Pelo conhecimento e valorização da luta anti-fascista em Portugal
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Ao longo dos 48 anos da ditadura em Portugal, quer sob a chefia de Salazar quer de Caetano, o povo português resistiu sempre, de muitas e variadas formas, à opressão fascista. A luta antifascista, pela liberdade, pela democracia, contra as medidas e acções repressivas e opressoras, por melhores condições de vida e trabalho, contra a guerra colonial e o colonialismo, envolveu amplas camadas da população: operários fabris, operários agrícolas, estudantes, militares, pescadores, intelectuais, artistas e tantos outros. Essa longa e heróica luta dos trabalhadores e das massas populares abriu caminho ao derrube da ditadura pelos militares do MFA e à conquista da liberdade, ao fim das guerras coloniais e a grandes transformações democráticas resultantes da Revolução de Abril e consagradas na Constituição de 1976.
Mais de 30 anos passados sobre a Revolução e a consagração das suas conquistas na Lei Fundamental, é largamente insatisfatório o conhecimento e a valorização das características da ditadura fascista e do valor e heroicidade da luta das pessoas e organizações que se lhe opuseram.
Desde logo pelo apagamento ou branqueamento da conduta e das acções da ditadura, que menoriza ou esconde a ausência de liberdades políticas e cívicas, a polícia política, a censura, os tribunais plenários, a prática das mais bárbaras torturas, as condenações forjadas e as arbitrárias medidas de segurança, as prisões políticas como o Aljube, Caxias ou o Forte de Peniche, o campo de concentração do Tarrafal, o conluio com os regimes fascistas europeus, a repressão violenta das lutas operárias e populares e da oposição democrática, a perseguição da cultura e do pensamento progressista, a guerra colonial e ainda o atraso e a pobreza extrema do país.
E mais grave se torna esta desvalorização numa situação internacional em que ressurgem actos e intenções de limitação das liberdades, de amputação da democracia, de ampliação das injustiças e desigualdades e até de retoma dos mais infames e criminosos métodos de perseguição, como o aprisionamento ilegal e arbitrário ou a tortura legalizada, ao mesmo tempo que ressurgem inquietantes fenómenos de racismo, fascismo e anticomunismo.
Por outro lado pela deturpação e desconhecimento a que estão sujeitos os valorosos actos da resistência antifascista, pagos por vezes com a própria vida, com a sujeição a violentas e infames torturas, com a prisão, com a destruição da vida profissional ou académica, com o exílio, e tantas vezes praticados em difíceis condições de clandestinidade que impunham dolorosas restrições à vida pessoal e familiar.
Por isso se torna indispensável manter vivo o conhecimento do que foi a ditadura que durante 48 anos oprimiu os portugueses e reconhecer o inestimável valor dos que contra ela lutaram.
É contudo forçoso assinalar que a preservação e transmissão do conhecimento destas realidades é chocantemente insuficiente, seja no sistema educativo, seja nos meios de divulgação informativa e cultural, seja na preservação dos espaços que mais simbolicamente representaram a opressão, a resistência e a luta do povo.
Aos democratas e às instituições democráticas, impõe-se o dever de alterar esta inaceitável situação, na certeza de que a preservação do conhecimento do que foi a ditadura fascista e da luta dos que a combateram, é a melhor garantia para o enraizamento dos valores democráticos e de apego à liberdade entre as novas gerações.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República resolve:
- Contribuir, no âmbito da sua actividade institucional, para a vivificação do conhecimento sobre a ditadura fascista e a resistência antifascista;
- Condenar como contrário à Constituição, o desenvolvimento de propaganda fascista, assim como tentativas de desculpabilização e branqueamento dos crimes da ditadura e reabilitação dos seus principais responsáveis
- Recomendar ao Governo que, no âmbito das suas funções executivas, tome as medidas necessárias para garantir e apoiar a existência e o desenvolvimento de espaços e instituições dedicados à manutenção e alargamento do conhecimento histórico da ditadura, especialmente aqueles que, tendo desempenhado um papel específico nesse período, adquiram por isso especial valor simbólico;
- Recomendar particular valorização e apoio ao Museu da Resistência instalado na Fortaleza de Peniche;
- Recomendar ao Governo que, no mesmo sentido, e no desenvolvimento da política externa, promova formas de cooperação com os Estados surgidos das ex-colónias portuguesas para preservação do património de luta comum contra o fascismo e o colonialismo português, nomeadamente o campo de concentração do Tarrafal;
- Apelar aos órgãos e instituições dedicados à divulgação cultural, histórica e informativa que, de forma rigorosa e objectiva, se empenhem na difusão pública do conhecimento desta época da história recente do nosso país;
- Pugnar para que o Governo e as demais entidades responsáveis garantam a efectiva abordagem do período da ditadura fascista, da resistência antifascista, bem como da Revolução de Abril, nos currículos escolares dos diversos níveis de ensino;
Assembleia da República, em 11 de Janeiro de 2007