Intervenção de

Projecto de Lei nº 345/VIII, que altera a Lei nº 112/99, de 3 de Agosto (regime disciplinar das federações desportivas)<br />Intervenção do Deputado Bernardino Soares

Senhor Presidente, Senhores Deputados,Este debate não é apenas sobre a situação do registo de interesse dos árbitros das competições profissionais. É um debate em que está em causa toda uma linha de política desportiva dos governos do partido socialista de que o regime disciplinar das federações é apenas um episódio. É uma política desportiva que não tem qualquer perspectiva de fundo sobre a evolução do desporto português; sobre o fomento da prática desportiva; sobre a democratização de acesso ao desporto; nem sequer sobre o desporto de alta competição ou sobre o próprio desporto profissional.A política desportiva tem sido fundamentalmente a ausência dela. Porque o governo faz, isso sim, é a mera gestão mediática da intervenção em matéria de desporto, uma intervenção quase só assente na vontade incontrolável de se imiscuir nos terrenos do futebol profissional e pontuada por mais um ou outro grande evento, certamente com importância, mas que para o governo se resumem ao momento em que decorrem. Como se isto não fosse já suficiente assistimos a um corrupio de ministros e secretários de estado responsáveis pelo sector, o que não teria exagerada importância não fosse o facto de cada um ter como primeiro objectivo ter mais notoriedade do que o seu antecessor, nem que para isso seja preciso inventar uma nova legislação, prometer mais apoios para estádios ou dar palpites sobre matérias onde deveria estar calado.Acreditem que é por tudo isto que estamos hoje aqui. Porque foi assim que o governo propôs esta lei sobre o regime jurídico das federações desportivas. O PCP desde logo a apontou como mais uma exagerada intervenção em campos que deveriam no fundamental estar reservados para o campo associativo. Mais ainda, a proposta era feita para abranger todas as modalidades mas nitidamente a pensar no futebol profissional.E como aconteceu com outras medidas deste tipo isso levou a entorses e a soluções pouco acertadas para a generalidade das situações que é o mesmo que dizer para a generalidade das federações. Aconteceu ainda que se debatia muito na altura um famoso caso que envolvia um árbitro de futebol e que andava nas bocas do mundo. E o governo não se fez rogado e aproveitou a oportunidade. Utilizando a famosa táctica do leu-no-jornal-escreve-na-lei, logo se apressou a introduzir na proposta o tal registo de interesses para os árbitros das competições profissionais.O PCP manifestou a sua discordância com esta solução manifestamente excessiva logo no debate da especialidade. A vida veio provar que tínhamos razão. Por nós desejamos que todo o fenómeno desportivo, e em particular as competições profissionais se pautem pela mais absoluta transparência e seriedade. Mas esta solução do governo não garantia nada disso.A proposta de registo de interesses comete obviamente desde logo uma injustiça relativa ao atribuir essa obrigação apenas aos árbitros como se fossem estes os únicos intervenientes na competição e lançando uma anátema contra estes agentes desportivos. E a esta discriminação o governo foi insensível na ânsia de aproveitar a onda do momento.Aparentemente pois, a resposta simples e imediata a este problema seria o alargamento da obrigação de apresentação de registo de interesses a outros agentes desportivos. Mas quais? A todos?Esta é uma forma simplista de resolver o problema e que em bom rigor provavelmente não o resolverá. Certamente permitirá contudo descansar algumas consciências e preservar certas aparências. Foi por este caminho que o PS quis seguir, minorando é certo de alguma forma a situação de injustiça relativa, mas mantendo a filosofia em vigor. Aliás, olhando para o elenco de agentes sujeitos à apresentação de registos, apetece perguntar porquê estes e não outros e se com esta solução a transparência e a credibilidade do famoso "sistema" fica mais garantida. A verdade é que ninguém acredita que este alargamento mais ou menos "a olho" proposto pelo PS garanta mais transparência e credibilidade Para o PCP é preciso ir mais além e apreciar o problema com mais profundidade e ponderação. E sobretudo não cometer mais uma vez o mesmo erro do governo que está na origem de todo este imbróglio, isto é, não legislar em função do momento e dos condicionalismos conjunturais ou de sondagens telefónicas. E é esse o erro que o PS pretende cometer mais uma vez.Para o PCP a imposição de um regime de registo de interesses a uma determinada actividade, num país em que apenas os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos estão sujeitos a mecanismos semelhantes, e numa área de actividade onde não se vislumbram situações paralelas noutros ordenamentos jurídicos, não pode ser tomada de ânimo leve.Não podemos estar disponíveis para soluções facilitistas, de maquilhagem, que na realidade nada asseguram no que toca ao aumento de transparência e credibilidade e que a acrescer a isso introduzem mais normas estranhas e incoerentes na nossa legislação. Não aceitamos o caminho de mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma.Daí que a nossa proposta seja a mais ponderada e a que melhor assegura a coerência jurídica e política deste problema. Suspender o registo de interesses dos árbitros e promover um amplo e sério debate sobre a matéria, que não se circunscreva aos representantes das modalidades profissionais, e antes envolva diversos e diversificados intervenientes é a atitude certa que a Assembleia da República deve tomar neste momento. E por isso apelamos a todos os senhores deputados, e em essencial aos do PS, para que tomem esta questão na sua devida dimensão. E que connosco abram caminho à busca de uma solução mais justa e melhor ponderada. Esse é o serviço mais importante que a Assembleia da República pode prestar ao desporto nacional e ao nosso país.

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