Intervenção de

Quadro de Referência Estratégico Nacional - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

A preparação do futuro Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)

 

 

 

 

Sr. Presidente,

O Sr. Ministro do Ambiente e o Governo conhecem a importância dos fundos do QREN no investimento público a fazer durante os próximos sete anos e, portanto, na concretização dos próximos sete Orçamentos do Estado.

O Sr. Ministro certamente também conhece o papel constitucionalmente atribuído à Assembleia da República, de forma explícita ou implícita, no que diz respeito à aprovação dos grandes planos de desenvolvimento económico e social e à aprovação do Orçamento do Estado para cada ano.

O Sr. Ministro tem igualmente conhecimento da resolução do Conselho de Ministros, de 10 de Março, a qual continha um cronograma em que se referia que a Assembleia da República era envolvida na preparação do QREN, entre Fevereiro e Junho.

Conhece o Sr. Ministro o que nos disse em sede da Comissão de Economia, em 7 de Março, sobre a vinda a esta Assembleia, em Junho, para consulta e não apenas para informação.

Como considera, então, Sr. Ministro, o facto de a reunião do Conselho de Ministros ter aprovado uma deliberação sobre as orientações financeiras sem que esta Assembleia tenha tido qualquer conhecimento das mesmas, a não ser através da comunicação social? Até mesmo o texto integral da resolução ainda hoje não é do nosso conhecimento!!...

Vou colocar-lhe uma questão concreta, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) disse a Deputados do PS, em Junho passado, que o Norte iria receber 8,7 milhões de euros, isto é, 40 % do novo Quadro Comunitário de Apoio. Agora, o Sr. Ministro vem informar-nos que o Norte vai receber cerca de 2,4 milhões de euros. Como é que o Sr. Ministro vai restabelecer a diferença entre aquelas duas verbas? Ou será que há alguma regionalização dos programas temáticos que desconheçamos e não esteja publicitada?

Finalmente, uma outra questão: o Sr. Ministro conhece as enormíssimas assimetrias regionais presentes em algumas regiões-plano e, concretamente, nalgumas NUT, como a do Norte. Gostaria de saber de que instrumentos dispõe o QREN para dar resposta a essas assimetrias, para que não se repita o que aconteceu na vigência dos anteriores três QCA, em que se verificou o agravamento de todas as assimetrias nessas NUT.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Sr. Ministro do Ambiente não quis perceber a primeira questão que lhe coloquei nem respondeu às demais.

Não desconhece o Governo o estabelecido na Constituição da República sobre o papel desta Assembleia na aprovação das leis das grandes opções dos planos nacionais e dos orçamentos do Estado.

Que outro significado tem assim, senão o da completa subalternização, do completo desrespeito pela Assembleia da República, a deliberação do Conselho de Ministros de 31 de Agosto, fixando, à margem de qualquer participação - ou, pelo menos, informação - da Assembleia da República, o quase completo quadro financeiro dos programas operacionais, temáticos e regionais, para o período de 2007-2013?!

Contradição absolutamente inaceitável!!

A Assembleia da República, a quem tantas vezes é proposta a apreciação e aprovação, durante o debate do Orçamento do Estado, da obra de umas centenas de euros de uma qualquer comissão «fabriqueira» ou de uma bancada de um «futebol clube lá vai um», sabe pela comunicação social como vão ser distribuídos pelos sectores e regiões os milhares de milhões de euros de fundos comunitários a aplicar durante os próximos sete anos! Distribuição de fundos essa que condicionará e determinará de forma quase absoluta o grosso do investimento público durante esses anos, inclusive a distribuição das verbas do PIDDAC dos próximos sete Orçamentos do Estado.

Pode dizer-se que o Governo não cumpre sequer o que estabeleceu na resolução do Conselho de Ministros de 10 de Março, onde pode ler-se no n.º 15: «O Governo mantém a Assembleia da República informada durante o processo de elaboração e aprovação do QREN». Ou, ainda menos, o estabelecido no cronograma de elaboração e negociação do QREN, onde se fala em «envolvimento da Assembleia da República» - e envolvimento não é informação! - entre Fevereiro e Junho de 2006.

Veio o Sr. Ministro do Ambiente, a 7 de Março, à Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, por proposta da Assembleia, dar uma primeira informação sobre as orientações do Governo para a elaboração do QREN, sem conseguir então justificar por que razão no projecto da resolução do Conselho de Ministros se encontrava prevista não só a «informação» à Assembleia da República mas também a recolha da «sua orientação durante o processo de elaboração e aprovação do QREN e programas operacionais». Só que na resolução do Conselho de Ministros restou apenas a «informação» e nem essa é dada a esta Assembleia!

O argumento do Sr. Ministro da falta de legitimidade do Governo (então expresso) para impor tal à Assembleia da República é manifestamente pífio!

Agora, nem sequer a devida e prévia informação à Assembleia da República foi concretizada - não cumprindo, aliás, a promessa então feita pelo Sr. Ministro de que a Assembleia da República seria consultada em Junho ou Julho. «Consultada», Sr. Ministro!!

Mas não foi apenas a Assembleia da República que foi marginalizada do processo: também a generalidade dos parceiros económicos e sociais (contrariamente ao que aqui afirmou o Sr. Ministro), dos quais gostaria de destacar os municípios, foi e continua a ser esquecida, sem qualquer participação efectiva nas principais etapas de elaboração do QREN.

