Projecto de Resolução

Projecto de Resolução nº 90/X - Reestruturação do Sector Energético Português

Constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para Apreciação dos Actos do Governo referentes à Reestruturação do Sector Energético Português e, nomeadamente, da sua intervenção nas alterações do capital social da GALP e da EDP

 

 

Para pesquizar a situação: clique aqui

I – Introdução

 

As notícias sobre a intervenção do Governo numa nova «reestruturação» do sector energético português e, nomeadamente, nas alterações dos titulares do capital social da GALP e da EDP, e ainda o apoio governamental à instalação, por capitais privados, de uma nova refinaria em Sines, causam as maiores preocupações, dúvidas e perplexidades.

Levada a cabo com o objectivo do aumento da concorrência e da eficiência energéticas, os factos que vão sendo tornados públicos evidenciam:

  • Sérias ameaças aos interesses nacionais, postos em causa num sector estratégico para o País , componente importante da independência nacional, com a possibilidade da sua propriedade, gestão estratégica e desenvolvimento ficarem inteiramente sujeitos, num futuro mais ou menos próximo, aos interesses do capital e grupos internacionais;
  • Uma inaceitável promiscuidade entre interesses públicos e interesses privados , com a decisão e participação de um significativo conjunto de quadros político-partidários, que vão circulando entre a assunção de lugares ministeriais e outros cargos da alta administração pública, onde tomam decisões e nomeiam responsáveis para o sector, e o exercício das mais altas responsabilidades nas empresas e estruturas do sector, eleitos pelos accionistas de referência e/ou nomeados pelo Governo;
  • Uma total falta de transparência dos processos , com jogadas de bastidores, fugas de informação e obscuras manobras, sucedendo-se ruidosos e mediáticos volte-faces, com a total perda de referência dos interesses públicos em jogo;
  • Evidentes atropelos à legalidade e legitimidade de um Estado de direito , à separação dos interesses públicos e privados, ultrapassando-se a autonomia de funcionamento das empresas e entregando-se missões de natureza pública a actores manifestamente ligados a interesses de capitais privados;
  • A inaceitável ausência de informação clara e suficiente à Assembleia da República , apesar de durante meses ela ter sido insistentemente prometida e solicitada, sendo o órgão de soberania sistematicamente colocado perante situações de factos consumados.

 

II – Antecedentes

A «reestruturação» do sector energético em curso foi precedida, nos últimos anos, por três outras «reestruturações», duas da responsabilidade de governos PSD (1989/90 com Mira Amaral e 2002/03 com Carlos Tavares, que foi chumbada pela União Europeia) e uma de um governo PS (1999/2000 com Pina Moura).

Essas «reestruturações», concretizadas segundo a receita neoliberal – privatização e liberalização – foram sempre anunciadas com promessas de preços mais baixos, melhores serviços e capitalismo popular. Os resultados estão à vista: tarifas mais caras, das mais caras da União Europeia, serviços cada vez mais longe dos interesses das populações, cada vez «menos» capitalismo popular, com a crescente concentração e centralização do capital accionista das empresas do sector e, fundamentalmente, do seu domínio estratégico pelos grandes grupos económicos privados.

Sem, aqui e agora, se referirem todas as consequências dessas reestruturações, vale a pena anotar algumas questões e factos, até para que pudessem ser tidos em conta na que agora o Governo pretende fazer, nomeadamente:

  • O custo para o erário público destas sucessivas reestruturações , em consultorias externas (só a assessoria da Goldman Sachs – de que é vice-presidente António Borges – contratada por Carlos Tavares e João Talone para a definição da estratégia do sector energético terá custado 1,7 milhões de euros em 2004 e 13 milhões de euros até 2006; falta saber os custos de uma assessoria semelhante para a EDP), em publicidade e marketing, em indemnizações a gestores despedidos ou reformados, em perda de dividendos e receitas fiscais (as mais valias obtidas em cerca de dois anos pela Petrocontrol nas vendas feitas à ENI e à EDP renderam 526 milhões de euros e foram isentas de tributação, o que significa um prejuízo fiscal de 165 milhões de euros), etc.;
  • Os custos no desenvolvimento das principais empresas do sector , com sucessivas mudanças de estratégias e estruturas empresariais, com as paralisações, indefinições e viragens de orientações acontecidas por mudanças de governos ou simples mudança de ministro da tutela do sector;
  • As graves consequências na evolução do problema energético português , com o agravamento da Intensidade Energética, da Intensidade Carbónica, da dependência energética de combustíveis fósseis, do peso dos transportes e, fundamentalmente, dos transportes rodoviários, na estrutura do consumo de energia.

