Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Procede à primeira alteração à Lei n.º 9/2009, de 4 de março, que transpõe para a ordem jurídica interna duas Diretivas

Diretiva 2005/36/CE, do Parlamento e do Conselho, de 7 de setembro, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, e Diretiva 2006/100/CE, do Conselho, de 20 de novembro, que adapta determinadas diretivas no domínio de livre circulação de pessoas
(propostas de lei n.os 64/XII/1.ª e 65/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Temos hoje para discussão duas propostas de lei, a n.º 64/XII e a n.º 65/XII, que, sendo ligeiramente conexas e estritamente ligadas, irei abordar de forma separada.
A proposta de lei n.º 64/XII altera, no fundo, a Lei n.º 9/2009, que por sua vez transpõe, incorporando-a em direito nacional, a Diretiva 2006/100/CE, que aborda o problema da circulação de pessoas e o reconhecimento das qualificações profissionais.
A adesão da Bulgária e da Roménia é o pretexto para a alteração desta Lei n.º 9/2009, mas mantém-se um conjunto de problemas para os quais o PCP alertou na altura da discussão desta Lei e que importava aqui relembrar.
Na altura, dizíamos que «um dos aspetos que nos causa preocupação é a não obrigação de inscrição na segurança social do país onde é prestado o serviço, o que pode levantar dúvidas no que respeita às questões de fraude e fuga de contribuições da segurança social, que convém» — dizíamos nós na altura — «claramente abordar em sede discussão na especialidade.»
Ora, o problema mantem-se, e mantem-se a necessidade de abordar esta mesma realidade, em sede de discussão na especialidade.
Dizíamos também em 2009 que a transposição desta diretiva tenta abordar a articulação entre a liberdade de circulação de pessoas e o reconhecimento das qualificações, embora na altura também disséssemos que de uma forma excessiva e burocrática, com um conjunto de mecanismos extremamente complicados.
A verdade é que são tomadas um conjunto de medidas para simplificar os processos — reconhecemo-lo —, mas passou-se «do 8 para o 80», havendo um conjunto de preocupações relativamente a esta matéria que queríamos aqui deixar.
Veja-se o caso da eliminação da alínea b) do artigo 5.º desta proposta de lei, em que se exigia o certificado em como o prestador de serviços está habilitado a exercer a profissão; agora, é o Estado que pede este certificado que habilita aquele profissional a exercer a atividade em Portugal. Acontece que, passados 30 dias, se não houver qualquer decisão, há um deferimento tácito. Ora, estamos aqui, claramente, face a uma diminuição efetiva do controlo das condições para o exercício da profissão no nosso País, o que nos causa preocupação.
No mesmo sentido vai este reconhecimento tácito dos conhecimentos linguísticos, quando são exigidos para o exercício da profissão.
Portanto, estes reconhecimentos tácitos, claramente, comprometem alguma capacidade de controlo e podem comprometer a qualidade dos profissionais que exercem a atividade em território nacional.
Outra abordagem que fizemos em 2009 e que se mantem refere-se à perspetiva, que em nossa opinião devia ser consagrada, de todo o conjunto dos direitos dos trabalhadores. Dir-se-á que não é esta a diretiva para esta matéria. Bem sabemos a origem e os objetivos desta diretiva dos serviços mas não podemos deixar de referir que, em Portugal, a média dos salários é 77% da média europeia, isto é, estamos no fundo da tabela dos salários a nível europeu e importava salvaguardar aquilo que são os direitos dos trabalhadores no plano europeu, uma vez que há, claramente, uma discrepância gigantesca entre aquilo que são os salários e os direitos dos trabalhadores a nível europeu e esta diretiva visa precisamente a concorrência para facilitar a redução dos salários a nível europeu. Nessa medida, é uma preocupação que não podemos deixar de referir.
Por final, queria dizer que esta proposta de lei não garante, como não garantia em 2009, de uma forma clara, a igualdade de tratamento. Isto é, há condições de acesso a profissões que continuam subjacentes noutros países, que são exigidas aos portugueses que para lá vão e que nós facilitamos em território nacional.
Ora, aqui deveria funcionar o princípio da reciprocidade, isto é, tratamento igual. Se um país exige determinadas condições para o exercício de uma profissão, nós deveríamos ter o mesmo critério para não permitir a discriminação de trabalhadores portugueses face a outros, de outros países.
Depois, a proposta de lei n.º 65/XII é diferente e aborda o problema do acesso à profissão de técnico superior e de técnico de higiene e segurança no trabalho.
Mantém a designação de técnico de higiene e segurança no trabalho, embora a lei remova essa designação, e já lá irei, mas queria dizer que esta alteração se encaixa nesta perspetiva de desregulamentação do exercício da profissão e da lógica da diretiva de serviços.
Creio que aqui posso reproduzir um conjunto de preocupações que nos chegaram por via da Associação dos Técnicos de Prevenção e Segurança, que coloca um conjunto de questões que aqui queria deixar e que, em nossa opinião, devem ser matéria para discussão na especialidade.
Diz a Associação dos Técnicos de Prevenção e Segurança, em primeiro lugar, que não foram ouvidos. Dirá o Governo que não era obrigatória a sua audição. Bem sabemos que não, mas não ficava nada mal ao Governo ouvir esta Associação, que conhece a matéria — são profissionais do ramo e deveriam ser ouvidos nesta proposta de lei.
Diz a Associação que se elimina a área de higiene no trabalho na componente da nomenclatura, do nome da profissão propriamente dita, mas também, dizem eles, no plano curricular e no plano formativo, o que pode depois levar a sérias dificuldades nesta componente essencial que é a higiene no trabalho. É de manter a segurança mas incluir também as questões da higiene, o que é uma preocupação que me parece legítima.
Refere ainda a Associação que há alterações a nível da formação, passando a ser necessário um conjunto de formações que podem ser excessivas, em determinados casos, para o exercício da profissão. Aliás, o parecer da CGTP também aborda, de alguma forma, esta matéria quando refere os problemas que coloca a não renovação do título em função do não cumprimento de algumas metas de formação profissional que podem ser discutíveis.
Depois, a título final, alerta a Associação para a possibilidade de discriminação em alguns países da União Europeia. Dizem que, com esta proposta de lei, é possível que um profissional de outro Estado da União Europeia tenha habilitações necessárias para o exercício da profissão, o que não é reconhecido a outros profissionais para o exercício da mesma profissão no território nacional. Ora, naturalmente, isto pode levar a um princípio de discriminação e aqui, mais uma vez, poderia funcionar o princípio da reciprocidade, um princípio em que devemos tratar igual o que é também tratado de forma igual nos outros países e, assim, esta proposta de lei seria mais justa e mais equilibrada.

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