Intervenção de

Procede à clarificação de conceitos atinentes à duração do trabalho-Intervenção de Odete Santos

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A redução do tempo de
trabalho para as 40 horas regressa ao debate na Assembleia da
República, mais uma vez por iniciativa do Grupo Parlamentar
do P.C.P.

Foi o P.C.P. quem, através de
um Projecto de Lei pioneiro nesta matéria, trouxe para
o Parlamento a grande reivindicação dos trabalhadores
portugueses.

Foi o P.C.P. quem insistiu na urgência
de, por via legal, se obter, como tempo máximo da duração
de trabalho, as 40 horas semanais.

Na altura, o P.C.P. pôde contar
com o apoio do Partido Socialista, é bom que se recorde.

Com esta atitude o Partido Socialista
apresentar-se-ia ao eleitorado com uma proposta assim tornada
credível. O Partido Socialista prometeu ao Povo Português,
aos trabalhadores portugueses, a redução do horário
semanal de trabalho para as 40 horas. Promessa que fez incluir
no seu Programa de Governo.

Mas em breve ficou claro que a promessa
não era para cumprir. Que o Partido Socialista usava de
reserva mental mesmo no seu Programa de Governo.

Se alguém ainda tinha esperanças,
perdeu-as definitivamente, quando, para espanto de muitos, o P.S.
que sempre votara favoravelmente o Projecto do P.C.P., votou contra
o mesmo texto por nós reapresentado nesta legislatura.

Hoje, os senhores Deputados do Partido
Socialista têm a oportunidade de fazer jus a parte das suas
promessas, de confirmar aquilo que repetidamente disseram aos
representantes dos trabalhadores, nesta Assembleia, com publicidade,
a respeito das pausas e intervalos de descanso. Têm oportunidade
de mostrar uma só cara, e reafirmar em termos de uma nova
lei, e não de uma lei interpretativa, aquilo que repetidamente
disseram na Comissão de Trabalho e em subcomissões
por esta criadas. A Assembleia teria estabelecido os limites materiais
da aplicação da Lei. O Parecer da Comissão
de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias aprovado
em Plenário teria estabelecido esses limites por forma
a que as pequenas pausas e intervalos de descanso fossem consideradas
trabalho efectivo. A proposta do P.C.P. para que fosse eliminado
o nº 3 do artigo 1º da Lei 21/96 por forma a que ficasse
claro que aqueles tempos não eram excluídos do tempo
de trabalho para efeito da redução para as 40 horas,
teria sido redundante. Porque, segundo foi expressamente afirmado,
tal já decorria da lei.

Afirmações deste género
foram feitas por deputados de todos os Grupos parlamentares, e
chegaram mesmo a ser reproduzidas para todo o País perante
os órgãos de comunicação social, sob
as luzes dos canais televisivos.

Tudo isto constará para a história.
Para o confronto com o que hoje se irá passar neste Plenário.

E o que se passar, nada dirá
sobre a interpretação da Lei 21/96. Que essa será
feita na sede própria, em face da vontade expressa pelo
legislador, onde não serão de somenos importância
as posições expressas pelos Grupos Parlamentares
relativamente à forma como a lei estava a ser aplicada,
onde não será de somenos importância, nomeadamente,
o voto contra o recurso do P.C.P.. A negação no
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos
Liberdades e Garantias, aprovado em Plenário, de um dos
argumentos utilizados pelo P.C.P., precisamente o que dizia respeito
às pausas e intervalos de descanso.

O que hoje se irá passar dirá
aos trabalhadores, e a todo o Povo Português, se os Deputados
estão dispostos a pôr fim à conflitualidade
gerada pela Lei 21/96, pelo Governo, pela Inspecção
de Trabalho, com manifesto desrespeito pelos direitos de quem
trabalha.

O fim da conflitualidade, é isso que vos propomos. É isso que
os trabalhadores esperam do Parlamento e o resultado da consulta pública
sobre o diploma em discussão, prova o interesse dos trabalhadores na
aprovação do Projecto. Os trabalhadores recorrem ao Parlamento,já
que o Governo, de parceria com o a CIP, CCP,CAP e UGT numa dita Comissão
de Acompanhamento, uma Comissão Para-Corporativa, menospreza a conflitualidade,
e negando um dos seus emblemas- o diálogo-mostra os espinhos da "rosa".
Aos trabalhadores, claro.

