Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 506/X - Associações de municípios de direito público

 

Estabelece o regime jurídico das associações de municípios de direito público

 

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Preâmbulo

A Constituição da República Portuguesa autoriza expressamente os municípios a «constituir associações e federações para administração de interesses comuns» e permite também que a lei lhes confira «atribuições e competências próprias».

Não se descortina que possa a lei estabelecer limites geográficos ou outros (que não sejam os inerentes à própria natureza e atribuições dos municípios) à vontade livre de se associarem ou não os titulares deste direito.

Não se descortina também que possa a lei conferir a associações atribuições e competências que sejam dos municípios e, particularmente, que confira a uma associação atribuições, competências e poderes de municípios que a não integrem.

Não se descortina, por fim, que possa a lei denegar natureza pública a associações de entes públicos que visem prosseguir fins públicos através da aplicação de recursos públicos só porque se não conformam com um modelo qualquer territorial.

Mas assim parecem não entender o Governo e a maioria parlamentar que o suporta, na linha, aliás, do que ensaiou com manifesto insucesso o PSD, e, por isso mesmo, nos forçam a recolocar a problemática do associativismo municipal no plano em que operou durante cerca de duas décadas com assinalável êxito.

O Parecer desfavorável que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses deu à Proposta de Lei do Governo sobre as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e o seu fundamento último (ali, quanto a nós, Grupo Parlamentar do PCP, indiscutivelmente deslocado: a Constituição não tem estes entes por associações de municípios), faz aqui todo o sentido - é na regulação do associativismo municipal que a questão da liberdade de associação dos municípios se coloca.

O presente Projecto de Lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP retoma o essencial do regime do associativismo municipal seguido até ao início vigência das Leis n.ºs 10 e 11/2003, de 13 de Maio, e introduz-lhe as actualizações e correcções que a experiência e as transformações entretanto ocorridas recomendam.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Capítulo I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Conceito e natureza

A associação de municípios, adiante designada por associação, é uma pessoa colectiva de direito público, criada por dois ou mais municípios, para realização de interesses comuns.

Artigo 2.º

Objecto

1- A associação pode ter finalidades dos seguintes tipos:

a) a realização de atribuições conferidas por lei aos municípios;

b) a realização de quaisquer interesses compreendidos nas atribuições dos municípios.

2- Excluem-se das finalidades referidas no número anterior todas as atribuições ou interesses que, pela sua natureza ou por disposição da lei, devam ser exclusiva e directamente prosseguidos por cada município.

3- Nos termos do artigo 253.º da Constituição da República, a lei pode conferir às associações e aos seus órgãos atribuições e competências próprias. 

Artigo 3.º

Constituição

1- A associação constitui-se por escritura pública nos termos do n.º 1 do artigo 158.º do Código Civil.

2- Cabe às câmaras dos municípios interessados promover as diligências necessárias à constituição da associação, sem prejuízo das competências próprias das assembleias municipais.

3- A constituição da associação é comunicada, pelo município em cuja área a associação esteja sediada, ao ministério da tutela.

Capítulo II

Estatutos, tutela, órgãos e competências

Artigo 4.º

Estatutos

1- Os estatutos da associação são elaborados pelas câmaras dos municípios interessados e aprovados pelas assembleias municipais respectivas.

2- Os estatutos de cada associação estabelecem:

a) A denominação, sede e composição;

b) Os fins da associação;

c) Os bens, serviços e demais contributos com que os municípios concorrem para a prossecução das suas atribuições;

d) A sua organização interna e respectiva forma de funcionamento;

e) As competências dos órgãos;

f) A duração, quando a associação não se constitua por tempo indeterminado.

3- Os estatutos devem especificar ainda os direitos e obrigações dos municípios associados, as condições da sua saída e exclusão e da admissão de novos municípios, bem como os termos da extinção da associação e consequente divisão do seu património.

4- Os estatutos podem ser modificados por acordo dos municípios associados, de harmonia com o regime estabelecido na presente lei para a respectiva aprovação.

5- Compete à assembleia intermunicipal, por sua iniciativa ou sob proposta do conselho de administração, aprovar alterações aos estatutos em que hajam acordado os órgãos dos municípios associados.

Artigo 5.º

Tutela

A associação está sujeita à tutela legalmente prevista para os municípios.

