Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Procede à terceira alteração à Lei n.º 63-A/2008, de 24 de Novembro, que estabelece medidas de reforço da solidez financeira das instituições de crédito

...no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira e da disponibilização de liquidez nos mercados financeiros

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Ontem o Ministro das Finanças afirmou, nesta Assembleia, que às medidas restritivas deste Orçamento «não haverá excepções». O Ministro das Finanças deve ter-se esquecido certamente de que vinha hoje ao Parlamento debater a entrega de um montante 12 mil milhões de euros à banca e assim desmentir todo o seu discurso hipócrita da «ética social na austeridade».
Hoje, ao fim de hora e meia de debate, nem Governo, nem PSD, nem CDS, nem PS ainda falaram de austeridade, porque hoje não há austeridade. É para entregar dinheiro à banca, acabou-se a austeridade no discurso do Governo!
Enquanto se cortam mais de 2000 milhões de euros em salários e reformas; enquanto se aumenta o IVA, incluindo em bens essenciais, em mais de 2000 milhões de euros; ao mesmo tempo que se cortam 1000 milhões de euros na saúde e mais de 1500 milhões de euros na educação, o Governo prepara-se para entregar 12 000 milhões de euros à banca privada.
Ao mesmo tempo, avança com medidas em relação aos direitos dos trabalhadores, em que só o aumento de meia hora de trabalho por dia significa a transferência de mais de 7000 milhões de euros dos trabalhadores para o capital.
Afinal sempre há excepções aos sacrifícios…! A banca e os grandes grupos económicos estão sempre isentos, são sempre beneficiados pelos governos e são beneficiados por este Governo.
Estamos perante a mesma lógica da desastrosa operação BPN, em que se nacionalizaram os prejuízos e se mantiveram os activos e os lucros nos accionistas privados.
Desta vez a banca privada precisa de se recapitalizar, mas, em vez de o fazer por via dos seus accionistas, é o Estado que se endivida para proceder a essa recapitalização.
Ano após ano os bancos privados amealham lucros fabulosos, beneficiando de escandalosas taxas efectivas de imposto.
Distribuem esses dividendos pelos seus accionistas proporcionando ganhos de centenas de milhões, sempre convenientemente sedeados em paraísos fiscais ou afins. Mas, chegada a hora de injectar capital, os banqueiros, os accionistas ficam isentos: o Estado que pague! O Estado que pague!!
Talvez, hoje, o Ministro das Finanças tenha o pudor de não utilizar a demagógica e mentirosa frase de que «os portugueses têm vivido acima das suas possibilidades». Os portugueses não têm vivido acima das suas possibilidades; em muitos casos, o que têm é vivido abaixo das suas necessidades, enquanto a banca aferrolha lucros em cima de lucros!!
Foi a banca, não os portugueses, quem fomentou uma política de generalização do crédito, aproveitando em seu favor a baixa das taxas de juro e ajudando, assim, à política de contenção e diminuição real dos salários, designadamente na última década.
A banca emprestou cada vez mais, financiando-se no estrangeiro a taxas mais baixas e acumulando lucro fácil e rápido. Depois beneficiou desse negócio chorudo que foi o de
emprestar dinheiro aos Estados, incluindo o português, financiando-se a 1% no Banco Central Europeu e cobrando 5, 6 e 7% ou mais aos cofres públicos, ao mesmo tempo que secava o financiamento à nossa economia, designadamente às pequenas empresas!
Não, Srs. Membros do Governo, os portugueses não vivem na sua maioria acima das suas possibilidades! Os bancos e os seus accionistas é que vivem acima e, sobretudo, em cima dos nossos direitos e das nossas necessidades!!
Com o patrocínio do PSD, do CDS e do PS — que, nestes momentos, também diz sempre «presente»! —, o que está aqui em causa é uma gigantesca transferência de recursos para o capital financeiro, recursos esses que são dos povos e que os governos entregam aos bancos. Não
pode ser! Quem ficou com os lucros que pague a factura da recapitalização!
Foi por isso que a Caixa Geral de Depósitos foi excluída da possibilidade de recorrer a estes fundos: para não interferir nem beneficiar dessa transferência de capital!!
Mais: a Caixa Geral de Depósitos, como vai ter também de se recapitalizar (ao que, aliás, não é alheio o «buraco» do BPN, que teve em parte de assumir), será obrigada a vender alguns dos seus maiores activos, como o sector segurador, que cairão, certamente, no regaço de algum grupo financeiro nacional ou estrangeiro…!
Estes 12 000 milhões de euros seriam bem empregues, isso sim, se fossem aplicados na Caixa Geral de Depósitos, para o apoio à economia e, em concreto, às micro, pequenas e médias empresas.
Se assim fosse, o Ministro das Finanças talvez não tivesse de vir aqui reconhecer o aprofundamento da recessão, como ontem fez e, provavelmente, terá de fazer outras vezes no
futuro.
Mas o Governo não quer só entregar os 12 000 milhões. A toque de caixa dos banqueiros, quer entregá-los nas melhores condições possíveis, para a banca, claro! O que é hoje aqui apresentado é um verdadeiro «cheque em branco» que o Governo se prepara para obter da Assembleia da República.
O Governo já garantiu que o Estado será um accionista passivo, isto é, põe o dinheiro, mas não toca na gestão. E, entretanto, continuam por definir muitas das condições essenciais deste escandaloso negócio.
Por outro lado, preparam-se, certamente, soluções no sentido de os bancos pouco ou nada pagarem pelo empréstimo, que, por sua vez, o Estado paga «com língua de palmo» ao FMI e à União Europeia. Aliás, deve estar em curso um negócio em dois tabuleiros em simultâneo, tendo em conta a carência em que o Governo se colocou relativamente à integração dos fundos de pensões da banca, que se traduzirá, certamente, num encargo acrescido para a Segurança Social e, eventualmente, na perda de direitos dos trabalhadores bancários.
Passamos a vida a ouvir dizer que temos de aceitar as condições da tróica, porque eles é que nos emprestam o dinheiro, mas agora, para entregar milhões à banca, quem decide já não é quem empresta mas, sim, quem recebe: «Ricardo Salgado & C.ª L.da»!!
Hoje mesmo foi noticiado que a Segurança Social está a chamar cerca de um milhão de beneficiários do abono de família e do subsídio social de desemprego para provarem que têm
direito a eles. Aí está a «ética» deste Governo: quem é pobre, quem é trabalhador está sempre sob suspeita!
Para o capital, para a banca e o sector financeiro todas as facilidades para a entrega de 12 000 milhões!!
É também por isto que se fará a greve geral na próxima quinta-feira: contra uma política de destruição nacional que agrava as desigualdades, contra o saque dos recursos nacionais, o saque do dinheiro do povo, o saque da riqueza do País!!

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