Intervenção de

Proposta de Lei n.º 147/VII - Orçamento de Estado para 1998 - Intervenção de Octávio Teixeira

Senhor Presidente
Senhor Primeiro Ministro
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

O PCP adoptou neste debate a postura que lhe pareceu mais adequada à defesa do interesse nacional, tal qual se nos apresenta.

Como partido da oposição que somos, de facto e não apenas na aparência, adoptámos a postura crítica que as regras democráticas exigem.

Baseámos a nossa oposição na desmontagem do que se esconde por detrás das taxas e dos números: a realidade dos factos e da vida dos portugueses.

Quer o Governo o aceite reconhecer quer não, é uma verdade, senhor Primeiro Ministro, que o País continua a apresentar uma grande vulnerabilidade à evolução do enquadramento internacional. Aliás, é precisamente essa vulnerabilidade que está subjacente nas comparações que o senhor Primeiro Ministro fez entre a evolução da economia portuguesa nos períodos 93/95 e 96/97: a evolução do crescimento económico "dança", e cada vez mais, ao ritmo do que se passa lá fora.

É uma verdade que em Portugal as estruturas produtivas, a preparação dos recursos humanos, o padrão de especialização internacional, continuam a apresentar grandes fragilidades.

Tal como quando, por exemplo, foi debatido o Orçamento do Estado para 1990. Quando o crescimento económico era bem superior ao de agora. Quando o Partido Socialista denunciava, e bem, pela voz do então seu Secretário-Geral, Dr. Jorge Sampaio, estarmos perante um "modelo condenado, por se basear em métodos de exploração da força de trabalho, que não são compatíveis com a modernidade e o desenvolvimento. Um modelo que prossegue uma política de rendimentos e preços que agravará as desigualdades sociais, que é a sensata interpretação feita pelo senso comum da chamada e tão célebre fórmula tecnocrática: os salários nominais deverão crescer em consonância com os objectivos em matéria de taxa de inflação e de crescimento de emprego e da produtividade, com indispensável salvaguarda da competitividade externa".

É essa fórmula tecnocrática, que o senhor Primeiro Ministro recuperou há dois dias neste debate, que nós, PCP, continuamos a denunciar e a combater.

Hoje como ontem, porque a realidade básica e essencial é idêntica.

Ao contrário do PS que a denunciava enquanto oposição mas não a combate, antes a adopta, enquanto Governo!

Embora lhe possa custar que eu lhe recorde isto, a verdade, senhor Primeiro Ministro, é que, também com o seu Governo, e torno a citar o então Secretário-Geral do PS, "o crescimento da economia e do investimento, a redução do desemprego e a melhoria das contas públicas escondem múltiplos fenómenos negativos: o peso crescente do trabalho precário, uma evolução da estrutura produtiva que privilegia o aproveitamento das vantagens comparativas dos muito baixos salários, o aumento das desigualdades".

A verdade, senhor Primeiro Ministro, é que quando V. Exa. quis estigmatizar o PCP com a "parábola" do granizo, o que V. Exa. de facto pretendia fazer era a crítica e a condenação da nossa coerência perante realidades basicamente idênticas.

Para esconder a profunda incoerência do Partido Socialista.

Para escamotear a duplicidade de posições do PS.

Para tentar tapar com o manto diáfano da fantasia a incomodidade que sentem com a demasiado longa listagem de promessas eleitorais do PS e do Programa do Governo que nunca mais são honradas.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

O PCP já esclareceu publicamente as razões fundamentais por que votará contra este Orçamento do Estado.

Desde logo porque, como lhe chamou o senhor Ministro das Finanças, o Orçamento para 1998 é o "orçamento da transição para a moeda única". É uma razão política de fundo. Mais uma vez, em perfeita coerência com tudo o que a este respeito temos defendido. Em coerência com o facto de convictamente continuarmos a considerar que essa opção não defende o interesse nacional. Particularmente quando o Governo de Portugal for obrigado a apresentar défices orçamentais tendencialmente nulos, e quando o ciclo económico entrar na sua fase descendente.

Votaremos ainda contra o Orçamento para 1998, pela mesma razão que, noutro Orçamento, foi apresentada pelo presidente do GP do PS, o deputado António Guterres: "por aquela que é para nós a questão central de rejeição deste Orçamento: é que, num quadro favorável, são agravadas as injustiças e as desigualdades".

