Provedor da crian?a<br />

Senhor Presidente,Senhores Deputados:O Projecto de Lei n? 553/VII - Cria??o do Provedor da Crian?a -, apresentado pelo Partido Socialista e que hoje est? em debate, retoma, parcialmente, o conte?do do anterior Projecto de Lei n? 325/VI, apresentado tamb?m pelo PS na anterior Legislatura e que n?o chegou a ser objecto de aprecia??o. ? fundamental, na nossa opini?o, enunciar nesta discuss?o duas quest?es - uma de natureza substantiva e outra de natureza legislativa.Relativamente ? primeira, pensamos ser hoje consensual, porque a vida o tem demonstrado, que os avan?os t?cnicos e cient?ficos e mesmo o crescimento econ?mico n?o garantem, per si, o bem estar generalizado.E quantas vezes avan?os e desenvolvimento econ?mico contribu?ram para agravar as desigualdades, para a perda de regalias hist?ricas, para a marginaliza??o e consequente exclus?o dos mais fr?geis, e, entre eles, est?o sempre as crian?as.Hoje, afirmam-no conven??es, recomenda??es e tratados que a maioria dos pobres s?o crian?as e que a maioria das crian?as s?o pobres. Num trabalho divulgado em Novembro de 1997, resultado de um pedido feito pela Assembleia da Rep?blica ao Centro de Estudos Judici?rios, relativo ?s crian?as portuguesas v?timas de maus tratos nos anos 90, salienta-se que na ?rea da sa?de h? grupos de popula??o infantil "que escapam totalmente a qualquer tipo de vigil?ncia m?dica" e que na ?rea da educa??o "a baixa frequ?ncia da educa??o pr?-escolar constitui um factor de risco - o risco do insucesso escolar, mas tamb?m os riscos que decorrem de crian?as entregues a si pr?prias ou a pessoas pouco qualificadas". E acrescenta ainda que "se o insucesso escolar constitui um risco consider?vel relativamente ao futuro profissional, a situa??o de abandono escolar representa um risco ainda mais acentuado (...)" e conclui que "estamos perante uma ilegalidade consentida que as autoridades competentes n?o t?m sabido ou conseguido eliminar".Quanto ? seguran?a, as estat?sticas pecam por defeito e, no entanto, s?o assustadoras. Afirma-se que em 1995, 636 crian?as foram v?timas de crimes (julgados em tribunal). (...) "crimes ?tnicos" (25%do total), "crimes contra a integridade f?sica" (25%) e "crimes sexuais" (24%). No mesmo ano, 33 crian?as foram v?timas de homic?dio.Apesar de provis?rias, s?o enunciadas algumas reflex?es finais que justificam a refer?ncia. Os estudos realizados permitem concluir que as crian?as v?timas de maus tratos s?o oriundas de fam?lias socialmente maltratadas, onde a pobreza e a exclus?o social dominam, onde a degrada??o habitacional e convivial determinam o quotidiano.Senhor Presidente,Senhores Deputados:Passaria agora ? segunda quest?o, a de natureza legislativa. A Cimeira Mundial da ONU sobre a crian?a, que decorreu em Nova York em 1990, aprovou, com a presen?a de muitas dezenas de chefes de Estado, um Plano de Ac??o para ser aplicado durante a d?cada de 90.E se as conven??es e tratados nacionais e internacionais refor?am e legitimam o trabalho de base na sua condi??o de documentos ratificados pelos governos, a verdade ? que o impacto destas decis?es, concretamente, sobre a popula??o infantil, quer no que se refere ? assist?ncia, quer no que se refere ? protec??o ? escasso e muitas vezes inexistente.E ? assim, porque todas estas boas-vontades discursivas, todos estes reconhecimentos de culpa consideram frequentemente a crian?a como um ser isolado e n?o como elemento de uma estrutura de rela??es, quer intra, quer extra familiar e tamb?m porque a mera ratifica??o dos documentos n?o garante a sua ulterior aplica??o.N?o h? d?vidas quanto ? quantidade de produ??o de literatura nesta ?rea, no entanto, n?o h? d?vidas tamb?m que a situa??o das crian?as tem vindo a piorar, quer nacional, quer internacionalmente.E seria suficiente haver vontade pol?tica e algum esfor?o financeiro para responder ?s necessidades b?sicas da popula??o infantil. Segundo uma estimativa da UNICEF, 25 milh?es de d?lares seriam suficientes para resolver todos os problemas de nutri??o, assist?ncia m?dica e educa??o prim?ria, de todas as crian?as do mundo.Portugal foi dos primeiros pa?ses a aderir ? Conven??o dos Direitos das Crian?as; ratificado o texto, vigora na ordem jur?dica interna desde 21 de Outubro de 1990.No ?mbito das fun??es deste Governo, t?m sido muitas e diversas as comiss?es, os grupos de trabalho, as estruturas governamentais e para-governamentais criadas com o objectivo de diagnosticar, observar, estudar, investigar, avaliar, mas tem faltado sistematicamente o "golpe de asa" para