Intervenção de

Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia - Intervenção de Honório Novo Na AR

Debate com o Primeiro-Ministro sobre a apresentação do Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia  

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Deputados:

Para além de lamentáveis e inéditos incidentes, este debate mostrou o que poderia ser mas, infelizmente, não será a Presidência portuguesa da União Europeia. Podia ser a Presidência em que as taxas de juro parassem de subir, em que o Banco Central Europeu passasse a servir os interesses da coesão, passasse a influenciar e a motivar positivamente o crescimento económico e o emprego, em vez de prosseguir orientações de «financeirização» da economia e de contenção obsessiva e única da inflação.

A Presidência portuguesa poderia também ser, mas não é nem será, uma Presidência em que se prestasse atenção especial às condições específicas com que se debatem os países menos desenvolvidos ou mais periféricos da União. Poderia ser a Presidência que colocasse na ordem do dia a necessidade de alterar o Pacto, para permitir maiores níveis de investimento de qualidade e condições reforçadas de recuperação dos atrasos dos países menos desenvolvidos.

O Governo português mostrou aqui que não quer que a União Europeia mude de paradigma, altere as suas políticas para favorecer os povos e promover a coesão.

As preocupações do Governo são outras: no fundamental e no essencial, são as de servir, como aluno fiel e bem comportado, o roteiro para um novo tratado, dito ou não constitucional ou, agora, renovador, servindo de tabelião para dar corpo às pretensões do directório de potências dessa mesma União. São opções políticas, opções más, opções que prejudicam Portugal, que prejudicam os portugueses, mas que também prejudicam os europeus. São, por isso, opções que vão continuar a merecer, da parte do PCP, antes, durante e depois da Presidência portuguesa, a mesma firme oposição e a mesma clara denúncia.

Sejamos claros e frontais: o melhor serviço que podemos prestar a Portugal é continuar a lutar pelo que julgamos ser melhor para os portugueses e para a Europa e que o Governo deixa, intencionalmente, fora da agenda e da discussão europeia durante a sua Presidência.

Uma última palavra, em jeito de conclusão, quanto ao referendo sobre o futuro tratado.

Relativamente a isto, Sr. Primeiro-Ministro, aconselho-o a ler o artigo 295.º da Constituição e o seu sentido político, mas, por favor, não «assobie para o ar», não faça de conta que não sabe, pois já todos o sabemos, que o próximo tratado levará tudo o que estava no outro projecto menos algumas migalhas.

Pode bem o Sr. Primeiro-Ministro dizer o que quiser, mas, se Portugal não realizar o referendo, o senhor estará não só a faltar a mais um compromisso eleitoral - e a isto até já estamos bem habituados - como também a dar mostras de um desprezo profundo e de uma falta de respeito clara pela opinião do povo português.

Sejamos claros, Sr. Primeiro-Ministro: o que o leva a fugir do referendo como o diabo da cruz não é o haver ou não haver, desde já, formalmente, um tratado, mas, antes, os seus compromissos, bem transcritos no El País, de 24 de Junho, pela voz do Primeiro-Ministro espanhol, e que passo a reproduzir:

«Evitar os referendos é um objectivo declarado dos governos europeus que impulsionaram esta reforma, convencidos de que um novo ‘Não' ampliaria a crise até limites insuportáveis e poria em sério risco o futuro da integração europeia».

É por isto, Sr. Primeiro-Ministro, por tudo isto que os senhores mostram um pavor de morte perante o voto popular sobre o tratado europeu. Isto é uma verdadeira conspiração política e um golpe político contra os povos e as nações da União!

Um golpe, Sr. Primeiro-Ministro, que parece já ter tradução política com a anunciada - há poucos minutos - intenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros holandês de não fazer um referendo porque as alterações de Bruxelas respondem às questões suscitadas pelos holandeses quando chumbaram o projecto.

Esta é a interpretação do «não» holandês feita por alguém que não quer o referendo. Estamos, portanto, Sr. Primeiro-Ministro, perante uma enorme fraude política em que, pelos vistos, e se dela não se demarcar suficientemente, parece também empenhado, quando não assume aqui, e hoje, compromissos claros quanto ao referendo sobre o tratado em Portugal, quando ele existir,  no fim do ano.

 

 

 

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