Mais grave, embora coerente com o profundo autismo do Governo (para agora não dizer outras coisas), é o «esquecimento» do CES, Conselho Económico e Social. Não desconhece também o Governo o estabelecido no artigo 92.º da CRP, que refere que o CES «participa na elaboração das propostas das grandes opções e dos planos de desenvolvimento económico e social (...)».

Foi o CES, Sr. Ministro, ouvido formalmente em Junho de 2006? Participou o CES na elaboração das«orientações financeiras» do QREN, agora aprovadas pelo Conselho de Ministros? Isto é que é uma estranha concepção do «aprofundamento da democracia participativa» prevista na Constituição da República, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados!

Mas não só em matéria de participação da Assembleia da República no desenhar do QREN o Governo nada aprendeu com os anteriores três Quadros Comunitários de Apoio. E bem podia fazer essa reflexão face aos resultados da aplicação de quase 50 000 milhões de euros, conduzidos e aplicados por sucessivos governos do PS e do PSD no quadro do aprofundamento da política de direita face ao presente estado da Nação, um dos países da União Europeia onde são mais graves as assimetrias regionais e as desigualdades sociais e onde continua um significativo conjunto de défices estruturais.

O Governo nem sequer tem em conta os estudos e as avaliações que sobre os anteriores QCA foram sendo produzidos, alguns por incumbência do próprio Governo.

Será que a deliberação sobre as orientações financeiras do QREN, que o Governo agora aprovou, teve em conta, por exemplo, a recomendação prevista no estudo «Competitividade Territorial e Coesão Económica e Social», onde se escrevia: «Uma oportunidade para produzir verdadeiras estratégias regionais de referência suficientemente diversificadas, isto é, que se aproximem dos problemas actuais e futuros de cada região e aprofundem as dinâmicas de especialização económica enquanto alavancas de ganhos sustentados de produtividade, colocando a utilização dos fundos estruturais em Portugal na sua verdadeira lógica transversal de política regional estrutural, superando, desse modo, uma excessiva tendência para modelos de programação de base vertical e sectorial»?

Manifestamente que não. A não ser que se compartilhe do estranho subtítulo do comunicado da deliberação do Conselho de Ministros: «Reforçar as verbas destinadas aos Programas Operacionais Regionais do Continente». Isto quando todos esses programas viram reduzidas, face ao anterior Quadro Comunitário de Apoio (QCA), as respectivas dotações, por subtracção de qualquer verba do Fundo Social Europeu!

O Programa Operacional da Região Norte tinha, no III QCA, 2645 milhões de euros e tem agora 2424 milhões de euros. O mesmo plano, mas relativo à região centro, tinha 1740 milhões de euros e tem agora1522 milhões de euros, e assim sucessivamente. Isto é, reduzem-se as verbas para os Programas Operacionais Regionais, mas afirma-se que aumentam!

Contrariamente ao que toda a experiência dos anteriores Quadros Comunitários de Apoio mostrava ser necessário para uma boa aplicação dos fundos, ao arrepio da necessidade de reforçar a coordenação das políticas de desenvolvimento sectorial através de uma melhor articulação e integração dos sectores e do território no seio dos programas operacionais regionais, e ao invés de reforçar o papel das entidades locais e regionais, o Governo PS caminha em sentido contrário. Confirmando as orientações da Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2006, de 10 de Março, assistimos à centralização e governamentalização a todo o pano dos fundos comunitários para os próximos sete anos!

Naturalmente, este reforço do peso dos programas verticais na alocação das disponibilidades financeiras - orientados e geridos pelos órgãos da administração central, ao contrário dos programas regionalizados, geridos numa óptica integrada e descentralizada - vai agudizar o fenómeno, bem evidente em anteriores QCA, de uma distribuição de fundos ainda mais desequilibrada e injusta no interior das regiões-plano NUT II. Distribuição que tem partido de uma homogeneidade regional inexistente e que, na ausência de outras medidas (por exemplo, o estabelecimento de plafonds ou «bolos» sub-regionais), determinou e vai determinar discriminações e prejuízos inaceitáveis para as regiões mais carenciadas do interior, como Trásos- Montes e Alto Douro, Minho, Beira Interior ou Alentejo Interior.

Por outro lado, não se sabe ainda (nem o Governo, para já, o esclarece) como é que as diversas orientações do QREN, quer as contidas na resolução do Conselho de Ministros, quer as agora estabelecidas na Deliberação do mesmo órgão, se articulam, se integram e se compatibilizam com as Grandes Opções do Plano aprovadas por esta Assembleia da República e os diversos planos que o Governo tem vindo a produzir, entre os quais o PNPOT (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território) e a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Aguardemos!

É uma evidência que o magnum objectivo do QREN, o «aumento, de forma sustentada, da competitividade da economia portuguesa», declarado aqui há meses pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, conjugado com a interpretação que tal conceito tem nas políticas económicas de direita do Governo PS, com a aplicação dos critérios de concentração, selectividade e sustentabilidade financeira na selecção de programas, projectos e acções, com o eufeudamento do QREN à Estratégia «dita» de Lisboa, de privatizações e liberalizações de empresas e mercados públicos e de sectores estratégicos, e com a anunciada absorção de parte substancial dos fundos nos projectos megalómanos da Ota e do TGV, só pode anunciar a continuidade da apropriação de significativo volume de fundos pelos mesmos de sempre, pelo grande capital nacional e estrangeiro, e a continuação do acentuar dos desequilíbrios territoriais de desenvolvimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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