Porque é essa, indubitavelmente, uma característica central deste Orçamento.

Sobre o quadro favorável são os senhores Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças que o afirmam, e nem sequer recordo as palavras do agora Primeiro Ministro de que com a conjuntura externa favorável nem sequer era preciso Governo para atingir estes mesmos resultados.

Quanto ao agravamento das injustiças o PCP já as descreveu no debate, pelo que me resta sintetizá-las.

Por um lado, o agravamento da injustiça na distribuição do Rendimento Nacional. São as próprias previsões do Governo contidas no Relatório que o põem a nu. Na linha do agravamento que já se verificou em 1996 e em 1997.

Aliás, senhor Primeiro Ministro, não é verdade aquilo que alguém lhe segredou no primeiro dia deste debate. Não é verdade que a massa salarial tenha aumentado mais que a evolução da inflação acrescida dos ganhos de produtividade. As contas nacionais oficiais, do INE, comprovam-no. De tal modo assim é que, no ano de 1996, a massa salarial, incluindo as contribuições patronais para a segurança social, passou a registar um valor inferior ao do excedente bruto de exploração.

Coisa que os Governos do PSD não conseguiram fazer nos cinco anos anteriores...

Por outro lado, no plano da fiscalidade, também agora são actuais as palavras do deputado António Guterres: "torna-se particularmente escandaloso o caracter imoral, iníquo mesmo, do Orçamento".

O PCP "não aceita um IRS que faz cair quase todo o peso da fiscalidade directa sobre os rendimentos do trabalho". Noutras épocas também o PS, pela voz do deputado António Guterres, dizia o mesmo com estas exactas palavras. Mas agora, no Governo, não apenas o aceita como o impõe!

Não há neste Orçamento medidas visando reduzir, ainda que timidamente, esse pesado fardo sobre os rendimentos do trabalho.

E, sejamos claros, a moeda única não justifica tudo. Há aqui uma vontade política assumida pelo Governo. Agrava-se a injustiça, ao aumentar a despesa fiscal com benefícios a operações de natureza financeira e às actividades financeiras. Bem como ao baixar a taxa do IRC sem mexer no IRS. E ao adoptar a filosofia explicitada pelo Ministro das Finanças de que "a exemplo dos Orçamentos do Estado anteriores, os aumentos de receita derivados de acréscimos de eficiência sejam redistribuídos em despesa fiscal". Nunca por nunca ser para reduzir a carga fiscal do IRS, dos rendimentos do trabalho!

Tal como não existem medidas efectivas de combate ao escândalo que constitui o gigantesco nível de evasão fiscal, ou à chocante e insustentável dimensão da erosão da base tributável no sector bancário e financeiro.

São estas realidades essenciais que justificam, sem qualquer margem para reservas, a rejeição deste Orçamento pelo PCP, por um Partido para quem, de facto e não apenas no discurso, o principal são as pessoas, os seus níveis de rendimento e de bem estar, a justiça social.

É um facto que o Governo do PS tem um apoio minoritário nesta Câmara. E para garantir a viabilização do Orçamento sem sobressaltos, o Governo do entendeu negociar com outro Partido.

E escolheu bem, pesem embora os indisfarçáveis ciúmes patenteados pelo PP. Escolheu o PSD para seu parceiro neste Orçamento da "transição para a moeda única". Pois se é o PSD o pai das orientações económicas que, no dizer de Cavaco Silva, o actual Governo vem prosseguindo, é natural que o PSD igualmente se co-responsabilize com o Orçamento.

O senhor Primeiro Ministro entendeu, "face à disponibilidade manifestada pelo líder" do PSD, e "às preocupações por ele expressas", corresponder-lhe inteiramente, cedendo aqui, apresentando contrapropostas acolá.

E o acordo, ou compromisso, foi fechado. O bloco central reapareceu à luz do dia.

Foi aqui, com o discurso do senhor Primeiro-Ministro, que se formalizou este "ponto de encontro". A que, só por pudor, faltaram os abraços que selaram outro acordo recente, o da revisão constitucional.

Mas, senhor Primeiro Ministro, com o seu Governo apoiado pelo PS apenas ou por um novel bloco central, pode V. Exa. continuar a contar com a clara e firme oposição do PCP.

Não para o obrigar a executar a nossa política. Mas para o pressionar a que, pelo menos, cumpra as suas promessas eleitorais.

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