Senhor Presidente
Senhores Deputados:

Ao contrário do que o Governo
pretende fazer crer, os atropelos aos direitos dos trabalhadores,
os atropelos à lei não se centram apenas no Norte
e Centro do País, não dizem respeito a um número
ínfimo de trabalhadores, não se trata de um problema
de somenos importância.Sê-lo-á para a Senhora
Ministra, que refere que são "apenas" 270.000
os trabalhadores que "ainda" não beneficiam da
redução do tempo de trabalho. Questão de
somenos para a responsável da pasta do emprego, que não
tem pejo em proclamar que é ridículo como o fez
hoje na T.S.F., discutir pausas de 20 minutos por dia.

Mas a luta dos trabalhadores, a greve
contra a aplicação abusiva da lei dura há
mais de 5 meses. Prova evidente de que os trabalhadores de hoje
sentem, como aqueles que, pioneiros na luta pela redução
do horário de trabalho deram mesmo a vida nessa luta, sentem
que o que continua a estar em causa, é o combate contra
a desregulamentação do trabalho. Nessa desregulamentação,
a linha avançada do patronato sempre utilizou a rapina
relativamente ao tempo livre dos trabalhadores. Como hoje a utiliza,
do Norte ao Sul do País segundo levantamento efectuado,
que prova que por toda a parte, com honrosa excepção
para as empresas que respeitam as pausas considerando-as tempo
de trabalho efectivo, aos trabalhadores vai sendo roubado tempo
livre dentro do tempo de trabalho. Aos trabalhadores é
sonegada a redução para as 40 horas de trabalho,
enquanto as empresas se preparam para tirar mais amplo proveito
da lei 21/96, através da possibilidade de acabar com o
carácter semanal do horário de trabalho, permitida
com os ciclos de 4 meses, avançando-se já, nalguns
casos, para a anualização do horário de trabalho.

Atingidos são muito mais do que
os 200.000 trabalhadores dos texteis,vestuário e calçado.

Atingidos são os trabalhadores
das indústrias de alimentação do sul e tabacos,
do Comércio escritório e Serviços, das Indústrias
de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa, da Construção,
Mármores e Madeiras, das Indústrias Eléctricas
do Sul e Ilhas, dos Transportes Urbanos de Lisboa, da Indústria
Metalúrgica e Metalomecânica, da Portaria e Vigilância.
Atingidos perante a inércia conivente do Governo, do Ministério
do Emprego , da Inspecção do Trabalho. E atingidos
das mais diversas maneiras. Há para todos os gostos no
leque de atropelos à lei. Desde a alteração
de horários sem qualquer consulta aos representantes dos
trabalhadores, até à eliminação das
pausas, à redução do horário à
custa das pausas, à redução do tempo para
o almoço, até ao próprio prolongamento do
tempo de permanência na empresa. Tudo numa teia de cumplicidades
com quem apadrinha tudo isto com um sorriso seráfico e
muito entendido! O sorriso de quem entende que na Concertação
é que está o ganho. Seguramente que está,
mas para quem?

A Senhora Ministra tem feito questão
de salientar a importância desta Concertação,
não tendo qualquer pejo em afirmar, como o fez na resposta
ao Senhor Provedor de Justiça que a lei 21/96 não
é um texto apurado e rigoroso sob o ponto de vista técnico-jurídico.
Pasme-se, perante tal afirmação da parte de quem
faz gala de ostentar um ar de eficiência técnica.
Pasme-se perante tal afirmação por parte de quem
conta no seu gabinete com um Secretário de Estado, professor
de Direito, autor de livros técnicos, onde chega a salientar
a importância da luta dos trabalhadores pela redução
do horário de trabalho.

Mas não se fica por aqui a senhora
Ministra: ainda em resposta ao Senhor Provedor de Justiça,
invocaria, em defesa da interpretação da lei feita
no seu Ministério, que a Comissão de Acompanhamento
tinha feito a interpretação autêntica do
diploma. Esta afirmação, por parte de quem quer
ostentar rigor, diz-nos da forma como o órgão legislativo,
em questões de trabalho, a Assembleia da República,
é encarada pelo Governo.

Ficámos a saber que a senhora
Ministra, e através dela o Governo, consideram que os legisladores
são a CIP, a CCP, a CAP e a UGT: Porque "os legisladores"
é que fazem a interpretação autêntica.
À Assembleia da República está apenas distribuído
o papel de cartório notarial onde os deputados certificam
que no dia tal, às tantas horas, e perante o Presidente
da Assembleia da República, compulsada a consulta pública
às organizações de trabalhadores que se revelou
sem interesse para o efeito, compareceu o Governo na qualidade
de procurador da Comissão de Acompanhamento, e atestou
que era vontade dos membros da sua representada que entrasse em
vigor a minuta de lei entre todos cozinhada.

Ou, se se preferir, já que se
trata de uma união de facto candidata a casamento, a Assembleia
funciona como uma Conservatória do Registo Civil que recebe
como convenção antenupcial o texto do acordo concertado.