operacionalizar, formular e executar pol?ticas conducentes ? resolu??o dos problemas inventariados.S?o tamb?m muitos e diversos os programas que, de forma avulsa, e vivendo, quase exclusivamente, dos apoios comunit?rios t?m surgido no ?mbito de diferentes minist?rios, criados por despachos conjuntos e/ou isolados, dos quais pouco ou nada se sabe, n?o se articulam e acabam por falhar em efic?cia.S?o estas as ila??es poss?veis se lermos atentamente o II Relat?rio de 1998 sobre a aplica??o da Conven??o dos Direitos das Crian?as, da responsabilidade da Comiss?o Nacional dos Direitos da Crian?a.No entanto, ? de salientar a aprecia??o positiva que ? feita, quer no primeiro, quer no segundo relat?rio ao servi?o especial para atendimento e tratamento das queixas das crian?as, criado em 1992 pelo Provedor de Justi?a: Afirma o relator, logo no in?cio, que "o Provedor de Justi?a, a quem qualquer cidad?o pode recorrer em caso de viola??o dos direitos reconhecidos pela Conven??o, tem dedicado um cuidado not?vel ?s quest?es relacionadas com a situa??o das crian?as".E mais ? frente acrescenta que "segundo os dados fornecidos pela Provedoria, cuja contribui??o para o presente relat?rio se deve assinalar, as crian?as telefonam essencialmente no tempo da escola (...) ou quando est?o sozinhas em casa. Em m?dia, 4 em cada 5 casos apresentados tiveram solu??o satisfat?ria. Apenas 2% dos pedidos de ajuda e aconselhamento, (...) deram lugar a abertura de processo que transitou (...) para os servi?os competentes da Provedoria de Justi?a."Perante este quadro, a quest?o que ora se coloca ? da pertin?ncia de um projecto de lei que cria mais um provedor, numa ?rea espec?fica - a da crian?a, ou da necessidade do refor?o das compet?ncias e independ?ncia do Provedor de Justi?a.Em sede de revis?o constitucional, o PCP apresentou um conjunto de propostas de altera??o ao artigo 23?, que n?o mereceram aprova??o, e que tinham como objectivo, exactamente, n?o s? ampliar as compet?ncias do Provedor de Justi?a, mas tamb?m refor?ar a sua independ?ncia e alargar a temporaliza??o do seu mandato.A iniciativa legislativa do PS parece vir agora a reconhecer, de forma enviesada, a import?ncia do refor?o das compet?ncias do Provedor de Justi?a.S? que o faz, assumindo uma opini?o bem diversa, para n?o dizer contr?ria, daquelas que o PS tem sustentado nesta mat?ria.Aquando da revis?o constitucional, em 1989, o Deputado Aberto Martins considerava que j? tinha sido sugerido "... ao n?vel do debate p?blico em Portugal, n?o s? a cria??o de um provedor ecol?gico, como o provedor das crian?as, o provedor das mulheres, o provedor militar, ..." e que "... neste quadro, a prolifera??o desta figura do Estado seria, (...) uma desvaloriza??o do actual Provedor de Justi?a".Em 1992, quando da discuss?o do projecto de lei do PEV sobre a cria??o do promotor ecol?gico, o ent?o Deputado Jos? S?crates afirmava - "a posi??o do PS ? conhecida: somos contra a pulveriza??o das figuras de promotor ou de Provedor de Justi?a. Isso conduziria ? desvaloriza??o do cargo de Provedor de Justi?a com todos os inconvenientes conhecidos".Senhor Presidente,Senhores Deputados:Na nossa opini?o, h? que considerar as implica??es que podem advir da cria??o de um provedor, na ?rea espec?fica da crian?a relativamente ?s fun??es e compet?ncias da figura constitucional do Provedor de Justi?a, at? porque, algumas disposi??es da iniciativa legislativa em causa s?o semelhantes ?s do Estatuto do Provedor de Justi?a.H? que considerar ainda que o DL n? 98/98, de 18 de Abril, criou a Comiss?o Nacional das Crian?as e Jovens em Risco, com atribui??es de planifica??o da ac??o do Estado e de coordena??o, acompanhamento e avalia??o da ac??o dos organismos p?blicos e da comunidade na protec??o de crian?as e jovens em risco, e que a esta Comiss?o, preside uma individualidade a nomear por despacho conjunto dos Minist?rios da Justi?a e do Trabalho e da Solidariedade, e dela faz parte, tamb?m, o Provedor de Justi?a.De acordo com os objectivos desta Comiss?o e atendendo ? mat?ria do projecto de lei do PS, poderia o Provedor da Crian?a, se criado, passar a dirigir recomenda??es ao pr?prio Provedor de Justi?a.Senhor Presidente,Senhores Deputados:Por tudo isto, na nossa opini?o, urge passar da cria??o ? ac??o.Urge, melhorar e refor?ar as compet?ncias do Provedor de Justi?a, garantindo um eficaz exerc?cio das suas fun??es, e que, naturalmente, se reflectir? no ?mbito da protec??o da crian?a.Urge agir perante a realidade porque j? ? tarde.Disse.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República