Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 280/X - Administração Pública

Combate a precariedade na Administração Pública e garante aos trabalhadores o vínculo público de emprego

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Preâmbulo

A valorização do papel dos funcionários públicos na construção do Estado de Direito democrático é, ao mesmo tempo, um factor essencial de garantia dos direitos previstos na Constituição da República Portuguesa e de motivação e mobilização daqueles trabalhadores.

Com efeito, a realização plena da democracia, nas suas vertentes económica, social e cultural, exige ao Estado o cumprimento de funções sociais e a garantia de direitos, liberdades e garantias só possíveis de satisfazer com serviços públicos adequados e trabalhadores motivados e empenhados em dar resposta às exigências das funções que desempenham. Um dos elementos indispensáveis à motivação e empenho desses trabalhadores é precisamente o reconhecimento dos seus direitos e do seu estatuto de funcionários públicos.

Por outro lado, nas relações laborais que estabelece o Estado deve dar o exemplo de respeito pelos direitos dos trabalhadores. Esse exemplo passa não só pelo cumprimento da Lei mas também pela necessidade de reconhecer aos trabalhadores a dignidade que merecem e o contributo fundamental que dão para o bom funcionamento do Estado e a satisfação das necessidades da comunidade.

A realidade, no entanto, mostra que nem sempre é assim e que, por vezes, é mesmo o Estado a primeira entidade patronal a desrespeitar os direitos dos seus trabalhadores. Neste campo assume especial gravidade a situação de precariedade em que se encontram milhares de trabalhadores a quem é negado o estatuto de funcionário público apesar de desempenharem funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços. Estes trabalhadores são contratados a termo, em regime de avença ou tarefa ou em múltiplas outras formas, sendo muitas vezes o recurso aos designados “recibos verdes” a forma normal de documentar a despesa dos serviços.

Em situação semelhante encontram-se os trabalhadores sujeitos a contratos individuais de trabalho na Administração Pública. Este regime de vínculo laboral, apesar de mais estável que os referidos anteriormente, configura igualmente uma forma de precarização de trabalhadores a quem não são reconhecidos os mesmos direitos dos funcionários públicos apesar de desempenharem as mesmas funções. Veja-se, a este respeito, o exemplo dos milhares de trabalhadores não docentes das escolas que durante anos foram mantidos em contratos administrativos de provimento com a promessa de integração nos quadros de pessoal e afinal foram empurrados para contratos individuais de trabalho, com a perda de direitos correspondente.

Acrescenta-se ainda o facto de esta situação acarretar para o Estado encargos acrescidos, uma vez que incidem sobre esses postos de trabalho ónus e encargos inerentes a essas formas de contratação que não são exigíveis no caso de essas mesmas funções serem exercidas com vínculo público de emprego.

Estas situações de precariedade têm, portanto, na sua génese não só o desvirtuamento dos pressupostos legais que permitem a contratação de trabalhadores sem lhes conferir a qualidade de funcionários públicos, mas também a existência de figuras legais para esse efeito.

Esta realidade tem correspondência directa com as políticas dos sucessivos governos de ataque aos direitos dos trabalhadores e de destruição e desmantelamento dos serviços da Administração Pública com vista à sua entrega a privados. O caminho de precarização dos vínculos laborais seguido no sector privado e garantido pelas políticas de direita tem, ao longo dos anos, sido estendido à Administração Pública com total desrespeito pela Constituição, que prevê que ao exercício de funções públicas deve corresponder o vínculo adequado, ou seja, vínculo público.

Por entender que a construção da democracia exige a valorização da Administração Pública e dos seus trabalhadores, o PCP apresenta um Projecto de Lei que visa conferir a qualidade de funcionário público a todos os trabalhadores de serviços e organismos da Administração Pública com vínculos laborais precários e que desempenham funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços.

Entende o PCP que só com a dignificação, valorização e reconhecimento dos direitos dos funcionários ao dispor do Estado este pode cumprir plenamente as suas exigências e garantir a satisfação das necessidades da comunidade e dos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto e âmbito de aplicação

1 - A presente lei confere a qualidade de funcionário público a todos os trabalhadores que desempenhem funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços ou organismos, independentemente da situação contratual em que se encontrem, integrando-os nos respectivos quadros de pessoal.

2 - O regime previsto na presente lei aplica-se à administração central, regional e local e às entidades públicas empresariais.

3 – O disposto no número 1 não é aplicável às funções cujo conteúdo funcional seja incompatível com a qualidade de funcionário público.

Artigo 2.º
Administração regional e local e entidades públicas empresariais

Nos serviços ou organismos da administração regional e local ou das entidades públicas empresariais, as competências atribuídas pela presente lei ao dirigente máximo do serviço ou organismo são exercidas pelo órgão ou entidade a quem compete a gestão de pessoal.

Artigo 3.º
Regime de instalação

O disposto na presente lei é aplicável aos serviços ou organismos em regime de instalação, com as necessárias adaptações.
 

Artigo 4.º
Integração dos trabalhadores nos quadros de pessoal

1 - A integração dos trabalhadores nos quadros de pessoal dos serviços e organismos faz-se, sem prejuízo do disposto no artigo 7.º, no escalão 1 da categoria de ingresso das carreiras que correspondam às funções efectivamente desempenhadas, sem prejuízo das habilitações literárias e profissionais exigidas.

2 - Nos casos em que o interessado não possua as habilitações literárias ou profissionais adequadas às funções efectivamente desempenhadas, a integração é feita em categoria de ingresso na carreira em que se verifique o preenchimento do requisito habilitacional, cujo conteúdo funcional mais se aproxime daquele que vem sendo exercido.

3 - A habilitação literária poderá ser dispensada nas categorias de ingresso das carreiras dos grupos operário e auxiliar e para os trabalhadores agrícolas em que se exija a escolaridade obrigatória, quando se demonstre que a falta da habilitação literária não prejudica a sua capacidade de trabalho nas respectivas funções.

4 - Consideram-se automaticamente aditados aos quadros de pessoal em que não existam lugares suficientes aqueles que se mostrem necessários à execução do disposto na presente lei.

5 - Os serviços que não disponham de quadro de pessoal devem abrir os concursos necessários à integração dos trabalhadores, a qual se opera em situação de nomeação definitiva em mapas que deverão integrar o referido quadro.

6 - Os serviços assegurarão no agrupamento económico «Despesas com o pessoal», através de mecanismos legais em vigor, as dotações necessárias à satisfação dos encargos decorrentes da integração dos trabalhadores nos quadros de pessoal.

Artigo 5.º
Processo de integração

1 - A integração nos quadros de pessoal depende da aprovação em concurso.

2 - Os concursos necessários à integração dos trabalhadores nos quadros de pessoal são abertos independentemente da existência de vagas.

3 – Os trabalhadores abrangidos pelo presente diploma são opositores obrigatórios ao concurso aberto no respectivo serviço ou organismo para a categoria correspondente às funções que desempenham.
 

Artigo 6.º
Concursos

1 - Os concursos regem-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, ou pelos regimes especiais dos corpos e carreiras especiais em vigor, com as especialidades dos números seguintes.

2 - O dirigente máximo do serviço ou organismo procede à abertura de concurso para integração nos quadros de pessoal sempre que se verifique a existência de trabalhadores que exerçam funções que correspondam à satisfação de necessidades permanentes do respectivo serviço ou organismo e não tenham a qualidade de funcionários públicos.

3 – A decisão de não abertura de concurso por não se verificar a satisfação de necessidades permanentes do serviço ou organismo, consta de despacho devidamente fundamentado do dirigente máximo do respectivo serviço ou organismo.

4 – O concurso referido no número 1 é aberto:

a) oficiosamente, no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente lei; ou
b) a requerimento de qualquer trabalhador, no prazo de 30 dias após a apresentação do referido requerimento.

