pobreza, os trabalhadores do seu desemprego e os sindicatos do seu poder reivindicativo, o neoliberalismo destruiu o modelo social europeu.

Através da flexibilidade do trabalho, dos contratos precários, do aluguer e subaluguer de mão-de-obra, da redução dos custos do trabalho, da polivalência e de progressos técnicos, o capitalismo aumentou a produtividade, mas aumentou também o cortejo de desempregados, perante a s a incapacidade histórica de aumentar a produção. Assim, a chantagem cai pela base. Os dados provam que não é ou isto — salários baixos, desregulamentação dos horários, precarização — ou o desemprego. Nós contribuímos hoje com três iniciativas legislativas apresentadas na Mesa. Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, o que se apresenta aos trabalhadores não é, de facto, uma dicotomia.

É apenas uma opção: trabalho sem direitos e desemprego. E amanhã ainda mais precarização, mais desemprego, e assim sucessivamente, se possível, até ao esgotamento, pois a tanto obriga o capitalismo financeiro que quer rapidamente retorno de investimentos. Claro que à custa dos direitos dos trabalhadores, como se prova pelas declarações escandalosas do Presidente do Banco Central Europeu.

Mas se o que nos mostram é, de facto, o abismo, o País, os trabalhadores, os jovens, as mulheres, todos vilipendiados, saberão reunir-se em vontade colectiva que ponha cobro a esta política neoliberal que nos mantém em perpétuo atraso, que desperdiça as nossas potencialidades, que, provocando desemprego e precarização, despedaça as funções sociais do Estado.

O capitalismo sentou-se à mesa do Estado. Uma vez por outra larga umas «migalhas», para fazer jus à célebre «teoria quickly down», que o Banco Mundial, em melífluo tom, proclamou com uma adocicada fórmula: o crescimento é bom para os pobres! Seria, se o crescimento deles não se esgotasse em si mesmo e se não provocasse mais pobres.

O caminho é apenas um, o da luta que conduziu a grandes conquistas sociais que os trabalhadores portugueses não vão deixar destruir, porque não esquecem que Abril deixou uma memória: «Vive-se no País uma grande confiança».

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