Artigo 6.º

Regime subsidiário

Em tudo o que não se encontre previsto nos estatutos e na lei, a associação regula-se pelo regime jurídico aplicável aos órgãos dos municípios.

Artigo 7.º

Órgãos da associação

São órgãos da associação:

a) A assembleia intermunicipal;

b) O conselho de administração.

Artigo 8.º

Competência dos órgãos

1- Para a prossecução dos fins da associação os órgãos exercem as competências que lhes forem conferidas pela lei e pelos estatutos.

2- Os poderes municipais referentes à organização e gestão dos serviços incluídos no objecto da associação consideram-se delegados, salvo disposição legal ou estatutária em contrário, nos órgãos da associação.

3- As deliberações dos órgãos da associação estão sujeitas às regras de publicitação das deliberações dos órgãos municipais.

Artigo 9.º

Assembleia intermunicipal

1- A assembleia intermunicipal é o órgão deliberativo da associação.

2- Integram a assembleia intermunicipal:

a) Os presidentes de cada uma das câmaras dos municípios associados, pessoalmente ou através de vereador em quem deleguem;

b) Mais um ou dois vereadores em representação de cada município, designados pelas câmaras municipais, consoante a associação tenha mais ou menos de 10 associados.

3- O mandato dos membros da assembleia intermunicipal coincide com os que legalmente estiverem fixados para os órgãos das autarquias locais.

4- A perda, a cessação, a renúncia ou a suspensão de mandato no órgão municipal determina o mesmo efeito na assembleia intermunicipal.

Artigo 10.º

Funcionamento da assembleia intermunicipal

1- Os trabalhos da assembleia intermunicipal são dirigidos por uma mesa, constituída pelo presidente, por um vice-presidente e um secretário, a eleger de entre os seus membros.

2- A assembleia intermunicipal reúne, nos termos definidos nos estatutos da associação, em plenário ou em secções.

Artigo 11.º

Competências da assembleia intermunicipal

Compete à assembleia intermunicipal:

a) Eleger a mesa;

b) Exercer as competências estabelecidas pelos estatutos da associação;

c) Aprovar as opções, o plano plurianual de investimentos e o orçamento elaborados pelo conselho de administração;

d) Aprovar o relatório de actividades e apreciar o balanço e conta de gerência elaborados pelo conselho de administração;

e) Deliberar sobre a forma de imputação dos encargos aos municípios associados;

f) Deliberar sobre a forma de imputação das despesas com pessoal aos municípios associados;

g) Deliberar sobre o estatuto e remuneração do administrador-delegado, sob proposta do conselho de administração;

h) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei, com carácter excepcional e objecto específico, no âmbito das finalidades definidas nos respectivos estatutos.

Artigo 12.º

Presidente da assembleia intermunicipal

Compete ao presidente da assembleia intermunicipal:

a) Convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias;

b) Dirigir os trabalhos da assembleia;

c) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos ou pela assembleia.

Artigo 13.º

Conselho de administração

1- O conselho de administração é o órgão executivo da associação.

2- O conselho de administração é eleito pela assembleia intermunicipal de entre os seus membros.

3- Compõem o conselho de administração um presidente e dois ou quatro vogais, consoante a associação seja constituída por cinco ou menos municípios ou por mais de cinco municípios.

4- O exercício das funções de presidente da mesa da assembleia intermunicipal é incompatível com o desempenho do cargo de presidente do conselho de administração.

5- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a duração do mandato dos membros do conselho de administração é de um ano, automaticamente renovável por iguais períodos, se na primeira reunião da assembleia intermunicipal após o seu termo, não se deliberar proceder a nova eleição.

6- A assembleia intermunicipal deve proceder, na primeira reunião que se realize após a verificação de qualquer vaga no conselho de administração, à eleição de novo membro, cujo mandato terá a duração do período em falta até ao termo do mandato do anterior titular, aplicando-se à sua renovação o disposto no número anterior.

7- Sempre que se verifiquem eleições para os órgãos representativos de, pelo menos, metade dos municípios associados cessam os mandatos do conselho de administração, devendo a assembleia intermunicipal proceder a nova eleição na primeira reunião que se realize após aquele acto eleitoral. 

