Intervenção de

Quebra do poder de compra dos portugueses - Intervenção de Bernardino Soares na AR

interpelação n.º 14/X, sobre a quebra do poder de compra dos portugueses

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,

Este debate vai continuando neste ritmo de pedir meças: o PS, o Governo do PS, o CDS-PP e também o PSD pedem meças a quem fez pior no Governo, procurando cada um apontar diferenças entre a sua própria governação e a dos outros que os antecederam ou que lhes sucederam.

Disse agora o Deputado Pedro Mota Soares que, com este Governo, Portugal é o País da União Europeia com maior fosso entre os mais ricos e os mais pobres. É verdade! E, no tempo do governo da direita, Portugal era o País da União Europeia com maior fosso entre os mais ricos e os mais pobres.

Diz o CDS-PP que, com este Governo, aumentou o desemprego - aliás, para um nível não visto há mais de 20 anos. É verdade! Mas também é verdade que, no governo anterior, o desemprego aumentou a uma velocidade há muito também não vista.

Disse o Sr. Deputado José Junqueiro, há pouco, que o governo anterior ficou conhecido pela trapalhada dos exames. Bom, penso que não é preciso puxar muito pela memória para dizer que este Governo também já teve a sua trapalhada dos exames e que, portanto, nessa matéria, também pede meças ao governo anterior.

Diz o Governo PS e o Sr. Ministro que a direita desguarnece as funções sociais. Ora, quem, se não os dois governos dos últimos anos, diminuiu o peso das funções sociais no Orçamento do Estado? Foi o governo Durão Barroso e foi o actual Governo, no último Orçamento do Estado (que, aliás, está em vigor), que também diminuiu, pela terceira vez desde o 25 de Abril, o peso das funções sociais no Orçamento do Estado.

É uma espécie de «campeonato do piorio»: ver quem fez pior, dizendo que o outro é que é pior do que o próprio.

Queria colocar ao Sr. Ministro duas questões muito concretas: uma, sobre a quebra do poder de compra ou, dito à nossa maneira, sobre o aumento do custo de vida; a outra, sobre o aumento das taxas de juro. E ambas respeitam ao sistema bancário.

O aumento das taxas de juro é determinado pelo aumento da taxa de referência do Banco Central Europeu, o que hoje mesmo sucedeu mais uma vez. É certo que, em Portugal, e suponho que também noutros países, os bancos antecipam os aumentos, isto é, fazem a população pagar o aumento antes de ele acontecer, o que, de facto, é um escândalo.

O que quero perguntar ao Governo, agora que Portugal até vai assumir a Presidência do Conselho Europeu a partir de 1 de Julho, é se a Presidência portuguesa vai ou não colocar em cima da mesa a necessidade de revisão do estatuto do Banco Central Europeu, a necessidade de acabar com a impunidade do mesmo, a necessidade de incluir entre os objectivos deste Banco não só um combate sempre ardoroso à inflação, mesmo quando não se está a vislumbrar qualquer pressão inflacionista, mas também a obrigação de respeitar os objectivos de crescimento económico e de crescimento do emprego.

Essa é que seria uma das mais-valias que a Presidência portuguesa podia trazer-nos, porque teria significados concretos na nossa economia e efeitos concretos na vida de milhões de portugueses, cuja principal despesa, hoje, é o pagamento da prestação da casa ou de outras prestações de bens essenciais.

Quanto a isso, bem precisávamos de uma resposta do Governo.

A outra pergunta que quero colocar respeita ao futuro, tem a ver com a novamente germinante ideia de aplicar taxas nas operações de Multibanco.

Sabemos que o sistema Multibanco, em Portugal, é um exemplo de sucesso, até apontado por outros países da Europa, e que, ciclicamente, a banca vai lançando a ideia de que «isto tem custos» e de que é preciso aplicar taxas às operações Multibanco, as tais que permitiram retirar milhões de clientes dos balcões dos bancos e lhes permitiram despedir muitos milhares de trabalhadores que, antes, tinham ao seu serviço.

Pergunto, então, ao Governo se vai permitir que tal aconteça ou se, à semelhança do PCP, que já apresentou uma iniciativa legislativa nesta matéria, o Governo vai exigir que não aconteça.

É que sabemos que este sistema, tendo vantagens para os clientes, tem, sobretudo, vantagens para o sistema bancário, cujos lucros, em grande parte, já assentam nas comissões bancárias.

Pergunto, pois, se o Governo vai ceder aos interesses da banca e permitir que passem a ser taxadas as operações efectuadas por Multibanco, como, novamente, a banca está a pretender impor.

  • Assembleia da República
  • Intervenções