5 – Da decisão prevista no número 3 ou do incumprimento dos prazos previstos no número anterior cabe recurso.

6 - O aviso de abertura, acompanhado da lista provisória dos candidatos admitidos, é afixado em local a que todos os interessados tenham acesso e notificado por carta registada, com aviso de recepção, àqueles que se encontrem ausentes em serviço ou situação legalmente justificada.

7 - Todas as publicações no Diário da República são substituídas por afixação em local a que os interessados tenham acesso, sendo ainda aplicável o disposto na segunda parte do número anterior.

8 -  Até ao termo do prazo para reclamação da lista provisória, podem os candidatos apresentar quaisquer documentos ou outros elementos que entendam poder influir na apreciação das suas candidaturas.

9 - Só podem ser opositores a cada concurso os trabalhadores do respectivo serviço ou organismo que não tenham a qualidade de funcionário e desempenhem funções correspondentes à categoria para a qual o concurso é aberto.

10 - O método de selecção a utilizar é o de avaliação curricular, salvo regimes específicos previstos para carreiras ou corpos especiais.

11 - O desempenho das tarefas próprias do júri prefere sobre quaisquer outras, salvo em situações de urgência.

Artigo 7.º
Contagem do tempo de serviço

1 - O tempo de serviço efectivamente prestado, até à nomeação definitiva, pelos trabalhadores aprovados nos concursos a que se refere a presente lei, releva para efeitos de aplicação do regime de faltas, férias e licenças, de progressão na categoria, promoção na carreira, aposentação e sobrevivência.

2 - O disposto no número anterior é ainda aplicável, sempre que resulte situação mais favorável, aos trabalhadores que, tendo desempenhado funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços anteriormente à data de entrada em vigor do presente diploma, foram, entretanto, integrados no quadro por concurso ou venham a sê-lo na sequência de concurso já aberto.

3 – Não são abrangidos os funcionários que já beneficiaram do processo de regularização previsto pelos Decretos-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro e 195/97, de 31 de Julho.

4 – Os efeitos da contagem do tempo de serviço deverão ser averbados no termo de posse.

5 - O disposto nos números anteriores não confere, em caso algum, o direito à percepção de retroactivos.

Artigo 8.º
Estágio

1 – Os trabalhadores abrangidos pela presente lei são dispensados da frequência de estágio para ingresso nas carreiras em que aquele é legalmente exigido.

2 – Os trabalhadores que, à data de entrada em vigor da presente lei, se encontrem a frequentar estágio para ingresso na carreira, ou que venham a frequentá-lo na sequência de concurso anteriormente aberto, e que haviam desempenhado as respectivas funções por tempo igual ou superior ao da sua duração são igualmente dispensados da frequência de estágio.

Artigo 9.º
Vigência dos contratos

1 - Os contratos dos trabalhadores abrangidos pela presente lei consideram-se prorrogados, independentemente de quaisquer formalidades, até:

a) À aceitação da nomeação, após aprovação em concurso;
b) À data da conformação, no processo de concurso, de acto definitivo e executório que exclua o candidato do provimento no lugar do concurso.

2- Os contratos referidos no número anterior são resolvidos nas datas nele referidas, não havendo lugar a indemnização ou qualquer compensação sempre que ocorra a situação prevista na alínea a) do número anterior.

Artigo 10.º
Responsabilidade

Os dirigentes máximos dos serviços e organismos da Administração Pública que não cumpram o disposto no presente diploma, designadamente os prazos e todas as restantes formalidades, são responsáveis civil e disciplinarmente pelo incumprimento e ficam ainda obrigados à reposição nos cofres do Estado dos abonos indevidamente processados e pagos.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

1 - A presente lei entra em vigor 5 dias após a sua publicação.

2 – A progressão na categoria, nos termos da presente lei, que implique aumento da despesa pública, só produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007.

 

Assembleia da República, em 23 de Junho de 2006

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