Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Procede à quarta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado

...modificando os procedimentos de recrutamento, selecção e provimento nos cargos de direcção superior da Administração Pública
(proposta de lei n.º 15/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado da Administração Pública,
Fazemos um pedido de esclarecimento, porque, nesta matéria, há sempre um conjunto
de anúncios e de boas intenções que, normalmente, decorrem depois dos períodos eleitorais. É o velho ataque às questões das nomeações partidárias e é sempre a mesma conversa que, depois, pouca concretização tem em termos de iniciativas legislativas.
E desta vez voltou a repetir-se o filme. O Sr. Secretário de Estado já respondeu relativamente aos institutos públicos e ao sector empresarial do estado, dizendo que estes estavam de fora das regras de concurso, mas importa aqui referir que mais de 50% da actividade da Administração
Pública fica de fora.
A verdade é que a excepção foi introduzida pelo PS, em 2005, e nós bem a denunciámos, mas é também verdade que o Sr. Secretário de Estado, na proposta que apresenta, mantém as excepções no que respeita às forças armadas, às forças de segurança, ao ensino, à saúde e aos negócios estrangeiros. Estas áreas da Administração Pública ficam de fora de concurso e valem, pura e simplesmente, as nomeações escolhidas pelos membros do governo. E eu pergunto-lhe: porquê? E não venha com argumentos de razões ponderosas, porque, repare: então, na saúde, tem algum cabimento o Governo nomear os administradores de um hospital ou nomear o administrador de um centro de saúde? Qual é a razão que justifica esta nomeação, Sr. Secretário
de Estado?
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Quando se fala de nomeações para cargos dirigentes intermédios e superiores da Administração Pública não faltam, quer ao PS, quer ao PSD e ao CDS-PP, anúncios de moralização e declarações no sentido de que é necessário acabar com as nomeações partidárias na Administração Pública.
António Guterres disse «No jobs for the boys». Mas, apesar das críticas feitas, normalmente, durante o período eleitoral, depois das eleições, as nomeações continuam nos sucessivos governos, sejam eles do PS ou do PSD, com ou sem o CDS-PP.
Depois, surgem as alterações à lei que seguem a máxima «é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma». E as nomeações continuam, porque as alterações à lei nada ou pouco alteram.
Um dos últimos episódios deste «filme» deu-se logo após as eleições de 2005. O Governo PS dizia, com enorme propaganda, que era preciso moralizar a Administração Pública, que a escolha dos dirigentes de topo da Administração Pública não podia depender de nomeação, do cartão partidário, mas, sim, de um concurso que avaliasse, entre aspas, o «mérito» e a «competência». A verdade é que não foi nada disto que aconteceu.
A alteração à lei, então proposta pelo PS, criou uma excepção que permitia que mais de 50% dos lugares de topo da Administração fossem escolhidos por nomeação e não por concurso — «olha para o que digo, não olhes para o que faço».
Nessa altura, em 2005, dissemos: «Na verdade, quando as excepções previstas abrangem mais de 50% da actividade da Administração Pública, então, a excepção é a regra». E demos como exemplo o que se passava na saúde, e que se mantém actual: «Se se pode compreender a
necessidade de haver nomeações para as administrações regionais de saúde, já nada justifica as nomeações para os directores dos hospitais, centros de saúde e respectivas extensões; tal só se pode explicar com a necessidade de saciar o aparelho partidário do PS».
Hoje, é o PSD e o CDS que querem saciar os seus aparelhos partidários. Hoje, é o Governo PSD/CDS que apresenta um diploma que mantém as excepções e os «alçapões» que permitem nomeações para mais de 50% da Administração Pública, e só a «gula» ou a vontade de «chegar pote» justificam estas opções.
Assim, a proposta de lei que hoje se discute não é nada mais, nada menos do que uma acção de propaganda que visa criar a ilusão de que o Governo quer alterar as regras de nomeação dos altos cargos dirigentes da Administração Pública.
As palavras do Programa do Governo do PSD, no sentido de que o PSD se comprometia também «a ‘despartidarizar’ o aparelho do Estado» que os Governos do PS levaram ao extremo, as palavras pomposas do Ministro Miguel Relvas, quando afirma que «estamos a escrever uma nova página na função pública», ou mesmo as declarações do actual Primeiro-Ministro, quando diz que não serão escolhidos os «amigos, os colegas ou os parentes» mas, sim, «os mais competentes», já voaram com o vento e não passaram de propaganda para enganar as pessoas.
Na verdade, a proposta de lei que hoje se discute permite nomeações para os cargos de direcção superior e intermédia das Forças Armadas e forças de segurança, para os órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino, para os órgãos de gestão dos estabelecimentos do sector público da saúde, para os cargos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, para os institutos públicos e entidades públicas empresariais do Estado.
Assim, com esta norma, mais de 50% da actividade da Administração Pública fica sujeita às regras de nomeação e não a concurso, como o Governo quer fazer crer.
Por outro lado, a criação de uma comissão de recrutamento e selecção para a Administração Pública, que apenas acompanha o processo de escolha dos dirigentes superiores, e não intermédios, padece do facto de esta comissão escolher três candidatos e depois ser um membro do Governo a determinar, através de entrevista, quem fica com o lugar de dirigente.
Por fim, não se percebe a ânsia de abrir as portas a candidatos sem vínculo à Administração Pública, quando existem pessoas capazes e competentes para desempenhar as funções dentro dos serviços.
PS, PSD e CDS partilham a ânsia, a sede de chegar ao «pote», mas não é só nas nomeações partidárias, que minam a Administração Pública, que encontramos pontos em comum.
O PS criou o PRACE para destruir e privatizar serviços públicos fundamentais para a população, o PSD seguiu os seus passos com o PREMAC, que tem os exactos e mesmos objectivos; o PS criou o quadro dos supranumerários para despedir, o PSD e o CDS preparam-se para o utilizar intensivamente; o PS cortou nos salários dos trabalhadores da Administração Pública dizendo que eram uns «privilegiados», o PSD e o CDS mantêm os cortes nos salários e preparam um Orçamento do Estado que vai, novamente, penalizar todos os trabalhadores.
Aos trabalhadores da Administração Pública queremos dizer que é possível, necessário e urgente um novo caminho para a Administração Pública, que cumpra a Constituição, que respeite quem trabalha e que preste serviços públicos de qualidade a todos os portugueses. Este caminho exige a luta organizada de todos os trabalhadores para derrotar o pacto de agressão da tróica e dos seus partidos, PS, PSD e CDS-PP. Na linha da frente desse combate, podem contar com o Partido Comunista Português.

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