Artigo 14.º

Competências do conselho de administração

Compete ao conselho de administração:

a) Assegurar a execução das deliberações da assembleia intermunicipal;

b) Nomear, por livre escolha, e exonerar um administrador-delegado para a gestão corrente dos assuntos da associação, devendo ficar expressamente determinados na deliberação que o nomeie os poderes que lhe são conferidos;

c) Propor à assembleia intermunicipal o estatuto e remuneração do administrador-delegado, de acordo com as funções exercidas, tendo como limite a remuneração de director municipal;

d) Elaborar a proposta de opções e plano plurianual de investimentos e de orçamento e submetê-los à assembleia;

e) Elaborar o relatório de actividades, balanço e conta de gerência e submetê-los à assembleia;

f) Enviar as contas da associação ao Tribunal de Contas;

g) Aprovar lista nominativa dos funcionários, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 30.º;

h) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos ou pela assembleia.

Artigo 15.º

Presidente do conselho de administração

Compete ao presidente do conselho de administração:

a) Convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias;

b) Dirigir os trabalhos das reuniões do conselho;

c) Executar as deliberações do conselho e exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos ou pelo conselho.

Artigo 16.º

Administrador-delegado

1- Compete ao administrador-delegado:

a) Proceder à gestão corrente dos assuntos da associação;

b) Apresentar ao conselho de administração, nos meses de Junho e Dezembro, um relatório sobre os assuntos a seu cargo;

c) Praticar, no âmbito das suas funções, os actos previstos nos estatutos ou que lhe tenham sido delegados pelo conselho de administração ou pelo seu presidente.

2- O exercício das funções de administrador-delegado é incompatível com o exercício de qualquer cargo político em regime de permanência.

3- As funções de administrador-delegado cessam a qualquer momento por deliberação do conselho de administração.

Artigo 17.º

Assessoria técnica

A associação pode recorrer à assessoria técnica dos gabinetes de apoio às autarquias locais que existam na sua área de jurisdição e dispor de serviços de apoio a definir por deliberação da assembleia intermunicipal.

Capítulo III

Plano de actividades e Orçamento

Artigo 18.º

Plano de actividades e orçamento

1- As propostas de opções, plano plurianual de investimentos e orçamento, são elaboradas pelo conselho de administração e submetidas a aprovação da assembleia intermunicipal no decurso do mês de Novembro.

2- Os instrumentos previsionais são remetidos pelo conselho de administração às assembleias dos municípios associados, para seu conhecimento, no prazo de um mês após a sua aprovação.

3- Do orçamento constam todas as receitas da associação e as respectivas despesas, qualquer que seja a sua natureza ou montante.

Artigo 19.º

Regime de contabilidade

 

 As associações adoptam o regime de contabilidade estabelecido para os municípios, que respeita o previsto no Plano Oficial de Contabilidade de Autarquias Locais (POCAL).

Capítulo IV

Património e finanças

Artigo 20.º

Património

O património da associação é constituído pelos bens e direitos para ela transferidos no acto da constituição ou posteriormente adquiridos a qualquer título.

Artigo 21.º

Receitas e despesas

1- Constituem receitas da associação:

a) O produto das contribuições dos municípios que a integram;

b) As transferências dos municípios, no caso de competências delegadas por estes;

c) As taxas de utilização de bens e decorrentes da prestação de serviços;

d) O rendimento de bens próprios e o produto da sua alienação ou da constituição de direitos sobre eles;

e) As dotações, subsídios ou comparticipações provenientes da administração central no âmbito ou ao abrigo da Lei das Finanças Locais ou outras das quais venham a beneficiar;

f) Quaisquer acréscimos patrimoniais, fixos ou periódicos, que, a título gratuito ou oneroso, lhes sejam atribuídos por lei, contrato ou acto jurídico;

g) O produto de empréstimos;

h) Quaisquer outras receitas permitidas por lei.

2- As contribuições previstas na alínea a) do número anterior devem ser efectuadas nos prazos determinados pela assembleia intermunicipal, não havendo lugar à sua reversão, mesmo nos casos em que o município não utilize os serviços prestados pela associação.

3- Constituem despesas da associação os encargos decorrentes da prossecução das suas atribuições.

Artigo 22.º

Empréstimos

1- A associação pode contrair empréstimos junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito e celebrar contratos de locação financeira, em termos idênticos aos dos municípios.

2- Os estatutos definem, nos limites da lei, os termos da contratação de empréstimos e as respectivas garantias, que podem ser constituídas pelo património da associação ou por uma parcela das contribuições dos municípios.

