Projecto de Resolução

Projecto de Resolução n.º 351/X - Crédito à habitação própria

 

Fixa um spread máximo no crédito à habitação própria permanente concedido pela CGD e repõe e reforça o regime de bonificação do crédito à habitação

 

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1. A crise financeira provocada pelo crédito hipotecário nos EUA e o aumento especulativo dos preços dos combustíveis e dos bens alimentares, têm vindo a provocar subidas substanciais dos valores da inflação oficialmente reconhecida. Pouco mais de um mês após ter corrigido em alta, para 2,6%, a previsão do valor da inflação (2,1%) que tinha teimado em impor no Orçamento do Estado para 2008 - não obstante os reiterados avisos de evidente irrealismo provenientes dos mais diversos sectores políticos e económicos -, o Governo volta a estar confrontado com a eventual necessidade de ter de novo refazer estas suas recentes previsões. Os números publicados pelo INE há ainda poucos dias mostram que os preços voltaram a acelerar em Maio, para um valor homólogo de 2,8%, três décimas acima do verificado em Abril e muito longe dos 2,1% que serviram de base aos aumentos salariais impostos à Administração Pública para 2008, que, como se sabe e reconhece, constituem valor de referência para toda a contratação colectiva dos restantes trabalhadores do sector privado.

O facto dos valores oficiais da inflação publicados pelo Instituto Nacional de Estatística não incluírem no respectivo "cabaz de produtos", os encargos das famílias portuguesas com a compra de habitação própria - facto que o PCP tem vindo reiteradamente a denunciar - só evidencia, por um lado, quanto aqueles valores de inflação estão subavaliados e, por outro lado, quanto os problemas adicionais criados pela sistemática subida das taxas de juro se repercutem de forma relevantíssima na economia em geral e no agravamento das condições de vida de dezenas e dezenas de milhares de famílias portuguesas.

2. A crise financeira mundial resultante do crédito mal parado tem vindo a provocar enormes dificuldades de liquidez, problemas acrescidos na capacidade de financiamento interbancário e tem tido - como aliás o PCP já previra no ano passado - repercussões muito negativas na designada "economia real". Todas as previsões de crescimento foram revistas em baixa e o mesmo ocorreu também em Portugal, não obstante a relutância que o Governo Português teve em reconhecer aqueles efeitos no nosso País. Uma queda de cerca de 30% nas previsões do crescimento económico nacional, finalmente corrigidas pelo Governo em Maio passado, mostra bem a dimensão da crise e os seus efeitos na economia, à qual, como já referido, se vieram a somar as consequências dos aumentos especulativos dos preços das matérias primas.

Noutros países e espaços económicos a reacção das respectivas autoridades monetárias foi célere e revelou-se adequada para enfrentar os efeitos mais graves da crise. A descida para cerca de metade (2%) da taxa de juro de referência da Reserva Federal Americana procurou responder às dificuldades crescentes de crédito, criar melhores condições para o investimento e para tentar impedir que a economia americana entrasse em período claramente recessivo.

3. Outro tanto, tal como aliás vem sendo infelizmente habitual, não fez o Banco Central Europeu. Não obstante as críticas generalizadas, a autoridade monetária da zona euro da UE manteve-se inflexível perante a realidade, cega face aos sinais evidentes de desaceleração económica, à retracção generalizada das exportações e às quebras do investimento, completamente insensível face ao crescimento do desemprego e ao agravamento das condições sociais resultantes dos reflexos generalizados na economia dos efeitos da crise financeira.

Em vez de agir em contra-ciclo e promover a baixa da taxa de juro de referência, o Banco Central Europeu teimou em manter o seu valor em 4% sem que o Governo Português - nem tão pouco outros Governos - dessem pública nota de discordância ou manifestassem qualquer resquício de vontade política para alterar os pressupostos anti-económicos e anti-sociais por que se norteia o BCE.

4. A insistência em manter esta elevada taxa de juro de referência (4%) - exactamente o dobro do valor que chegou a atingir a taxa de juro americana -, aliada à dificuldade de obtenção de financiamentos por causa do clima generalizado de desconfiança motivado pela designada crise do subprime, determinaram subidas sensíveis das taxas de juro euribor a partir das quais são estabelecidas, em geral, as condições do crédito concedido a particulares (famílias) e a sociedades não financeiras (empresas).

São assim facilmente explicáveis e evidentes os efeitos nefastos destas opções monetárias no "custo do dinheiro" destinado ao crédito para o investimento, com consequências na degradação generalizada do clima de confiança, em particular de novos investidores, e com efeitos devastadores na situação de centenas e centenas de micro e pequenas empresas.

