Intervenção de

Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Debate de interesse relevante, sobre as propostas de programas operacionais no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Ambiente,

 

V. Ex.ª conhece certamente um livro, de capa azul escura... Se não conhece, os Srs. Ministros Augusto Santos Silva ou Vieira da Silva serão capazes de o informar! Refiro-me ao livro que traduz o Plano de Desenvolvimento Rural (PDR) de 2000-2006.

Se o ler, o Sr. Ministro reconhecerá a perfeita identidade dos objectivos estratégicos deste PDR - da altura do Eng.º Guterres - com os do QREN, que hoje foram apresentados, designadamente: qualificação dos portugueses, crescimento sustentado, coesão social, qualificação do território e das cidades, eficiência da governação.

Se for editar o QREN, pelo menos mude a cor da capa do livro!

O III Quadro Comunitário de Apoio e o PDR tinham uma diferença importante e substancial relativamente ao QREN: quantificavam aqueles objectivos estratégicos.

Por exemplo, previa-se que, até 2006, fossem concluídos 111 000 estágios em cursos tecnológicos do ensino secundário e colocados 100 000 computadores nas escolas dos ensinos básico e secundário. E ainda: 5% da população activa como investigadores; resposta política activa a todos os desempregados; redução da taxa de pobreza em 30%; 90% de tratamento das águas residuais; redução a 80% da carga poluente em meio hídrico; redução do índice de dispersão do PIB per capita em 10%.

É pena, pois, que o QREN não quantifique também os objectivos.

Sr. Ministro, por que é que falhou o III Quadro Comunitário de Apoio? Por que é que o PDR não se cumpriu neste e noutros objectivos? Por que é que não temos um País mais competitivo, mais coeso, com o território mais qualificado e com uma governação mais eficiente, Sr. Ministro?

Foi por falta de dinheiro? Não! Os senhores até devolveram dinheiro a Bruxelas: nos anos de 2000, 2001 e 2002 devolveram, pelo menos, 25 milhões de euros! E em 2003 vão mandar devolver 4 milhões de euros, não se sabendo ainda quanto vão devolver nestes últimos anos. Certamente não foi por falta de dinheiro que os senhores não cumpriram os objectivos.

Então, quais foram as razões, Sr. Ministro? Pacto de Estabilidade e Crescimento, gestão governamentalizada e centralizada estão na origem da devolução a Bruxelas de dinheiro por não utilização no nosso país, por não fixação em POT regionais, sub-regionais e sectoriais, com orientações que o Governo, seguramente, agrava.

Sr. Ministro, responda-me a uma questão: por que falhou o PDR, o III Quadro Comunitário de Apoio?

Duas últimas questões, Sr. Ministro.

V. Ex.ª sabe que, de acordo com a Constituição da República, o Estado tem como incumbência prioritária a redução das assimetrias regionais. Diga-me, Sr. Ministro, como é que com as orientações e prioridades deste QREN vai reduzir as assimetrias regionais?

Segunda questão, Sr. Ministro: como vão ser distribuídas as verbas dos planos operacionais temáticos pelo território? Dos planos operacionais temáticos, quanto vai calhar a cada CCDR? Faço-lhe esta pergunta porque há, pelo menos, uma que sabe: a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte sabe que lhe vão ser atribuídos 8 milhões de euros: 2,7 milhões de euros do plano operacional regional e 5,3 milhões de euros dos planos operacionais regionais.

Ou o Sr. Ministro hoje nos esclarece como é que as outras regiões podem conhecer as verbas que lhes cabem dos planos operacionais temáticos ou, então, temos de concluir que o Presidente Carlos Lage está a mentir quando diz que a região norte vai ter 8 milhões de euros de apoio no QREN.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O debate permitiu confirmar, pelas respostas ou ausência delas, que é uma invenção propagandística do Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte a «chuva» de 1000 milhões de euros sobre a região Norte e permitiu, ainda, confirmar as críticas fundamentais que o Grupo Parlamentar do PCP vem fazendo ao QREN.

São cinco as confirmações.

Primeira: o Governo geriu toda a preparação, elaboração e entrega do QREN aos órgãos da União Europeia, conforme estritos interesses eleitoralistas e subordinação da sua aplicação às imposições do Pacto de Estabilidade.

Segunda: o Governo assumiu uma posição perfeitamente autista e autocrática em todo este processo.
Contrariamente ao que ele próprio fixou na Resolução do Conselho de Ministro n.º 25/2006, de 16 de Março, marginalizou e marginaliza a Assembleia da República, o Conselho Económico e Social e o poder local, entre outras entidades.