3- A celebração dos contratos referidos no n.º 1 releva para efeitos dos limites à capacidade de endividamento dos municípios associados na parte que exceda o activo patrimonial da associação, de acordo com o critério legalmente definido para estes.

4- Para efeitos do disposto no número anterior, compete à assembleia intermunicipal deliberar sobre a forma de imputação dos encargos aos municípios associados, a qual carece do acordo expresso das assembleias municipais respectivas. 

5- A associação não pode contrair empréstimos a favor de qualquer dos municípios associados.

Artigo 23.º

Cooperação financeira

1- A associação pode beneficiar dos sistemas e programas específicos de apoio aos municípios, legalmente previstos, nomeadamente no quadro da cooperação financeira entre o Estado e as autarquias locais.

2- A associação pode estabelecer acordos, contratos-programa e protocolos com outras entidades, tendo por objecto a prossecução das suas atribuições e desde que não contrarie os respectivos estatutos. 

Artigo 24.º

Isenções fiscais

A associação beneficia das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.

Artigo 25.º

Relatório de actividades, balanço e conta de gerência

O relatório de actividades, balanço e conta de gerência são elaborados pelo conselho de administração e submetidos a aprovação da assembleia intermunicipal no decurso do mês de Março, devendo esta deliberar sobre eles no prazo de 30 dias a contar da sua recepção. 

Artigo 26.º

Apreciação das contas

1- Compete ao Tribunal de Contas apreciar e julgar as contas da associação.

2- Para os efeitos do disposto no número anterior, o conselho de administração deve enviar as contas respeitantes ao ano anterior nos prazos estabelecidos para as autarquias locais.

Capítulo V

Pessoal

Artigo 27.º

Quadro de Pessoal

1- A associação dispõe de quadro de pessoal próprio.

2- A associação pode recorrer, nos termos da lei, ao pessoal dos municípios associados, sem que daí resulte a abertura de vagas no quadro de origem.

3- A associação pode promover a contratação individual de pessoal técnico e de gestão.

Artigo 28.º

Encargos com o pessoal

1- As despesas com o pessoal relevam para efeitos do limite estabelecido na lei para as despesas com o pessoal do quadro dos municípios associados.

2- Para os efeitos do disposto no número anterior, compete à assembleia intermunicipal deliberar sobre a forma de imputação das despesas aos municípios associados, a qual carece de acordo das assembleias municipais dos municípios em causa.

Capítulo VI

Disposições finais e transitórias

Artigo 29.º

Recurso contencioso

As deliberações dos órgãos da associação e as decisões dos seus membros são contenciosamente impugnáveis nos mesmos termos das deliberações dos órgãos municipais.

Artigo 30º

Extinção da associação

1- A extinção da associação é comunicada, pelo município em cuja área esteve sediada, ao ministério da tutela.

2- A associação extingue-se pelo decurso do prazo, quando constituída temporariamente, ou por deliberação das assembleias municipais dos municípios associados, observando-se o número mínimo de municípios exigido no artigo 1.º para a sua manutenção.

3- Se os estatutos não dispuserem de forma diferente e sem prejuízo dos direitos de terceiros, o património existente é repartido entre os municípios na proporção da respectiva contribuição para as despesas da associação.

4- A distribuição do pessoal pelos municípios deve ter em conta os interesses das partes, sem prejuízo de se assegurar, em todos os casos, a conveniência da Administração.

5- Para efeitos do disposto no número anterior, os trabalhadores devem indicar, por ordem decrescente, os municípios em que preferem ser integrados, procedendo-se à respectiva ordenação em cada carreira ou categoria de acordo com a antiguidade na categoria, na carreira e na administração pública.

6- Na falta de acordo, nos termos dos números anteriores, e sem prejuízo do necessário acordo dos municípios associados, o pessoal é repartido entre os municípios, na proporção da sua contribuição total e geral para as despesas da associação, através de lista nominativa aprovada pelo conselho de administração.

Artigo 31.º

Norma transitória

1- As associações existentes à data da entrada em vigor da presente lei devem adaptar os seus estatutos às suas disposições, no prazo de seis meses a contar da data da sua publicação.

2- O Decreto-Lei n.º 312/2007, de 17 de Setembro, que definiu o modelo de governação do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e dos respectivos programas operacionais é adaptado à presente lei, no prazo máximo de 60 dias a contar da data da sua publicação.      

Artigo 32.º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio.

 

 

Assembleia da República, em 8 de Abril de 2008

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