É obrigatório, nesta breve síntese das «reestruturações» passadas, recordar como elemento da maior gravidade, o acontecido durante o segundo governo PS/António Guterres, com a entrada da ENI e da Iberdrola no capital da GALP. Acontecimento que, pela sua gravidade, mereceu desta Assembleia da República a realização de um Inquérito Parlamentar (Inquérito Parlamentar N.º 5/VIII), e que está hoje na base de muitos dos problemas que enfrenta a presente «reestruturação». Lembre-se que esse processo, conduzido pelo então ministro da Economia, Pina Moura, se traduziu, ao mesmo tempo, na venda pelo agrupamento de accionistas privados portugueses, Petrocontrol, da totalidade da sua participação na GALP, SGPS de 33,34%, por 190 milhões de contos, à parceria formada pela ENI (22,34%) e EDP (11%), na cedência pelo Estado de uma posição de 10,25% à Caixa Geral de Depósitos, e na alienação de 11% das acções à ENI por 62,7 milhões de contos e de 4% à Iberdrola por 22,8 milhões de contos.

Para memória do processo em curso resta ainda lembrar que a Petrocontrol era uma holding que integrava a Família Boullosa (1,2%) e a Finpetro (98,8%), que tinha como accionistas o Grupo Champalimaud (24,84%), o Grupo Espírito Santo (16,43%), a Petroholding (Grupo Banco Mello) (12,42%), Grupo Amorim (12,42%), Parfil (12,42%, Fundação Oriente (11,89%) e Patrick Monteiro de Barros (9,58%).

 

III – Factos mais relevantes da «reestruturação» em curso

 

As alterações promovidas, com a intervenção directa e activa do Governo, no capital social da GALP , com a cedência ao Grupo Amorim de capital da GALP até agora detido pela EDP, e o não negado compromisso de que venha igualmente a ficar com a parte do capital hoje detido pela REN Rede Eléctrica Nacional (recorde-se que o Grupo Amorim fazia parte do Grupo accionista Petrocontrol que, sob a presidência de Freitas do Amaral, vendeu as suas posições aos italianos da ENI!);

A informação, não contestada, de que a operação do Grupo Amorim foi suportada por três bancos , dois dos quais de capital espanhol (Caixa Galicia e Santander) e pela Sonangol, empresa estatal de petróleos de Angola;

As alterações na estrutura de direcção da EDP, promovidas igualmente pelo Governo , com a demissão do seu presidente, com a indicação para Presidente da Comissão Executiva de António Mexia pelos accionistas privados de referência e a criação de um Conselho Superior, com um presidente indicado pelo Governo, António Almeida (actualmente Presidente da OMIP – Operador do Mercado Ibérico a Prazo), onde passariam a figurar todos os accionistas com uma percentagem de capital superior a 2%, o que significaria atribuir um lugar à Iberdrola (um dos principais concorrentes da EDP no mercado ibérico), o que foi avalizado publicamente pelo ministro da Economia, e que, posteriormente, a empresa espanhola admitiu não ocupar «por agora».

A informação não contestada de que a concertação de (alguns) accionistas privados de referência da EDP, terá sido realizada por solicitação do Governo , pelo Presidente do Conselho de Administração do BCP, Paulo Teixeira Pinto, um dos accionistas privados da EDP, com a missão de definir o novo modelo de governação para a EDP e a selecção de uma nova equipa para a sua gestão, e o surgimento do Grupo BES como accionista de referência da EDP, com uma percentagem de capital social superior a 2%, e direito a ocupar um lugar no referido Conselho Superior;

Os indícios de que a ENI abdicou de «direitos» no negócio da GALP em torno do Grupo Amorim , por troca de garantias do Governo ao nível do negócio do gás natural, e de que a Iberdrola se terá disposto a alienar a sua posição accionista na GALP por troca com o reforço das suas posições (accionista e de gestão) na EDP;

A notícia (enquanto decorriam as negociações com o Grupo Amorim e outros) de que ia avançar o projecto de construção de uma nova refinaria petrolífera em Sines , sob a direcção do Grupo Monteiro de Barros e com investimento estrangeiro (EUA), projecto que teve o apoio entusiástico do ministro da Economia que, em doze dias, assinou um «memorando de entendimento», oferecendo como contrapartida um conjunto significativo de ajudas públicas (até ao máximo de 20% do investimento permitido pelos regulamentos comunitários);

