Projecto de Lei N.º 481/XII 3.ª

Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública

Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública

Exposição de Motivos

I

O recurso ilegal à precariedade para suprir necessidades permanentes dos serviços públicos tem sido a opção política de sucessivos governos PS, PSD e CDS desde há vários anos.

Esta opção política radica numa estratégia de desvalorização do trabalho, generalização da precariedade, redução dos custos do trabalho, agravamento do desemprego, encerramento e privatização de serviços públicos, destruição das funções sociais do Estado conforme consagrado na Constituição.

No nosso país existem milhares de trabalhadores em escolas, centros de saúde, hospitais que, desempenhando funções permanentes têm vínculos contratuais precários, tais como «falsos recibos» verdes, contratos a termo, Contratos Emprego-Inserção, trabalho temporário, contratos de prestação de serviços, regime de horas, entre outros.

Esta situação é inaceitável, com a agravante de ser o próprio Estado a dar o pior exemplo. Por inúmeras vezes o PCP propôs, através de diferentes iniciativas legislativas, a reposição da legalidade destes vínculos contratuais sob o princípio de que a um posto de trabalho permanente para o cumprimento de necessidades permanentes, corresponda um vínculo efetivo.

A Lei n.º 12-A/2008 estabelece que, sendo insuficiente o número de trabalhadores em funções o órgão ou serviço competente promove o recrutamento dos necessários à ocupação dos postos de trabalho em causa. Determina ainda que esse recrutamento, «para ocupação dos postos de trabalho necessários à execução das atividades, opera -se com recurso à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado, exceto quando tais atividades sejam de natureza temporária, caso em que o recrutamento é efetuado com recurso à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo determinado ou determinável.»

De facto, os milhares de assistentes operacionais, professores, técnicos especializados de apoio aos alunos com necessidades especiais, enfermeiros das unidades hospitalares não se encontram em situação de substituição direta ou indireta de outros trabalhadores; não se encontram a assegurar necessidades urgentes, mas permanentes dos serviços; não se encontram em execução de tarefas ocasionais; não se encontram em estruturas temporárias; não estão a fazer face ao aumento excecional e temporário da atividade do órgão ou serviço; nem a desenvolver projetos não inseridos nas atividades normais dos órgãos ou serviços.

Por tudo isto, a contratação que sucessivos governos têm feito – em especial o anterior Governo PS e o atual Governo PSD/CDS – está a violar a legislação existente e a atentar contra os direitos e a dignidade dos trabalhadores.

Tomemos como exemplo o ano letivo 2011/2012: faltavam mais de 5.000 funcionários nas escolas, tendo sido abertos procedimentos concursais a nível nacional para a ocupação de 1.703 lugares assistentes operacionais a termo resolutivo e em regime de trabalho a tempo parcial (1h, 2h, 3h, 4h, 5h por dia) a 3€/hora. Só na segunda quinzena de Agosto 2011, mesmo antes do início do ano letivo, foram abertos procedimentos concursais para ocupação de 720 postos de trabalho. A 31 de Dezembro de 2011 terminaram cerca de 1620 contratos de funcionários, e em Outubro terminaram 79 em mais de 300 escolas e jardins de infância.

De acordo com a denúncia feita à altura pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, desde 12 de Agosto até 10 de Outubro de 2012, foram abertos 428 concursos para 2019 vagas; revelando bem que são evidentemente para preenchimento de necessidades permanentes das escolas.

Importa referir ainda que a grande maioria dos trabalhadores com contrato a tempo parcial, à hora, tem o seu reduzido horário de trabalho dividido durante todo o período de funcionamento dos estabelecimentos de ensino, o que cria uma grande instabilidade na sua vida pessoal e profissional, configurando um autêntico regime de escravatura moderna e total disponibilidade para a entidade empregadora a troco de salários miseráveis.

Também o recurso aos contratos “Emprego-Inserção” (CEI’s) tem provado que não serve a qualidade da Escola Pública nem a vida destas pessoas. Estes trabalhadores encontram-se em situação de desemprego, e durante um período máximo de 12 meses de contrato dão resposta a necessidades permanentes das escolas, garantindo o seu normal funcionamento, sendo que terminado esse período não podem continuar nas escolas.

A precariedade laboral é uma praga social que atinge mais de 1 milhão e 500 mil trabalhadores, sobretudo jovens e mulheres a viver sempre na intermitência do emprego sem direitos e do desemprego.

A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho. A precariedade laboral é assim um fator de instabilidade e injustiça social e simultaneamente um obstáculo ao desenvolvimento económico do país.

O combate à precariedade laboral e ao trabalho não declarado e ilegal deve constituir uma política do Estado, como constituiu o combate ao trabalho infantil que não tendo sido eliminado, foi claramente reduzido.

Uma política do Estado que abranja as mais diversas áreas e estruturas, a começar desde logo pela Administração Pública, e por isso mesmo, o PCP apresenta o presente projeto de lei, com os seguintes objetivos:

1- Realização de uma auditoria a toda a Administração Pública para levantamento completo das situações de recurso a contratação precária;

2- Determinados os resultados da auditoria, o Governo está obrigado a abrir um lugar no mapa do pessoal e a realizar concurso público para o seu provimento;

3- Assegurar o normal funcionamento dos serviços públicos em condições adequadas para responder às necessidades das populações.

Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei define o Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública, tendo como objetivos a concretização de uma política nacional de prevenção e combate à precariedade, visando a defesa e a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.

Artigo 2.º
Âmbito

1 – A presente lei aplica-se a todas as entidades, serviços, organismos da administração direta e indireta do Estado.

2 - A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas.

3 – A presente lei é ainda e nomeadamente aplicável:

a) Às empresas do setor público empresarial, às empresas públicas, às empresas participadas e às empresas detidas, direta ou indiretamente, por quaisquer entidades públicas estaduais, nomeadamente as dos setores empresariais regionais e locais;

b) Aos institutos públicos de regime comum e especial;

c) Às pessoas coletivas de direito público, dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas da regulação, supervisão e controlo, incluindo as entidades reguladoras independentes.

Artigo 3.º

Auditoria obrigatória de levantamento de situações de precariedade laboral na Administração Pública

1 – O Governo, no prazo máximo de seis meses após a aprovação da presente lei, deverá realizar uma auditoria a toda a Administração Pública com o objetivo de ser elaborado um levantamento completo das situações de recurso a contratação precária na Administração Pública.

2 – A auditoria deverá abranger todas as entidades, organismos e serviços referidos, expressa ou implicitamente, no artigo anterior.

3 – Serão elementos necessários e obrigatórios da auditoria:

a) O levantamento de todas as situações de recurso a contratos de prestação de serviços e de comissão de serviços, bem como a descrição das condições em que estes são prestados, especialmente:

i. Qual a concreta prestação, tarefa e função desempenhada;

ii. Qual a duração temporal do contrato e a existência ou não renovações ou prorrogações;

iii. Quais os antecedentes naquela prestação, tarefa ou função, nomeadamente saber de que forma era assegurado o seu cumprimento em momento anterior ao contrato em análise;

b) O apuramento de todos os “Contratos de Emprego - Inserção” que existem atualmente na Administração Pública, qual a sua duração e qual a prestação laboral efetuada pelo trabalhador;

c) Uma listagem de todos os vínculos de trabalho precários existentes na Administração Pública, independentemente da forma de contratação concretamente utilizada, incluindo a apreciação das circunstâncias em que foram celebrados, as condições acordadas, a sua duração e o histórico de cumprimento da prestação, tarefa ou função anterior à celebração do contrato precário.

Artigo 4.º
Noção e Conceitos

1 – Para efeitos da presente lei é considerado como precário todo o vínculo que, visando o estabelecimento de uma relação laboral pública para o suprimento de necessidades não transitórias da entidade, serviço e organismo, não seja celebrado através de vínculo público de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas.

2 - Para aferir do caráter não transitório da necessidade referida no número um, serão elementos relevantes e obrigatoriamente tidos em conta para o efeito, os elementos especificados no número três do artigo terceiro, nomeadamente os que dizem respeito à duração, prorrogação, renovação e histórico de antecedentes contratuais no desempenho da concreta prestação, tarefa ou função.

Artigo 5.º
Dever de Cooperação

1 - Todas as entidades, serviços e organismos públicos têm o dever de cooperar com a realização da auditoria referida no artigo anterior, em ordem à prossecução dos seus fins, designadamente facultando todas informações a que tenham acesso e que esta solicite no âmbito das suas competências.

2 – O incumprimento do dever acima descrito gera a responsabilidade disciplinar do dirigente responsável pela entidade, serviço ou organismo.

Artigo 6.º
Publicação obrigatória

É de publicação obrigatória, disponível para consulta pública, os resultados e conclusões que resultem da realização da auditoria.

Artigo 7.º
Conversão do vínculo precário

1 - Uma vez determinados os resultados da auditoria e havendo a constatação de que as situações identificadas de recurso a contratos de prestação de serviços, de comissão de serviços ou a outras formas precárias de contratação, correspondem ao desempenho de necessidades não transitórias da entidade, serviço ou organismo, o Governo está obrigado a abrir um lugar no mapa do pessoal e a realizar concurso público para o seu provimento.

2 – O prazo para o cumprimento dos deveres impostos ao Governo pelo número anterior é de seis meses a contar da data publicação dos resultados e conclusões resultantes da auditoria realizada.

3 - No concurso público o Governo deve estabelecer como um dos critérios para a seleção, a experiência profissional no desempenho das prestações, tarefas ou funções que o lugar a preencher comporta, devendo ser especialmente valorizada a experiência do trabalhador que anteriormente desempenhava aquelas atribuições através dum vínculo precário.

Artigo 8.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor trinta dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 20 de dezembro de 2013

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