5. Estas sistemáticas subidas das taxas euribor, que ocorrem de forma ininterrupta desde há cerca de dois anos, e que, pelas razões expostas, se têm vindo a acentuar ainda mais nos últimos meses, têm efeitos particularmente graves nas condições de vida das famílias portuguesas, a braços com as consequentes subidas nos encargos mensais resultantes dos contratos de crédito que estabeleceram para aquisição, construção ou reparação de habitação própria permanente.

Dados referentes aos anos 2006/2007, colhidos no âmbito do Inquérito ao Património e Endividamento das Famílias (IPEF), revelam que 31,6% das famílias em Portugal têm contratos de crédito à habitação, sendo que 22,3% delas - isto é, quase uma em cada quatro famílias - têm apenas crédito à habitação e 9,3% têm outros créditos em simultâneo com créditos à habitação.

Outro dado relevante deste Inquérito é o que estima o peso da dívida com habitação no endividamento total contraído pelas famílias. Mais de 85% da dívida total contraída pelas famílias portuguesas diz respeito a contratos estabelecidos para a aquisição, construção ou recuperação de habitação.   

6. Este dados do diagnóstico - mesmo que parcelares - servem para ajudar a compreender e avaliar os efeitos profundamente negativos que a manutenção de uma taxa de juro tão elevada (4%), e a consequente fixação em Portugal da taxa euribor a seis meses, (a mais usada nos empréstimos à habitação), em valores muito próximos dos 5%, muito acima daquele valor de referência, estão a provocar nos aumentos sistemáticos e cada vez mais insuportáveis das prestações mensais que as famílias têm que suportar para satisfazerem os compromissos com os empréstimos para a habitação.

A situação é tanto mais preocupante quanto o mais recente Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal mostra que o endividamento das famílias não tem parado de crescer em percentagem do rendimento disponível (representando 116% desse rendimento, em 2005, 123% em 2006 e 129% em 2007), sendo público e bem conhecido quanto crescem os casos de incumprimento das obrigações com o crédito à habitação, seja traduzido em número crescente de situações alvo de renegociação de crédito ou no recurso ao aconselhamento e tratamento de situações difíceis por parte de associações de defesa de consumidores, para já não citar os casos de execução de penhoras.

7. Como o PCP tem acentuado de forma muito insistente, a situação exige, seja no plano mais geral da reanimação da economia, seja neste caso particular do endividamento das famílias com empréstimos à habitação, que o Governo defendesse a descida das taxas de juro na zona euro e que o fizesse de forma pública e visível, traduzindo uma vontade política que não tem tido - nem tão pouco parece querer vir a ter no contexto da União Europeia.

É entretanto possível modificar algumas das condições concretas como são estabelecidos os contratos de crédito à habitação. No entendimento do PCP, não só possível como desejável e socialmente relevante conter o crescimento dos encargos das famílias com os empréstimos à habitação, definindo orientações muito claras para que a Caixa Geral de Depósitos estabeleça condições mais favoráveis para esses contratos, desde que estes se destinem à aquisição, construção e/ou recuperação ou reconstrução de habitação própria permanente.

Sendo o Estado o único accionista da Caixa Geral de Depósitos, esta passaria assim a definir como limite superior para as taxas de juro dos empréstimos para habitação própria e permanente a taxa de referência que é utilizada para o crédito bonificado (TRCA), nos exactos termos em que esta taxa é estabelecida nos avisos emanados pela Direcção Geral do Tesouro, cujo último exemplo data do passado dia 2 de Junho, para vigorar a partir do próximo dia 1 de Julho. Esta taxa, que no caso em apreço foi fixada em 5,428%, resulta da taxa euribor a seis meses acrescida de um spread de 0,5%.

8. Em síntese, trata-se do Estado traçar uma orientação política que determine que a Caixa Geral de Depósitos passe a usar um spread máximo de 0,5% nos contratos de empréstimo destinados à aquisição, construção e/ou recuperação e reconstrução de habitação própria permanente, o qual seria adicionado ao valor em vigor da taxa euribor a seis meses para determinar o valor da taxa de juro efectiva a usar nesses contratos de crédito.   

A CGD passaria a usar aquele valor máximo de spread, sem prejuízo de condições mais favoráveis, já estabelecidas ou que entenda vir a estabelecer com os seus clientes.

Ao diminuir para 0,5% os valores (superiores) de spreads que a CGD está actualmente a utilizar em milhares de contratos de crédito à habitação, as prestações mensais de milhares e milhares de famílias diminuiriam de forma assinalável, sendo certo que, naturalmente, a consequente alteração das actuais condições contratuais não poderão significar, em caso algum, encargos administrativos, ou outros, adicionais para os beneficiários.  

