Projecto de Resolução

Projecto de Resolução n.º 132/X - Co-incineração de resíduos industriais perigosos

Projecto de Resolução n.º 132/X
Suspende os estudos e projectos conducentes à implementação da co-incineração de resíduos industriais perigosos

Para pesqisar a situação: clique aqui 

O tratamento de resíduos industriais perigosos (RIP’s) é uma questão central da política de resíduos do País, logo, um aspecto também central da política de ambiente. A forma como é encarada, quer a produção, quer o tratamento dos resíduos industriais perigosos e a postura assumida perante a sua requalificação e regeneração expressa também o empenhamento político do Governo na protecção dos valores ambientais e da saúde pública.

Estamos actualmente perante uma situação de desequilíbrio no que toca ao tratamento de resíduos industriais perigosos, sendo que Portugal envia para outros países os resíduos industriais perigosos aqui produzidos, importando um serviço que o próprio país, poderia, em grande parte cumprir. No entanto, a instalação de um conjunto de Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Industriais Perigosos (CIRVER) virá dar resposta a grande parte do problema colocado, tendo em conta que poderá ser aí tratado a grande maioria dos RIP’s produzidos em Portugal, excluindo, portanto, essa grande parte da exportação. Ainda assim, persistirão resíduos cujo tratamento adequado não pode ser levado a cabo em CIRVER. Desses resíduos, apenas uma parte é possível de eliminar por via térmica em co-incineração.

Esta situação aponta, ainda assim, para a existência de soluções a montante no processo de tratamento de RIP’s. Aponta em primeiro lugar para a necessidade de redução da produção, através do investimento em indústria limpa e tecnologicamente mais avançada, aponta a possibilidade e a necessidade de proceder a um tratamento destes resíduos com base na sua recuperação, valorização e regeneração. Ora, das 250 mil toneladas de RIP’s produzidas anualmente em Portugal, apenas cerca de 10% não poderão ser tratadas pela via dos CIRVER ou não serão passíveis de regeneração e dessa fracção cerca de 20% não poderão ser sequer eliminados por processo de co-incineração, pelo grau de perigosidade que os caracteriza.

Assume-se assim, a eliminação térmica de resíduos com recurso a processos de incineração como uma medida de fim-de-linha, ou seja, racional apenas após a aplicação de todos os outros meios que passam pela redução, pela reutilização, regeneração e reciclagem. Neste quadro, não seria correcto avançar com a implantação de duas co-incineradoras em cimenteiras como é actualmente a intenção do Governo.

Por um lado, a existência de co-incineradoras, que utilizam os RIP’s como combustível competiria com os CIRVER na procura de RIP´s, podendo desviar significativa parte destes para um tratamento menos adequado.

Por outro lado, a co-incineração divide a comunidade científica no que toca à avaliação de riscos e perigos para o ambiente e para a saúde pública, não sendo unânime a sua inocuidade. Ao processo de co-incineração associam-se ainda todos os processos de transporte de RIP´s.

Assim, a rentabilidade e racionalidade da implantação de duas co-incineradoras é fortemente posta em causa, quer do ponto de vista ambiental, económico ou de saúde pública paras as populações e para o País.

Todo o processo de implementação de co-incineração em Portugal é também caracterizado por uma forte contestação popular com expressão principalmente nos locais apontados pelo Governo como escolhidos, contestação de expressivas dimensões, envolvendo directamente as populações e até o poder local autárquico que o Governo decidiu ignorar, numa demonstração de arrogância que não deveria nortear a política de ambiente para o País.

Acresce o facto de que o Governo pretende implementar estes processos em cimenteiras que operam em dois locais distintos, ambos com características bastante próprias que tornam bastante duvidosa a sua eleição como locais adequados. O anúncio dos locais, Souselas e Outão, levanta legitimamente um conjunto de questões. A implementação da co-incineração na proximidade de uma população já tão prejudicada pela incidência de indústria extractiva na sua região, mostrando inclusivamente uma propensão a patologias respiratórias, cardíacas e a neoplasias que atinge o dobro da média da região centro é, de alguma forma, injustificável porque aumentará os riscos a que estão submetidas essas populações.

Por outro lado, a escolha de uma cimenteira situada em pleno Parque Natural da Arrábida, possibilitada por uma manobra legal à revelia da discussão pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida levanta as mais justas dúvidas acerca da política ambiental do Governo. Uma zona com espécies vegetais e animais protegidas, inserida na Rede Natura 2009, candidata a Património Mundial da Humanidade, classificada como zona protegida pelo próprio Estado Português, com zonas de reserva integral importantes e com uma geologia particular e única no País e habitada de forma dispersa por pequenos povoados, bem como próxima da cidade de Setúbal e de Azeitão não pode ser considerada uma localização adequada à implantação de uma co-incineradora, nem as suas estradas serão caminhos ajustados à segurança necessária para o transporte de RIP´s.

A Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1 - Suspenda todos os testes que visem a implementação da Co-incineração de RIP´s, bem como qualquer processo ou projecto que vise o funcionamento de co-incineradoras de Rip´s até que:

a) sejam totalmente encaminhados para os CIRVER todos os RIP’s que possam aí efectivamente ser tratados;

b) sejam implementadas em Portugal formas adequadas de regeneração de óleos;

c) sejam divulgados todos os dados relativos aos estudos realizados no âmbito da saúde pública em função da co-incineração de RIP’s, nomeadamente os da Comissão Médica Independente;

d) seja realizado um balanço sério sobre os RIP’s em Portugal após o funcionamento pleno dos CIRVER e dos mecanismos de regeneração de óleos;

e) seja implementada uma política séria e capaz de favorecer a evolução tecnológica da indústria no sentido da redução da produção de RIP’s.

2 - A serem reactivados tais estudos ou projectos, o Governo dê início a um amplo processo de consulta pública no âmbito da co-incineração, avaliando também com esse contributo a melhor forma de tratamento dos Resíduos Industriais Perigosos em Portugal.

Assembleia da República, em 1 de Junho de 2006

 

  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução