Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Processo de orçamentação de base zero para o ano de 2012

Estabelece o processo de orçamentação de base zero para o ano de 2012
(projecto de lei n.º 436/XI /2.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Louçã,
Em tese, e não meramente do ponto de vista académico, a ideia de elaborar um orçamento do Estado base zero constitui, em princípio, uma metodologia, e apenas uma metodologia, de preparação do Orçamento, que conduz, ou pelo menos pode conduzir, a uma avaliação criteriosa de recursos, de meios, ao melhor estabelecimento de prioridades, determinando, ou podendo determinar, um combate mais eficaz ao desperdício, uma poupança de despesas e
a libertação de recursos para cumprir as finalidades sociais e económicas do Estado.
Neste contexto, a iniciativa do Bloco de Esquerda é obviamente meritória.
Suscita, porém, algumas questões e problemas relevantes que não podemos ignorar. Uma delas, não podia eximir-me a repeti-la, tem a ver com uma questão que já foi colocada sobre o enquadramento da iniciativa face à Lei de Enquadramento Orçamental e às obrigações constitucionais daí decorrentes.
Não entendo bem por que é que, sendo meritória esta iniciativa, ela não afronta directamente o cerne do problema, isto é, por que é não visa alterar directamente a Lei de Enquadramento Orçamental, impedindo que a iniciativa do BE, sob forma autónoma, possa estar condenada, à partida, face a eventuais conflitos com a Constituição e com a Lei de Enquadramento Orçamental, que, aliás, o próprio Bloco de Esquerda, na exposição de motivos, reconhece puderem existir, porque diz que esta iniciativa é articulável com a Lei de Enquadramento Orçamental.
Portanto, quero, colocar-lhe, à partida, esta observação, que, aliás, já debateu, mas quero reparti-la por me parecer importante.
A questão fundamental que lhe quero colocar, nesta fase, entre outras, tem a ver o teste de vida, a prova de vida das experiências mundiais desta metodologia.
Ao que se sabe, esta metodologia foi lançada nos Estados Unidos, numa empresa multinacional, no final da década de 60, e, ao que se sabe também, foi adoptada em alguns estados americanos, em menos de metade dos orçamentos dos estados americanos.
Sabemos que é uma metodologia que tem cerca de 40 anos de vida mas ninguém mais, ao que sabemos, a implementou nos seus orçamentos. Por exemplo, na Europa, não há qualquer caso de adaptação integral desta metodologia, mas há casos de provada eficiência, de provada avaliação de recursos e até de eficiência reconhecida, que permite aproveitar, com melhor rentabilidade, meios do Estado para o plano social e para o plano económico do que os citados exemplos dos Estados Unidos — julgo que estará de acordo com isso.
A questão é esta: não temos a certeza — e gostaríamos de saber a sua opinião sobre isso — de que o orçamento de base zero, porque é um instrumento, possa impedir por si só o descalabro das contas públicas a que assistimos neste momento em Portugal, ou possa impedir a opacidade total e a manipulação total da execução orçamental a que assistimos. Não é seguramente através deste sistema, mas gostava de ouvir a sua opinião sobre isto.
Neste contexto e por causa destes condicionalismos, quero colocar-lhe uma outra questão relacionada com estas.
Considera o Bloco de Esquerda exequível propor que o Orçamento do Estado para 2012 já possa ser elaborado a partir de uma base zero? Considera isto exequível, credível, no nosso País, em 2010 e 2011?
É esta a questão que lhe coloco.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
É verdade que a elaboração do nosso Orçamento do Estado utiliza processos e metodologias que não permitem combater eficazmente o desperdício e gerar poupanças adequadas para libertar meios que permitam desenvolver as prioridades essenciais do Estado, as quais, naturalmente, se devem centrar no adequado e eficiente funcionamento dos serviços
públicos e nas respostas às exigências constitucionais nas áreas da educação e da formação, da saúde e da segurança social e da justiça e segurança individual e colectiva dos cidadãos.
É verdade que a elaboração de um orçamento de base zero, não obstante constituir um método muito pouco utilizado de forma integral, pode permitir, em princípio, a obtenção expedita daqueles objectivos.
Mas também é verdade que qualquer forma de elaboração de orçamentos do Estado constitui um mero instrumento — e esta questão tem a ver com os comentários do Deputado Francisco Louçã à questão que lhe coloquei —, que pode ser bem ou mal utilizado, pode ser melhor ou pior fiscalizado no seu comprimento, pode ou não ser auditado e avaliado, de forma a garantir ganhos de eficiência, poupanças adicionais e a obtenção de meios excedentários para responder às necessidades e funções sociais do Estado.
Em Portugal, por exemplo, andamos há cerca de 10 anos — sublinho 10 anos — a tentar que os
sucessivos governos cumpram a lei que obriga à aplicação do Plano Oficial de Contabilidade Pública, mas, em Portugal, os governos fogem, «como o Diabo da cruz», de implementar um plano único de contabilidade, que, a existir, por si só permitiria uma detecção atempada de ineficiências e de custos ocultos.
Mas a verdade é que, não obstante o Tribunal de Contas assinalar repetidamente este facto, este Governo só admite cumprir a lei lá para 2013, isto é, só em 2013 é que admite garantir que toda a administração tenha uma contabilidade única e compatível.
Em Portugal — e este é outro exemplo —, andamos há cerca de três ou quatro anos a tentar implementar um orçamento plurianual por programas e só agora estamos na fase rudimentar da sua concretização, como bem assinala o Bloco de Esquerda na sua exposição de motivos.
Mas, apesar disto, nada garante que, quando tudo isto atingir a «velocidade de cruzeiro», as poupanças em desperdício sejam eliminadas e uma avaliação rigorosa passe a ser a regra e não a excepção.
Em Portugal — ainda um outro exemplo —, foram criados os designados controladores financeiros (suponho que ainda se lembram!) nos diversos ministérios, uma espécie de antena do Ministério das Finanças nos outros ministérios. Só que nem eles conseguiram — nem era para conseguirem, nós bem sabemos — impedir o verdadeiro descalabro em que se transformaram as contas públicas, por exemplo neste ano, e a verdadeira «anedota» política de uma execução orçamental completamente adulterada.
Por isso, podemos até mudar tudo ou quase tudo, quando e se for o momento; podemos mudar tudo, mesmo que ainda não tenhamos suficiente experiência adquirida na orçamentação de programas ou na contabilidade única em toda a administração; podemos até introduzir a novel elaboração do orçamento de base zero, uma ideia que, repito aqui, merece ponderação, como disse, mas a verdade é que, sendo esta fórmula também um instrumento, não estarão necessariamente garantidas, à partida, as condições para a obtenção dos resultados que, pelo menos, no discurso — e eu quero crer que todos somos genuínos —, todos dizemos esperar e desejar.
É fundamental, na nossa opinião, para além dos instrumentos, sejam eles quais forem, que haja
transparência garantida, informação credível, rigorosa, atempada e verificável e meios políticos e técnicos externos de permanente e obrigatória avaliação e fiscalização sobre a elaboração do Orçamento e sobre a forma como ele é ou não executado — e esta é uma competência e uma atribuição desta Casa onde estamos a debater este assunto —, que devem ser plena e permanentemente garantidos (e não o são, estão longe de o ser, aqui, em sede parlamentar) e exercidos, para além das fórmulas ou das vias legais instrumentais da própria elaboração do Orçamento do Estado.
É aqui, seguramente, que reside a via de impedir ou de permitir que os instrumentos de elaboração do Orçamento tornem eficaz a sua aplicação, transformem em verificáveis as metodologias usadas e garantam o objectivo que todos queremos garantir, que é a obtenção de meios disponíveis para cumprir as funções sociais do Estado.

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