Os factos conhecidos dos currícula profissionais e políticos de alguns dos principais actores destas sucessivas reestruturações , nomeadamente:

Manuel Pinho, actual ministro da Economia , depois de ter sido eleito deputado do PS, ex-quadro superior do Grupo BES (Espírito Santo), com uma intervenção assumida e errática em todo este processo, com sucessivos dizeres e desdizeres, como por exemplo: a afirmação de José Talone como Presidente da EDP para agora vir apadrinhar a sua substituição por António Mexia, ou a defesa inicial da presença da Iberdrola no recém criado Conselho Superior da EDP, para posteriormente desenvolver uma argumentação contrária;

Pina Moura, actualmente deputado do PS e Presidente da Iberdrola , ex-ministro da Economia e das Finanças dos governos PS/António Guterres, que promoveu a venda das posições accionistas na GALP da Petrocontrol e do Estado, à ENI e à Iberdrola, ex-conselheiro do BCP para as questões da energia;

António Mexia , agora indigitado para Presidente da EDP, ex-quadro do BES e ex-Presidente da GdP, Transgás e GALP, para onde foi indicado pelo ministro Pina Moura, ex-ministro das Obras Públicas do governo PSD/CDS-PP/Santana Lopes, que tutelava os CTT quando a Administração desta Empresa Pública concretizou um contrato com a Iberdrola para a venda nos seus balcões de contratos de fornecimento de energia aos consumidores domésticos;

João Talone , ex-quadro do BCP e até agora Presidente da EDP, responsável sob a tutela do ex-ministro Carlos Tavares, do governo PSD/CDS-PP, de Durão Barroso, pela terceira restruturação do sector energético chumbada pela União Europeia (saída do negócio do gás do âmbito da GALP para ser controlado pela EDP e a ENI, sendo que esta saía da GALP);

Paulo Teixeira Pinto , actual Presidente do BCP, accionista de referência da EDP (5,99%) e actor principal a pedido do governo do processo de recomposição da estrutura de gestão da EDP.

 

IV – Principais questões a esclarecer

 

Entre as muitas questões de relevante interesse político que continuam por esclarecer, destacam-se:

1. Nas alterações da estrutura accionista da GALP

 - As mais valias de conhecimento e experiência no sector petrolífero ou outras, que o Grupo Amorim transporta para o núcleo accionista da GALP, e a quem o Governo pretende entregar o papel central no seu desenvolvimento empresarial?

- Que garantias foram dadas pelo Grupo Amorim de permanência e segurança na defesa do centro de decisão da GALP em mãos nacionais face às entidades de capital estrangeiro que suportaram a intervenção do Grupo? Que conhecimento tem o Governo dessas entidades?

- Que razões explicam que seja o Grupo Amorim a receber a parte dos dividendos de 2005 que a GALP vai distribuir, referente aos 14,3% que a EDP tinha na GALP, o que significará um encaixe de cerca de 35,7 milhões de euros?

- Que compromissos foram assumidos pelo Governo para com o Grupo Amorim relativamente ao futuro da participação accionista da REN na GALP?

- Houve ou não, como foi sugerido na comunicação social, outras ofertas de aquisição de parte do capital da GALP? Porque razões o Governo Português não entabulou negociações com esses Grupos?

- Que compromissos foram assumidos com a Iberdrola, nomeadamente na já referida cedência da posição na GALP pelo reforço das posições na EDP?

- Que compromissos foram assumidos com a ENI em troca da abdicação por esta de «direitos» (não progredir até aos 47% do capital da GALP) no âmbito da GALP? Têm estes compromissos alguma coisa a ver com futuras posições dominantes dessa empresa no sector do gás natural?

- Que custos estão avaliados da ruptura do acordo parassocial firmado, em nome do Estado português pelo anterior governo, entre a Parpública e o Grupo da Petrocer? Ou foram assumidos outros compromissos? Quais?

2. Nas alterações em curso na estrutura de direcção da EDP

- Que razões explicam a promoção das alterações referidas na estrutura de direcção da EDP, que não sejam acolher os compromissos assumidos com a Iberdrola na negociação no âmbito da GALP?

- Que razões explicam o pedido do Governo Português ao BCP para que seja este Grupo Financeiro privado a mediar, e não o Governo, as alterações referidas no quadro dos outros investidores privados de referência?

- É (ou não) possível à Iberdrola assumir um lugar no futuro Conselho Superior da EDP? Ou seja, isso apenas está dependente da vontade e estratégia da empresa espanhola? Há ou tem o Governo em perspectiva qualquer plano de parceria EDP/Iberdrola para o mercado ibérico?

- Que garantias existem de que o centro de decisão da EDP permanecerá em mãos portuguesas? Que limitações existem à progressão na tomada de capital da EDP dos actuais accionistas de referência de capital estrangeiro – Iberdrola, CAJASTUR – ou compromissos decorrentes de acordos parassociais?

- Como compatibiliza o Governo o modelo de administração agora escolhido para a EDP com os modelos recomendados pela CMVM, conformes com as teses defendidas pelo actual ministro das Finanças e ex-presidente da CMVM?

- Que acordo existe neste momento entre a Iberdrola e os CTT para a comercialização de contratos de abastecimento de energia eléctrica aos consumidores domésticos?

 

3. Sobre a nova refinaria em Sines

- Que condições (ajudas financeiras, fiscais e outras contrapartidas) ofereceu o Governo Português ao projecto Monteiro de Barros/capital estrangeiro para uma nova refinaria petrolífera em Sines?

- Está acautelado o futuro, concretamente a continuidade e os investimentos de modernização e expansão da capacidade de produção das actuais duas refinarias de Matosinhos e de Sines da Petrogal/GALP?

- Que interesses estrangeiros – capital de investimento e aprovisionamento de petróleo bruto – estão envolvidos no projecto?

- Que estudos financeiros, técnicos, ambientais e outros foram feitos que avaliem os reais efeitos em termos de impactos na balança comercial (a exportação de petróleo significa a importação de ramas de petróleo bruto), de impactos ambientais (ter em conta a localização na Costa Vicentina e o seu potencial turístico), de impactos na concorrência no mercado interno e externo com as outras refinarias, e mesmo na criação de postos de trabalho e que justifiquem os fortes apoios do Estado Português?

- Nas negociações no âmbito das alterações dos titulares do capital social da GALP foi tido em conta, isto é, era do conhecimento das entidades envolvidas, a provável instalação da nova refinaria em Sines?

 

4. Outras questões de âmbito geral a esclarecer

- Que medidas foram tomadas pelo Governo para verificar que as entidades que participavam no grupo de accionistas da Petrocontrol, e que agora ressurgem nestes processos (Grupo Amorim, BES, Fundação Oriente, Grupo Monteiro Barros), reinvestiram as mais valias obtidas da venda de posições accionistas na GALP à ENI e à EDP, conforme condicionamento imposto para que esses rendimentos ficassem isentos de tributação?

- A possível violação de normas éticas de objectiva separação de interesses públicos e interesses privados por alguns dos principais agentes destes processos, hoje ao serviço de empresas privadas não sendo separáveis as decisões tomadas no âmbito público e os seus efeitos recebidos quando no exercício de altos cargos;

- Como assegura o Governo que as decisões tomadas acautelaram devidamente os interesses do Estado Português, nomeadamente pela garantia de que as posições alienadas foram sempre pelos «melhores valores e mais altos preços»?

- Como garante o Governo que os interesses nacionais e os direitos do Estado Português não foram preteridos a favor dos interesses privados de grupos nacionais e estrangeiros?

- Como acautelou o Governo que o núcleo central e determinante de propriedade, gestão e decisão do sector energético português seja nacional, hoje e no futuro?

- Como garante o Governo que um processo desenvolvido em nome da livre concorrência e em defesa dos interesses de consumidores e empresas, não resultará em empresas monopolistas e mercados monopolizados, sob o comando directo ou indirecto de capital estrangeiro?

- Como assegura o Governo a coerência entre os objectivos de uma Estratégia para o Sector Energético que responda aos seus défices e estrangulamentos, e o processo em curso que colocará todas as orientações de direcção estratégica do sector sob o comando da lógica de maximização dos lucros dos grupos privados nacionais e estrangeiros envolvidos?

 

V – Proposta de Inquérito Parlamentar

 

Assim, ao abrigo do Artigo 178º da Constituição da República Portuguesa e para os efeitos regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vem requerer a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para Apreciação dos Actos do Governo referentes à Reestruturação do Sector Energético Português e, nomeadamente da sua intervenção nas alterações do capital social da GALP e da EDP.

 

 

Assembleia da República, em 10 de Janeiro de 2006

 

 

 

 

  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução