Intervenção de

Protecção dos direitos de autor dos jornalistas<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Quando se fala de Jornalismo e de Comunicação Social, há ideias, conceitos e princípios tão consensuais que nada nem ninguém assume voz dissonante quando se trata da sua defesa.Liberdade de expressão, liberdade de imprensa, rigor, isenção, independência, credibilidade.Defesa dos direitos e deveres dos profissionais da Comunicação Social. Valores fundadores da Democracia que queremos e que, quando se trata de os discutir, sempre há quem esteja pronto a defender - firme e rapidamente.Menos frequente, diz-nos a experiência, é a rapidez com que por vezes se passa das palavras aos actos, das intenções à sua aplicação, do discurso consensual, à prática coerente - mas tantas vezes conflitual, perante os interesses em presença.A matéria que esta Assembleia aqui hoje discute é disso exemplo flagrante. Na anterior legislatura, a Assembleia da República aprovou aquela que viria a ser a Lei 1/99, definindo o Estatuto do Jornalista. E proclamando o princípio fundamental do direito do Jornalista à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis.Estabelecida dessa forma, em princípio, a protecção dos direitos de autor dos jornalistas, remetia-se para aprovação posterior a definição legal dessa mesma protecção. Estipulando um prazo de 120 dias, no decorrer dos quais o Governo estava obrigado a apresentar uma Proposta de Lei sobre esta matéria.Hoje, a 3 de Outubro de 2001, surge finalmente a oportunidade de apreciar este nosso Projecto de Lei - que vem honrar o compromisso por nós assumido em Programa Eleitoral para as Eleições Legislativas de 1999.E existem motivos para compreender e saudar a atitude do PS, em promover para hoje o agendamento potestativo desta discussão:- É que, se a apreciação deste nosso Projecto de Lei, e daquele que entretanto o PS veio a apresentar, se realizasse, por exemplo, na próxima semana, teriam passado mil dias sobre a publicação da Lei 1/99, a tal que estabelece um prazo de 120 dias para esta regulamentação.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Em cada um dos quase mil dias que passaram até agora, o nosso País assistiu, muitas vezes sem o saber, ao atropelo dos direitos morais e materiais dos jornalistas portugueses.Perante um panorama da Comunicação Social de profundas alterações qualitativas, perante uma constante evolução tecnológica neste sector, perante a convergência dos meios utilizados para uma nova dimensão multimedia, em rede, em tempo real, o mercado responde com novas (e poderosas) dinâmicas de concentração da propriedade dos media.Grupos económicos, verdadeiros impérios comunicacionais, com uma posição dominante no mercado, ditam a sua lei e assumem candidamente a sua filosofia: as empresas servem para dar lucro, o seu negócio é a informação.Além de não podermos aceitar a estrita lógica do jornalismo como negócio lucrativo, temos que observar as condições em que esse lucro é alcançado - e em prejuízo de quem.Mais: temos que reflectir - e agir - relativamente aos verdadeiros atropelos cometidos neste País aos interesses dos jornalistas, a coberto de uma pretensa lógica empresarial, que mais não é que uma prática arrogante e impunemente lesiva dos direitos de quem produz a informação a que os Portugueses têm acesso - e por ela é responsabilizado.Vivemos num País em que a precariedade e o desemprego são uma dramática realidade. O que muitos portugueses desconhecem, no entanto, é que a comunicação social não é excepção a este fenómeno.Na verdade, o que a experiência nos demonstra é a subordinação de jornalistas, em situação de desemprego ou em busca de uma oportunidade de emprego, à vontade unilateral e todo-poderosa de empresários que recorrem à chantagem da escassez de lugares na profissão para obter a cedência, o abandono, a renúncia de direitos.O que a experiência nos demonstra são as cláusulas contratuais tantas vezes impostas aos jornalistas, considerando tranquilamente como inexistente qualquer direito, moral ou patrimonial, que seja reconhecido sobre a autoria do trabalho jornalístico prestado.Quando se recorre a tais expedientes, é natural que se tornem altamente rentáveis e atractivos os projectos empresariais de informação multimedia. Basta pagar uma vez pelo trabalho de um jornalista, garantida que está a possibilidade - e a impunidade - de multiplicar as receitas, em vendas e publicidade, geradas pela sua publicação, ou mesmo pela sua venda a terceiros.Perante uma situação deste tipo, era só o que faltava que o Estado não assumisse as suas responsabilidades! E no entanto, o alerta tem de ser dado: o Projecto de Lei apresentado pelo PS abre a porta à efectiva possibilidade dessa desresponsabilização.Do nosso ponto de vista, é indispensável a regulação pelo Estado de relações contratuais em que a chantagem é contexto recorrente e a igualdade entre jornalistas e seus patrões é quase uma lenda.É essencial a consciência de que é uma mistificação o tal encontro de vontades ao qual supostamente conduz a liberdade contratual.É irresponsável remeter para sede negocial, entre profissionais e empresas, a resolução de um problema tão grave e tão complexo como é esta total e constante negação do Direito de Autor.É inútil legislar sobre esta matéria, reconhecendo e afirmando os direitos morais e patrimoniais dos jornalistas sobre o seu trabalho, se depois não definirmos um enquadramento sancionatório que não permita a impunidade das empresas que os não respeitem.Não se trata apenas de defender a retribuição adicional, que mais não é que inteiramente justa, sobre o trabalho jornalístico cedido ou reutilizado.Trata-se, sim, de reconhecer que os deveres éticos, deontológicos e jurídicos de um jornalista não terminam na entrega de um trabalho ou na sua publicação original, mas que se prolongam e ampliam na medida exacta das reutilizações que possam ser feitas.E não garantir as condições de concretização deste princípio é, pura e simplesmente, contribuir para o seu desvirtuamento, e para o desvirtuamento da relação entre liberdade e responsabilidade, cuja importância no jornalismo é óbvia o quanto baste.Por isso, Senhor Presidente, Senhores Deputados, o Partido Comunista Português apresenta este Projecto de Lei, o primeiro apresentado sobre esta matéria.Fazemo-lo numa iniciativa cujo pioneirismo político obviamente reivindicamos. Baseamo-nos em larga medida nas propostas do Sindicato dos Jornalistas, apresentadas publicamente a 3 de Maio de 2000, na mensagem que dirigiu a todos os Deputados à Assembleia da República, a propósito da passagem do Dia da Liberdade de Imprensa.Propostas que tiveram acolhimento no PCP, pelo evidente mérito de que se revestiram, assim como pela nossa concepção da liberdade de imprensa enquanto valor estruturante do regime democrático. Também assim se vê o respeito de muitos pela liberdade de imprensa, quando nem sequer reconhecem os direitos morais e materiais dos jornalistas.Manifestando total abertura para um debate que desejamos amplo, participado e construtivo, para o acolhimento de soluções que se evidenciem como mais adequadas para a tutela dos valores em causa, afirmamos o nosso convicto propósito de pôr termo à situação imoral que actualmente vigora.O que está em causa é a nossa obrigação (nossa, de todos nós) de reconhecer direitos que hoje não são respeitados. De repor justiça. Cumprir a Lei. E salvaguardar a liberdade.

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