9. Não tem o PCP qualquer dúvida que a adopção de um valor máximo de spread para o crédito à habitação terá efeitos semelhantes nas condições de crédito que as restantes instituições bancárias passariam a disponibilizar aos respectivos clientes. Assim, o efeito da descida generalizada de parte muito significativa dos encargos mensais dos actuais contratos de crédito à habitação seria obtido a muito curto prazo e beneficiaria não apenas os clientes da CGD como também, por efeito de arrastamento, generalidade dos clientes das restantes instituições bancárias.

10. Nos primeiros anos desta década, o Governo decidiu revogar o regime de contratação de crédito bonificado. Esta medida contou com a oposição do PCP que apresentou várias propostas de reposição desse regime, tendo aliás então contado com o apoio de outros grupos parlamentares, designadamente do Grupo Parlamentar do PS.

Importa assim, no actual contexto, que a reposição deste regime de crédito seja equacionada e que voltando a estar disponível e acessível de forma mais alargada, beneficie jovens (nos casos em que a idade dos respectivos integrantes não ultrapasse, em ambos os casos, 35 anos, em vez dos 30 anos previstos no Decreto-Lei 349/1998 de 11 de Novembro, alterado nos Decretos-Lei nºs 137-B/99, de 22 de Abril, 1-A/2000, de 22 de Janeiro e 320/2000, de 15 de Dezembro) ou casais de qualquer natureza legalmente reconhecida.

11. Ao propor a reposição deste regime de crédito bonificado - exigindo-se também que ele seja objecto de melhor e mais eficaz fiscalização e acompanhamento - o PCP entende igualmente que devem ser actualizadas algumas das condições que hoje são aplicadas aos contratos que permanecem em vigor ao abrigo dos contratos estabelecidos anteriormente à sua revogação.

Entre outros aspectos, o PCP considera essencial que no cálculo do rendimento anual bruto corrigido dos agregados familiares de acordo com a respectiva dimensão, sejam actualizadas as deduções propostas para os agregados com 3 ou mais elementos, de acordo com a evolução do salário mínimo nacional desde o ano de 2000. A título exemplificativo, sublinha-se e recorda-se que a evolução do índice dos preços ao consumidor entre 2000 e 2008 ronda um valor muito próximo dos 25%, constituindo assim um acto elementar de justiça proceder à actualização daquelas deduções.

 

Tendo em atenção o exposto, a Assembleia da República, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, resolve recomendar ao Governo que:

•A.     1. Os contratos de concessão de empréstimo destinados à aquisição, construção e realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria permanente, estabelecidos entre a Caixa Geral de Depósitos e terceiros particulares fixem obrigatoriamente um valor de spread não superior a 0,5%;

2. As taxas contratuais máximas a estabelecer pela Caixa Geral de Depósitos nos contratos referidos no número anterior sejam as utilizadas como taxas de referência para o crédito bonificado, nos mesmos termos dos avisos regularmente publicados para este efeito pela Direcção Geral do Tesouro;

3. O valor máximo de spread fixado no número 1 e as taxas máximas objecto dos avisos referidos no número anterior, sejam aplicados a todos os contratos do tipo referido no mesmo número 1, em vigor ou a estabelecer futuramente:

4. As alterações contratuais, determinadas pela aplicação do disposto no número anterior em contratos em vigor, sejam feitas sem quaisquer encargos administrativos, ou outros, para os beneficiários dos mesmos;

•B.     1. Que avalie a reposição do regime de crédito bonificado de acordo com os princípios incluídos no Decreto-Lei 349/1998 de 11 de Novembro, alterado nos Decretos-Lei nºs 137-B/99, de 22 de Abril, 1-A/2000, de 22 de Janeiro e 320/2000, de 15 de Dezembro, beneficiando, nos casos do regime do crédito bonificado jovem, os membros dos agregados familiares tal como definidos no artigo 14º do supra citado Decreto-lei, desde que nenhum deles tenha uma idade superior a 35 anos;

2. A actualização, nos contratos em vigor, estabelecidos ao abrigo do artigo 8º do Decreto-Lei 349/1998 de 11 de Novembro, alterado nos Decretos-Lei nºs 137-B/99, de 22 de Abril, 1-A/2000, de 22 de Janeiro e 320/2000, de 15 de Dezembro, do valor das deduções propostas para os agregados familiares com 3 ou mais elementos, tendo em conta a evolução do salário mínimo nacional desde o ano 2000. 

Assembleia da República, em 20 de Junho de 2008

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