Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro

(proposta de lei n.º 38/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A habitação é um direito ou uma mercadoria? Para o Governo e a maioria parlamentar que o suporta, a habitação é uma mercadoria.
Por isso, no preâmbulo da proposta de lei sobre arrendamento urbano, o Governo estabelece como objetivo a criação de um «verdadeiro mercado de arrendamento», um mercado onde a habitação possa ser transacionada livremente, de acordo com as sacrossantas leis do mercado. Quem tiver meios financeiros, arrendará, neste mercado, uma habitação condigna; quem não tiver esses meios, terá de se contentar com uma habitação sem condições ou ficar mesmo sem um local onde viver.
Da concretização deste mercado de arrendamento — não tenhamos dúvidas! — resultará a negação do direito à habitação.
Como peça central neste «verdadeiro mercado de arrendamento», o Governo pretende implementar um procedimento especial de despejo, célere e eficaz, que permitirá, por exemplo, expulsar da sua habitação um inquilino que, por se encontrar numa situação de fragilidade económica, resultante da política seguida por este e anteriores Governos, se atrase oito dias no pagamento da renda quatro vezes no decurso de um ano.
Esta é uma verdadeira lei dos despejos, de cuja aplicação resultarão milhares de despejos sumários, particularmente de famílias mais carenciadas.
Não se resignando com esta iníqua intenção do Governo e da maioria parlamentar, o PCP avocou para Plenário a votação de duas propostas que visam eliminar o procedimento especial de despejo, recolocando este processo novamente na esfera dos tribunais, onde os direitos e garantias da parte mais frágil num processo de despejo — o inquilino — se encontram salvaguardados.
Avocamos também para Plenário duas propostas que visam proteger os inquilinos mais carenciados economicamente, os inquilinos com 65 ou mais anos de idade e os inquilinos com deficiência. Estas propostas do PCP, se fossem aprovadas, garantiriam a estes inquilinos o direito a continuarem nas suas habitações e ainda que qualquer atualização das suas rendas fosse sempre faseada no tempo.
A aprovação das propostas do PCP traria maior proteção aos cidadãos mais carenciados e fragilizados, já tão sacrificados pelas políticas governamentais, implementadas ao abrigo do Memorando da troica, verdadeiro pacto de agressão contra Portugal e os portugueses.
Voltando à pergunta inicial: a habitação é um direito ou uma mercadoria? Para o PCP, esta pergunta tem uma resposta inequívoca: a habitação é um direito, devendo o Estado, através das suas políticas, assegurar que todos os cidadãos dispõem de uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
Este é um objetivo perfeitamente alcançável nas condições atuais, já que em Portugal existem mais habitações do que agregados familiares.
Mesmo descontando as habitações degradadas, continuaria a ser possível fazer corresponder uma habitação condigna a cada agregado familiar.
É por este objetivo — habitação condigna para todos os portugueses — que temos lutado, é por este objetivo que continuaremos a lutar.
(…)
(declaração de voto)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O direito à habitação e a sua concretização, através de adequadas políticas promovidas pelo Estado, assim como o apoio ao pequeno comércio tradicional e às coletividades de cultura e recreio, ocupam um lugar central nas preocupações do PCP em qualquer discussão sobre o arrendamento urbano e a reabilitação urbana.
O Governo e a maioria parlamentar que o suporta não partilham, contudo, desta preocupação. A sua intenção, com a proposta de lei das rendas, é, declaradamente, a de criar um verdadeiro mercado de arrendamento, do qual resultará a negação do direito à habitação, o despejo sumário de milhares de famílias, particularmente as mais carenciadas, o despejo de centenas de coletividades, o encerramento de inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais.
Na sua proposta, o Governo dedica uma grande atenção aos despejos, alargando as situações em que estes podem ser concretizados e criando um novo procedimento especial de despejos destinado a expulsar os inquilinos das suas habitações, de uma forma célere e eficaz.
É, pois, justo dizer que a proposta de lei, do Governo, pelo seu objetivo e conteúdo, é uma verdadeira lei dos despejos.
A lei do arrendamento urbano levará a aumentos substanciais dos valores das rendas, constituindo mais um fator de instabilidade social, que se traduzirá no aumento da pobreza e desemprego, no volumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias, igualmente significativo de casos de exclusão extrema.
A propaganda governamental esforça-se por fazer passar a ideia de que os inquilinos mais idosos, com deficiência ou economicamente carenciados, estão protegidos na presente proposta de lei. Esta propaganda não tem qualquer correspondência com a realidade, constituindo apenas um fator de diversão, face à natureza desumana e brutal desta legislação.
Também o pequeno comércio tradicional, que hoje dá vida aos bairros antigos das nossas cidades e vilas, será profundamente afetado. Ignorando as especificidades deste setor, a lei do arrendamento agravará as condições em que se envolve o exercício da sua atividade e lançará no desemprego milhares e milhares de trabalhadores.
As propostas de lei do Governo PSD/CDS sobre arrendamento urbano e reabilitação urbana merecem, da parte do PCP, a mais veemente rejeição, pelo que votámos contra estas propostas.

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