Trata-se de facto de um desaforo. De
uma ofensa aos próprios trabalhadores.

Como ofensivos são todos os jogos
de palavras saídos do Governo sobre a questão da
efectiva redução do horário de trabalho no
tempo de trabalho. Ou, efectivamente, da redução
do horário de trabalho no tempo de trabalho efectivo. Ou
da redução efectiva do tempo de trabalho no período
normal de trabalho. Nestes jogos de palavras é exímio
o Governo, em especial a Senhora Ministra, o Senhor Secretário
de Estado do Trabalho, sem se esquecer o Senhor Primeiro Ministro.

E não param por aqui as contradições.
No debate na generalidade àcerca da proposta de lei da
flexibilidade e polivalência, a senhora Ministra, logo a
abrir afirmaria que se tratava de um momento histórico.
Diria a senhora Ministra reportando-se à última
alteração sobre o máximo do horário
semanal de trabalho: Hoje, cinco anos volvidos estamos à
beira de poder fixar esse máximo nas quarenta horas de
trabalho.

Meses mais tarde, diria o Senhor Secretário
de estado do Trabalho, na Comissão de Trabalho que o máximo
legal continuava a ser de 44 horas de trabalho.

Mas nesta tosca encenação,
os membros do Governo mostraram-se exímios em operações
de propaganda e diversão que passaram por um raid compulsivo
a empresas cumpridoras da lei para que todas as outras, relapsas,
suspirassem por tão almejado prémio! Que passaram
por comunicados nos jornais, confusos quanto baste!

Mas a verdade é que os trabalhadores não desmobilizaram, e não
vão desmobilizar!

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A lei 21/96 introduziu na legislação
do trabalho a noção de trabalho efectivo.

Que para nós só tem uma
interpretação, que é aquela que exaramos
no nosso Projecto de Lei, para que tudo fique clarificado. O trabalho
efectivo, inclui as pausas ou intervalos de descanso quando o
trabalhador está no exercício das suas funções,
ainda que haja paragem do posto de trabalho ou substituição
do trabalhador.

A noção de trabalho efectivo
que foi explicitada pelo Senhor Secretário de Estado do
Trabalho em entrevista ao Jornal O Público, não
é uma interpretação conforme à nossa
Constituição, nem com a Ordem Pública Social
que preside ao Direito do Trabalho de um Estado de Direito Democrático.
Nem é uma interpretação que se possa arrogar
de modernidade. A menos que, como diziam recentemente os Sindicatos
Suíços em luta, que ganharam contra uma lei de flexibilidade,
passem a estar na moda formas disfarçadas de escravatura.

A questão das pausas e intervalos
de descanso de que tratamos, das próprias pausas contratadas
não se podem presumir de interesse bilateral, ao contrário
do que também disse a Senhora Ministra do Emprego em resposta
ao Senhor Provedor de Justiça.

As pausas e intervalos de descanso conquistadas
pelos trabalhadores são efectivamente tempo livre do trabalhador,
ainda que no exercício das suas funções e
não são problema individual. São problema
do Estado de Direito Democrático.

Destinadas a proteger a saúde
do trabalhador contra os ritmos brutais de trabalho, destinadas
a assegurar a reprodução da força de trabalho,
vão reverter em benefício da empresa, em benefício
da produtividade, da competitividade Não pode ser remetida
para o trabalhador uma parte do custo da força de trabalho
utilizada pela empresa. Uma parte do custo da reprodução
da força de trabalho. Retirar do conceito de trabalho efectivo
as pausas e intervalos de descanso destinadas a assegurar a manutenção
da força de trabalho nos níveis exigidos pela produção
equivaleria a criar a ficção economicista de um
trabalho descartável da própria pessoa do trabalhador.

Tempo de trabalho efectivo, é
o tempo pressionado pelo trabalho.

Por isso mesmo, e apesar de ser uma
cedência à luta dos trabalhadores, o despacho do
Senhor Secretário de estado que concedeu que que a meia
hora destinada à refeição no trabalho por
turnos seria trabalho efectivo, tal despacho contém ainda
o sinal retrógrado de compelir os trabalhadores à
assinatura de um documento onde se declarassem disponíveis
para o trabalho nessa meia hora.

Efectivamente assim não é
nem pode ser.

O tempo livre dos trabalhadores foi
invadindo o tempo de trabalho. Através das férias
pagas, da suspensão do contrato de trabalho para licenças
parentais, para a procura de emprego, para a formação
profissional. O tempo livre dos trabalhadores das pausas e intervalos
de descanso, que as empresas aceitaram como uma forma de aumentar
a própria produtividade e competitividade, alojaram-se
no conceito de tempo de trabalho.