Terceira: o Governo apesar de todas as lições e ilações que deveria tirar dos anteriores três quadros comunitários de apoio, avança com o projecto mais centralizado e centralista, o mais governamentalizado, de quantos quadros de fundos estruturais estiveram até hoje em vigor.

Quarta: o Governo refere a coesão social como uma das prioridades estratégicas do QREN.
Depois afirma que «o novo paradigma competitivo para a economia portuguesa», a consolidar com o QREN, «comporta riscos de aprofundamento dos fenómenos da pobreza e exclusão social». Isto é, para o Governo PS, as gritantes desigualdades sociais do País, as maiores da União Europeia, as desigualdades de rendimento e de riqueza, não são um problema de coesão social. Não estás só Manuel Pinho! Os baixos salários, o modelo dos baixos salários e obscenos lucros dos grupos económicos e financeiros nada têm que ver com a «descoesão» social em Portugal e com a pobreza. Não foi um improviso nem uma fífia daquelas que são habituais ao Sr. Ministro da Economia, é uma questão estrutural deste Governo a política e ao modelo de baixos salários!
Donde a resposta do QREN: as ambulâncias sociais para os pobres e excluídos, os planos para a inclusão, as abordagens da família do microcrédito - está na moda! -, mesmo em matéria de transferências sociais, porque - atenção! -, para o QREN, o problema não é de mais e maiores transferências sociais mas apenas de maior eficiência, não vá algum pobre «entalar-se» com o abono de família ou a pensão social!
E não se trata apenas da questão do nível salarial, mas de todos os rendimentos primários, por exemplo, dos rendimentos das pequenas empresas. O QREN fala do privilégio ao apoio às PME, que constituirão o alvo prioritário dos sistemas de incentivos. Diga-nos Sr. Ministro, qual o valor global do QREN a alocar para esse objectivo?

Quinta confirmação: o Governo, com relutância, lá aborda a questão das assimetrias regionais.
Depois da ausência total deste problema no projecto de resolução do Conselho de Ministros, passamos à vontade de as corrigir para agora nos ficarmos na quarta prioridade estratégica, «Qualificação do Território e das Cidades», pela enigmática fórmula de que aquela prioridade tem «presente a redução das assimetrias regionais de desenvolvimento». Não é um objectivo, não é uma prioridade, é uma presença!

Mas o Governo não tem dúvidas do significado de erigir a competitividade na bússola do QREN e o mercado no instrumento fundamental de regulação dos investimentos. Portanto, o melhor mesmo é anular a existência de desigualdades regionais, ou fazer de conta que as não vê.

A sua ocultação segue um método simples: segmenta-se o conceito global de assimetrias de desenvolvimento em assimetrias de competitividade territorial - desempenho económico-social - e assimetrias de coesão, entendidas como maior ou menor dotação de equipamentos e infra-estruturas, de preferência medidas per capita. Depois, diz-se que as primeiras tiveram um reforço significativo e as segundas uma redução generalizada, após o que se escreve esta síntese brilhante: «As políticas públicas de desenvolvimento concretizadas em Portugal nas últimas décadas, com o apoio estrutural da União Europeia, asseguraram que o País se tornasse, de forma generalizada, mais coeso, com um interior menos estigmatizado». A seguir colocam este entre parêntesis notável: «mesmo que sem alteração das dinâmicas de despovoamento ». Para quê corrigir o que não existe?

No mesmo sentido vão as teses do fim da tradicional dicotomia Litoral/Interior  e da renovação da política regional, que advogando a superação das restrições decorrentes de uma concepção baseada na referência regional e a assumpção da crescente complexidade das dinâmicas territoriais, acabam por se traduzir numa coisa muito simples: para desenvolver o Interior e corrigir as assimetrias regionais, o QREN concentra os seus investimentos, como I, o II, e III Quadro Comunitário de Apoio, no Litoral! Não lia nada assim desde as linhas de Estratégia de Desenvolvimento Regional do Prof. Valente de Oliveira, no início dos anos 80. Aliás, teses e políticas já em curso, com os encerramentos de serviços públicos, com ou sem PRACE, com a política de apoio a grandes investimentos privados pelo Ministério «do Interior».

Conclusão: a não arrepiar caminho, no fim do QREN, vamos ter um País mais desigual, com mais desigualdades sociais, com mais assimetrias regionais, menos desenvolvido e menos capaz de enfrentar os desafios do futuro.

 

 

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