E é isto que o Governo não
quer aceitar enfeudado à noção de tempo de
trabalho que Autores franceses chamam de Temps des Marchands.
Tempo geneticamente inseparável dos Capitalistas Interessados
no aumento da utilização dos equipamentos à
custa da exploração do Homem, ainda que para além
das suas forças.

É esta noção, inconstitucional,
que não pertence ao nosso ordenamento jurídico.
E para que não restem dúvidas perante a confusão
lançada pelo Governo propomos a clarificação
de conceitos sobre duração de tempo de trabalho,
onde o mais importante, é, sem dúvida, o que consta
do artigo 3º, por forma a ficar claro que as pausas e intervalos
de descanso quando o trabalhador se encontra à disposição
da entidade patronal no exercício da sua actividade ou
das suas funções, incluindo os períodos em
que houver paragem do posto de trabalho ou substituição
do trabalhador são tempo de trabalho e são trabalho
efectivo. Embora sejam tempo livre do trabalhador, são
tempo pressionado pelo trabalho, representam a carga real do trabalho.

Há uma ordem pública social
que preside ás relações de trabalho. Que
preside à organização do trabalho.

A regulamentação do tempo
de trabalho não pode ser vista unicamente do ponto de vista
da empresa. E é assim que o Governo considera esta questão,
assumindo-se como um defensor dos interesses empresariais. Assumindo
a desregulamentação da organização
do trabalho.

Mas a desregulamentação
do tempo de trabalho compromete o interesse geral e não
apenas o interesse dos trabalhadores.

A imposição de trabalho
aos sábados em resultado da interpretação
feita pelo Governo do conceito de trabalho efectivo, privando
os trabalhadores do seu tempo livre com a família, a não
redução para as 40 horas do horário semanal
de trabalho, limita o tempo para a vida social. Para além
de ser um obstáculo à utilização da
redução como uma forma de combate ao desemprego.
O alongamento da jornada de trabalho, tal como se prevê
na lei 21/96 insere-se na desregulamentação contra
o interesse geral.

O Governo não quer aceitar que
há uma ordem pública social inderrogável.
Uma ordem pública que resiste a Comissões de Acompanhamento,
a ordem pública social que os trabalhadores foram construindo
através dos tempos e que defendem e defenderão com
especial denodo, resistindo contra fraudes e enganos.

Hoje, a Assembleia da República
tem uma oportunidade de pôr cobro à conflitualidade
existente.

Sobre o Governo continuará a
recair o labéu de nada fazer para que a lei 21/96 seja
cumprida na interpretação que lhe foi dada pela
Assembleia da República. Ou, melhor dizendo, sobre o Governo
continuará a recair a mancha de considerar como legisladores
os seus parceiros de Concertação.

A mancha de fazer interpretações
retrógradas e inconstitucionais da noção
de trabalho efectivo.

A mácula de criar uma trama em
que acabou por ser colhido perante a resistência dos trabalhadores.

Trabalhadores que já tudo conheceram.
Despedimentos por motivos ditos atendíveis, com a fundamentação
de que a trabalhadora x não interessa por fazer greve.
E mesmo tentativas de aliciamento para desmobilização
da greve a troco de uns patacos.

Trabalhadores que em resultado da desregulamentação
do trabalho, bem visível no regime de organização
do trabalho defendido pelo Governo, são atingidos pelas
mais diversas formas de opressão, particularmente visível
nos despedimentos em massa como está a acontecer, por exemplo
na Grundig, que anunciou hoje o despedimento de 140 trabalhadores.

Quando se luta com a determinação
que pudemos ver nas empresas que visitámos, com a determinação
que a senhora Ministra não viu porque o receio a assaltou,
uma certeza pode considerar-se adquirida: a certeza de que a redução
para as 40 horas de trabalho, tal como o P.C.P. sempre propôs,
está ao alcance e será uma conquista dos trabalhadores.

Ao pretendermos a clarificação
dos conceitos relacionados com o tempo de trabalho, quisemos dar
uma contribuição positiva e construtiva que dignifique
esta sede legislativa, uma contribuição que se transforma
numa oportunidade de os Grupos Parlamentares, no acto da votação,
corresponderem à palavra dada aos trabalhadores e às
suas organizações; uma contribuição
que não substitui a luta notável que eles têm
vindo a travar, que há-de prosseguir para além do
desfecho da iniciativa legislativa.

È que, Senhor Presidente e Senhores
Deputados, estamos a tratar de um direito histórico que
envolveu, durante mais de um século, gerações
inteiras de trabalhadores e que há-de envolver outras.

O P.C.P. assume as suas responsabilidades
que exigem opções.

E a principal é estarmos ao lado das aspirações mais
justas reclamadas pelos trabalhadores.

Disse

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